domingo, novembro 21, 2010

O Lutador

The Wrestler
Darren Aronofsky
EUA, 2008

Em certos filmes é preciso buscar a chave: aquele momento do filme em que se dará ao expectador o elemento para entendê-lo em sua dimensão maior. Em O Lutador, ela só chega perto do fim, quando Randy “Carneiro” Robson diz, apontando para o ringue: aquele é o único lugar onde não me machucam.

Contar a história de O Lutador é contar a história do ator que o protagoniza. Pois, como disse a revista Newsweek, nunca houve uma convergência tão grande entre ator e personagem.

Na vida real, o ator Mickey Rourke despontou no anos 80 como uma das maiores promessas do cinema. Foi comparado a James Dean e Marlon Brando. Mas ficou na promessa. Realizou ótimos filmes, mas à partir de 91/2 Semanas de Amor passou a escolher cada vez piores papeis. Entrou em descenso e jamais se recuperou. 

Os papeis que interpretou nos anos 90 foram dados muito mais pela amizade do que por seu talento. Desistiu do cinema, entrou para o mundo do boxe e chegou aos dias de hoje velho, com o rosto deformado por uma mistura de socos da vida, socos dos ringues e aplicações de botox. 

Em Sin City, de Robert Rodrigues e Frank Miller voltou às telas e mostrou que talvez poderia se reerguer. Agora em O Lutador, se tornou “o” assunto e já arrebatou dezenas de prêmios de melhor ator, incluindo o Globo de Ouro, e entra como favorito ao Oscar no próximo domingo.

No filme, Rourke interpreta Randy “Carneiro” Robinson, um lutador de luta livre (aquelas lutas encenadas que levam a platéia ao delírio) que foi um fenômeno de sucesso nos anos 80 e que hoje, aos 50 anos, vive a decadência de se apresentar em acanhados ginásios de cidades pequenas, com cachês mínimos. É admirado pelos colegas de ringue e pelos mais velhos, que cresceram com pôsteres dele no quarto.

Randy não tem esposa ou namorada, apenas uma filha que não vê faz anos e que o odeia. É apaixonado por uma stripper, (vivida por Maraisa Tomei em forma invejável).

A vida de Randy é, portanto, a própria decadência. Tem dificuldades em pagar o aluguel da espelunca onde mora, precisa fazer bicos fora das lutas para garantir o sustento, passa por humilhações diversas. Mas as coisas se tornam realmente graves quando depois de sofrer uma parada cardíaca ele se vê obrigado a parar de lutar.

Desorientado ele tenta se reconciliar com a filha e se envolver com a stripper. Mas sente que só dentro dos ringues a vida lhe poupa das pancadas e da dor. Esta talvez seja a constatação mais dura do filme, pois apesar de ensaiadas, as lutas machucam de verdade. 

Ao afirmar que somente no ringue não se sente machucado, Randy demonstra toda sua solidão, sua tristeza e decepção com a vida. Ele reconhece seus erros, sabe que os cometeu em quantidades quase irreparáveis (contra si mesmo e contra os outros), mas sabe também que sua natureza é uma só e que o único lugar onde se sente vivo é também o lugar que mais rapidamente pode matá-lo.

A interpretação de Rourke é mesmo incrível e de fato o ajuste da história do personagem com sua própria história geram uma simbiose que salta aos olhos. A direção de Darren Aronofsky é enxuta, cria um filme seco, onde a vida raramente é generosa ou cordial.

O Lutador é um filme comovente e duro. Um filme que mostra o quanto a vida pode ser um poço profundo e o quanto o que somos pode ser, mesmo como último recurso ou mesmo como risco de morte, nossa única opção. O resto é um passado sem retorno, onde os erros cometidos não têm mais conserto, onde nada mais tem volta e tudo que resta é lutar.
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