quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Os Incômodos desse Som ao Redor


Poucas vezes um filme teve um título tão adequado e profético. O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, não apenas justifica seu título nos ruídos da vizinhança que sua narrativa retrata – ruídos esses que fazem parte da construção de uma atmosfera sutilmente opressiva e reveladora – como também vem ressonando para além de suas projeções nas salas de cinema.

Não bastasse a surpreendente repercussão internacional ao ser apontado pelo jornal The New York Times e pela conceituada revista de cinema britânica Sight and Sound como um dos melhores filmes de 2012, o filme vem ganhando um sonoro boca a boca, além de sonoros aplausos por onde passa. Mas essa sonoridade parece estar incomodando alguns opositores desse tipo de cinema, mais preocupado em estimular o pensamento reflexivo do que o riso estéril.

Kleber Mendonça Filho: duelos e ressonâncias
O mais recente fato desse desconforto que o filme parece causar a uma classe desacostumada ao reflexo e à provocação veio do diretor-executivo da Globo Filmes, Cadu Rodrigues. Aparentemente, o executivo não gostou de uma declaração de Kleber Mendonça Filho, publicada no jornal Folha de S.Paulo no último domingo (17), edição que trouxe uma série de matérias a respeito do filme, ressonando ainda mais sua importância para o cinema nacional e para o momento histórico do país.

A declaração em questão é essa: “Minha tese é a seguinte: se meu vizinho lançar o vídeo do churrasco dele no esquema da Globo Filmes, ele fará 200 mil espectadores no primeiro final de semana".

A resposta veio em forma duelística, por meio de um e-mail público de Cadu Rodrigues: “Desafio o cineasta Kleber Mendonça Filho a produzir e dirigir um filme e fazer 200 mil espectadores com todo apoio da Globo Filmes! Se fizer, nada do nosso trabalho será cobrado do filme dele. Se não fizer os 200 mil, assume publicamente que como diretor ele é talvez um bom critico[sic]. Vamos ao desafio, caro diretor”.

O convite à peleja circulou pelas redes sociais nesta quarta-feira (20). Muitos defensores tomaram à frente a qualquer resposta de Mendonça Filho e responderam publicamente a Cadu Rodrigues, oferecendo diferentes contradesafios em resposta, nos quais propunham ações à Globo Filmes para que fizesse pelo cinema nacional algo mais do que o puramente comercial.

Para encerrar a rinha, iniciada sem propósito de lógica ou razão pelo executivo melindrado, a resposta oficial do diretor desafiado veio à noite:

“Olá Cadu

Locação de uma das cenas mais emblemáticas do filme
Estava em trânsito o dia inteiro, cheguei em Istambul onde O Som ao Redor será exibido nos próximos dias. O Facebook e a imprensa fervilham com nosso embate.

Preciso lhe agradecer pelo desafio, mas sua proposta associa a não obtenção de uma meta comercial (200 mil espectadores) como prova irrefutável de que eu não seria um cineasta. Isso não me parece correto, pois o valor de um filme, ou de um artista, não deveria residir única e exclusivamente nos número$.

Sobre ser crítico ou cineasta, atuei como ambos e meu discurso permanece o mesmo, e sempre foi colocado publicamente, e não apenas em mesas de bar: o sistema Globo Filmes faz mal à ideia de cultura no Brasil, atrofia o conceito de diversidade no cinema brasileiro e adestra um público cada vez mais dopado para reagir a um cinema institucional e morto.

Devolvo eu um outro desafio: Que a Globo Filmes, com todo o seu alcance e poder de comunicação, com a competência dos que a fazem, invista em pelo menos três projetos por ano que tenham a pretensão de ir além, projetos que não sumam do radar da cultura depois de três ou quatro meses cumprindo a meta de atrair alguns milhões de espectadores que não sabem nem exatamente o porquê de terem ido ver aquilo.

Esse desafio visa a descoberta de novos nomes que estão disponíveis, nomes jovens e não tão jovens que fariam belos filmes brasileiros que pudessem ser bem visto$, se o interesse de descoberta existisse de membro tão forte da cadeia midiática nesse país, e cujos produtos comerciais também trabalham com incentivos públicos que realizadores autorais utilizam.

Não precisa me incluir nessas novas descobertas, gosto do meu estilo de fazer cinema. Ainda estou no meio de um grande desafio com O Som ao Redor, 9 cópias 35mm, mais algumas salas em digital, chegando aos 80 mil espectadores em 8 semanas, e com distribuição comercial em sete outros países. A maior publicidade de O Som ao Redor é o próprio filme. Para finalizar, esses embates são importantes, fazemos cinemas diferentes, em geografias diferentes. Obrigado, tudo de bom. Kleber”.

O que se tira disso tudo? Em princípio, o abismo que separa quem está interessado em cinema e quem está interessado em bilheteria. Pode não parecer, mas são coisas completamente distintas, ainda que muitas vezes perniciosamente ligadas. Mas o fato que fica é um conselho: apure seus ouvidos. Esse som ao redor ainda vai fazer muito barulho.
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P.S.: Este é um texto opinativo claramente favorável ao diretor desafiado. Não deixe de procurar outras fontes e opiniões.
P.P.S.: Clique aqui para ler a matéria de Fernanda Mena publicada na Folha de S.Paulo

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