quinta-feira, dezembro 08, 2011

Margin Call – O Dia Antes do Fim



 Margin Call
J. C. Chandor
EUA, 2011
107 min.

A ambiguidade em uma das falas finais do personagem de Kevin Space em Margin Call – O Dia Antes do Fim serve como retrato de um tempo de colapsos e incertezas. Quando ele diz que fará o que lhe foi pedido apenas porque precisa do dinheiro, não há como saber se o sentido de “precisar” se refere a uma necessidade de subsistência ou uma necessidade por apego. Essa ambiguidade de valores se alterna nos diversos personagens do filme, que no espaço de 24 horas precisarão lidar com uma crise que pode abalar o sistema de capitais nos EUA. É a véspera da crise de 2008.

Kevin Space é Sam Rogers, executivo de um grande banco de capital especulativo nos EUA. Ele lidera uma grande divisão que gerencia investimentos, comprando e vendendo ações. Sob seu comendo, também está o departamento que gere os investimentos de alto risco. Seu subordinado direto é Will Emerson (Paul Bettany, excelente no papel), um executivo que enxerga seu trabalho com grande cinismo moral, que nasce de uma indiferença ácida de quem aceita as coisas como são, embora não goste do modo como são. 

O departamento de Rogers e Emerson está passando por uma demissão em massa. Mais da metade do pessoal será cortado. Entre eles, Eric Dale (Stanley Tucci) gerente direto da análise de risco. Ele está trabalhando em um novo modelo de avaliação de risco e antes de sair da empresa entrega o pen drive com o arquivo para um de seus subordinados, o jovem Peter Sullivan (Zachary Quinto). Intrigado com o conteúdo do arquivo e o tom grave de seu ex-chefe, Sullivan se debruça sobre as equações e fórmulas do modelo e descobre algo que pode significar não apenas a quebra do banco em que trabalha, mas o início de um colapso total no sistema financeiro do país.

Atordoado pela descoberta, Sullivan liga para o amigo e colega de trabalho Seth (Penn Badgley), pedindo que ele volte para a empresa. A partir disso, em um efeito cascata inverso rumo ao topo da hierarquia da empresa, mais pessoas vão sendo chamadas em plena madrugada para decidirem o que fazer. Assim, juntam-se a eles Jared Cohen (Simon Baker), Sarah Robertson (Demi Moore) e, finalmente, o todo-poderoso presidente John Tuld (Jeremy Irons, em uma participação inspirada).

Durante toda sua duração, Margin Call mantém tensa sua narrativa, que segue num crescendo até o ponto do anticlímax. Não que o filme desperdice toda tensão criada, mérito de uma montagem eficiente e enxuta. Acontece que o filme se pretende mais que um thriller sobre colapsos e mundo corporativo. Quer ir além e ser um filme sobre homens, sobre diferentes tipos de caráter, mas evitando maniqueísmos simples.

E também quer ser uma crítica ao sistema. Nesse sentido, evita o óbvio e o clichê. Constrói com precisão figuras cujo discurso é pautado por justificativas frágeis para apoiar suas decisões e consequências. Tornam-se vítimas de si mesmas, prisioneiros do sistema, afetadas por ele e dependentes dele. Mas no fim das contas, entre ganhos e perdas, mantêm-se no topo, por cima dos mortais que nada sabem do que acontece no olimpo da ganância, da esperteza e da trapaça. Todos assentados em engrenagens distorcidas de uma realidade abstrata de números, fórmulas e previsões inexatas.

Nesses personagens há ambição, cinismo e indiferença em níveis distintos. O cansaço com um sistema que sugou sua vida feito buraco negro (Rogers); a ácida morbidez de Emerson; a enérgica determinação do chefão Tuld, e até mesmo a inocência que quase resvala no patético de Sullivan.

A grande qualidade do filme nasce de sua maior falha: a incapacidade de explicar de forma clara para o expectador o que de fato está errado. Entre evasivas, pistas e alguma explicação quase técnica, o que faz o filme criar e reter o suspense, nos mantendo atentos à tela, é a ação dos atores, a edição afinada, os diálogos cheios de alfinetes.

Margin Call pode vir a fazer parte de um novo gênero de filmes. Outros devem vir na esteira das sucessivas crises econômicas, que têm posto em cheque o sistema capitalista sob o qual vivemos. Se o bom cinema é um reflexo da sociedade e do seu tempo, se coloca-se como reflexo da História pelas temáticas que escolhe e pela forma como as molda, então este filme pode ser o primeiro de muitos.
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