segunda-feira, setembro 05, 2011

O Planeta dos Macacos: A Origem


 
Rise of The Planet of The Apes
Rupert Wyatt
EUA, 2011
105 min.

As duas grandes qualidades de “O Planeta dos Macacos: A Origem” são o roteiro e os efeitos especiais. O roteiro, por conduzir bem a trama, mantendo a linha narrativa tensa; os efeitos, por serem utilizados em favor da narrativa e do personagem, por servirem ao filme. Ambos apresentam, separadamente, falhas pontuais, quase todas na primeira metade da película. Mas juntos conseguem dar vida e substância à história.

Chama-se “a origem” porque retoma uma franquia que se iniciou com um clássico em 1968. “O Planeta dos Macacos”, naquele ano, era protagonizado por Charlton Heston, em um papel que marcaria sua carreira. Um astronauta que cai num planeta onde macacos inteligentes escravizam humanos. A cena final desta produção é antológica, lembrada até hoje pelo que trazia de surpreendente e desolador. Até 1973 foram quatro continuações, nenhuma com a mesma qualidade do primeiro. Em 2001, Tim Burton revive a franquia, fazendo uma releitura do original, alcançando algum sucesso nas bilheterias. A história e a figura dos macacos falantes se mantém no imaginário do cinema, nunca desvanecendo totalmente. O que talvez explique a retomada da franquia e seu revigorado fascínio.

Para contar a origem dessa história, este novo filme começa com a busca pela cura do Alzheimer. O cientista Will Rodman (James Franco) lidera a pesquisa para o desenvolvimento de uma droga capaz de regenerar células no cérebro. Testada em chimpanzés, faz com que desenvolvam capacidades de aprendizado surpreendentes. Obter sucesso nessa pesquisa dará a Rodman não apenas o status de cientista do século, mas também a cura para seu pai, que sofre com a doença. O cientista, interessado em apressar os testes em humanos, anuncia para investidores os resultados obtidos. No entanto, logo descobre que sua droga pode causar efeitos indesejados. O modo desastroso como isso é revelado quase encerra sua carreira e o obriga a recomeçar a pesquisa do zero. No entanto, após o traumático episódio, indo contra códigos de ética, o Dr. Will leva para sua casa um filhote de chimpanzé cuja mãe, inoculada com a droga, teve de ser sacrificada.

Dando ao filhote o nome de César, o cientista percebe que o jovem chimpanzé herdou da mãe os efeitos positivos da droga, sem os efeitos colaterais. César é o verdadeiro protagonista do filme. Desenvolvido com efeitos especiais de captura de movimento e interpretado por Andy Serkis - mesmo ator que com a mesma técnica interpretou o Golum/Smeagol da trilogia “O Senhor dos Anéis” -, sua presença em cena é marcante.

César cresce escondido da vizinhança no sótão da casa onde Will vive com seu pai. O macaco desenvolve uma inteligência fora do comum, se comunicando por meio de linguagem de sinais. Animado com o grande desenvolvimento de César, Will trabalha em uma nova e melhorada versão da droga. Insatisfeito com a burocracia dos procedimentos, testa a droga em seu pai. Os resultados são rápidos e mais uma vez surpreendentes e ele recebe autorização para uma nova rodada de testes em chimpanzés. Mas um incidente envolvendo César obrigará Will a mandá-lo para um centro com outros símios. César, com sua inteligência desenvolvida e magoado por ter sido abandonado em um lugar hostil, planeja e lidera uma revolta que ganha proporções gigantescas.

Não faltam neste novo filme referências e indicações ao original de 1968. Notícias de uma nave tripulada a marte, perda de contato com os astronautas, somam-se a outras pistas que explicam os acontecimentos do primeiro filme. Mas o foco aqui é César e a história de como o planeta, em pouco tempo, se tornará um domínio dos símios evoluídos. Essa assustadora perspectiva para o futuro da humanidade, que um dia será subjugada pelos primatas, começa a ser montada já na infância de César. Mesmo sendo um dócil e carinhoso animal inteligente vivendo entre humanos, há nessa relação improvável uma sensível incompatibilidade. Mesmo em situações corriqueiras, das mais inofensivas, há sempre uma tensa expectativa pairando.

As cenas da primeira parte do filme mostram a inteligência de César se desenvolvendo enquanto ele cresce com as naturais habilidades de um animal que é atleticamente muito superior ao homem. Os efeitos especiais, neste início, são falhos em alguns pontos. A necessidade da câmera em acompanhar as acrobacias de César pela casa revela a composição digital da cena, uma imperfeição nos efeitos que incomoda. Há ali uma distância entre o que se imaginou para a cena e o que se é capaz de fazer com a tecnologia sem que pareça artificial.

Tão artificial quanto essas cenas de César na primeira metade é o comportamento e as atitudes do Dr. Will. Suas decisões ferem o mais básico da ética científica, como testar uma droga inacabada em um ser humano ou levar um animal de laboratório para casa. Mesmo suas ações sendo justificadas na caracterização humanitária do personagem, elas mais parecem com decisões de um cientista maluco. Esse é um dos pontos em que o roteiro se enfraquece, com o Dr. Will personificado como alguém equilibrado agindo de forma desequilibrada. Melhor seria, talvez, dosar essa personificação com algum desvio, mesmo que leve, para que suas ações não soassem tão disparatadas.

A artificialidade de alguns efeitos especiais e o comportamento destoante do Dr. Will, juntam-se, neste início de filme, a uma montagem que erra a mão. Ao apressar os eventos com saltos mal conectados na narrativa, essa montagem prejudica o começo do filme. São falhas pontuais, presentes apenas na primeira metade da fita. Na segunda parte tudo flui muito melhor. Mas esses pontos fracos, mesmo sem prejudicar o filme de forma geral, impedem que ele se torne algo para o qual poderia estar predestinado: se tornar um épico.

Apesar de alguns pilares fracos, o filme sustenta a tensão do início ao fim, mantendo tesa a linha narrativa, preservando uma crescente expectativa. Parte desse resultado pode ser atribuído ao excelente trabalho de caracterização do César adulto, em especial as expressões em sua face. Mais do que seus movimentos e cenas de ação, é o detalhe de seu olhar, suas nuances – que variam entre afetuoso, confuso, triste, alegre, determinado - que dá o tom do filme.

Desde a fuga liderada por César até o último plano, antes dos letreiros finais (que logo são interrompidos para uma breve continuação de cenas que mostram a extensão apocalíptica do desfecho), o filme se supera com cenas bem montadas, efeitos bem articulados e a explosão de consequências catastróficas com a rebelião dos macacos. O ápice é a cena da ponte, o embate com cores de guerrilha urbana, e uma cena-chave que faz a ligação direta entre este filme e o filme original de 1968.

Não é por acaso que o líder da rebelião se chama César, não é por acaso que sua autoridade e liderança são incontestáveis. São referências shakespearianas que temperam a trama. Um tempero que dá ao filme personalidade. Como quando César, saudado por seu “exército”, vislumbra a extensão dos domínios a serem conquistados por seu iminente império. E então, é como se dissesse: a sorte está lançada.
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