sexta-feira, setembro 30, 2011

O Dia em Que Eu Não Nasci



Das Lied in Mir
Florian Micoud Cossen
Alemanha/Argentina, 2010
94 min.

A forma muitas vezes contida com que os personagens de “O Dia em Que Eu Não Nasci”, filme que estreia nesta sexta (30), reagem a graves segredos revelados não condiz com o peso dessas revelações. São segredos do passado, que trazem à tona esqueletos em cova rasa e mudam todas as coisas. Nessa apatia do elenco, a exceção fica com Estela (Beatriz Spelzini), que diante da sobrinha desaparecida há mais de 20 anos, se desdobra numa comovente reação, expressa no rosto e nas lágrimas com delicado equilíbrio.

Da Alemanha, Maria (Jessica Schwars) está a caminho do Chile. Enquanto aguarda um voo de conexão em Buenos Aires, ouve uma mulher cantando, em espanhol, uma canção de ninar. Maria, que além de sua língua nativa - o alemão - fala apenas inglês, reconhece a canção. Sabe a melodia e a letra, ainda que não entenda o significado das palavras. Desconcertada, não consegue conter o choro.

O inusitado acontecimento a faz perder sua conexão. Ao sair do aeroporto para procurar um hotel, perde também o passaporte. Telefona para o pai na Alemanha para explicar o contratempo e comenta sobre a canção. Dois dias depois, sem avisar, ele aparece no hotel onde Maria está hospedada.

É entre coincidências e fatos inusitados que vai surgindo um mistério na vida da personagem. Como explicar a familiaridade que ela, que nunca esteve em Buenos Aires antes, sente com a cidade? Diante disso, Maria pressiona seu pai, que reluta em explicar sua vinda súbita à cidade. Mas aos poucos revelará para a filha a verdade sobre seu passado e a ligação que ela tem com a cidade.

Com um bom argumento, o filme desdobra a verdade em camadas. A cada tanto que se aprofunda nos fatos dolorosos do passado, mais a trama cria uma situação complexa, em que Maria se vê diante de um dilema profundo, doído. Estão em jogo afeto, moral, ética e sentimentos conflituosos.

Ao evocar as tragédias da ditadura argentina nos anos 70, o filme registra a indignação e a resignação em porções distintas. Mas esse trabalho é prejudicado pela narrativa burocrática. Acerta ao evitar o dramalhão em que uma história como esta poderia desaguar. Mas ao conter demais as emoções contém também parte da naturalidade dos personagens. Funciona, no entanto, com um bom registro desconstrutivo da identidade de sua protagonista.

Ao caminhar de uma certeza sobre quem é para a incerteza de uma identidade perdida, Maria faz caminho inverso ao natural. Recomeçar a construir a si própria e redefinir sua identidade destroçada é o grande drama dessa personagem. Uma riqueza temática que se dilui bastante no contido das atuações.
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