quarta-feira, março 23, 2011

Política do Autor


  
Aproveitando a Semana da Francofonia e o ciclo de filmes da Galeria Olido, um pouco mais sobre a "Nova Onda".

A Nouvelle Vague é talvez o movimento que mais influenciou o cinema no mundo todo. Seus reflexos e sua influência perduram até os dias atuais, sendo seu maior e mais consistente legado aquilo que ficou conhecido como “política do autor”.

Tratava-se, então, da valorização de obras cujo estilo do diretor fosse visível e preponderante sobre o filme. Que através de recursos estilísticos ou estéticos o diretor conseguisse expressar sua visão de mundo e de cinema, tal qual uma assinatura. Foi dentro dessa visão, por exemplo, que os jovens críticos da revista elevaram Alfred Hitchcock à condição de mestre. Até então, o diretor britânico, sempre a serviço dos estúdios, era considerado um realizador menor de filmes comerciais.

Sob essa perspectiva, transforma-se substancialmente o modo de ver o cinema, bem como a escala de valores críticos. A gestação desse novo olhar é resultado direto de alguns fatores particulares à uma nova geração de críticos de cinema, que mais tarde se tornariam realizadores, deixando a escrita teórica e partindo para a realização efetiva.

Essa geração surge e ganha consciência crítica graças à gestão de Henri Langlois à frente da Cinemateca Francesa. É o resgate que Langlois faz de uma cinematografia histórica, sua preservação e exibição, que desperta a cinefilia naqueles jovens “ratos de cinemateca”. Essa cinefilia e consciência crítica termina por desembocar na mítica revista Cahiers du Cinema (Cadernos de Cinema), na qual os jovens críticos passam a escrever.

Sob a orientação de outra figura mítica na história do cinema, o crítico André Banzin, forma-se o que ficou conhecido como núcleo duro da Nouvelle Vague, composto por François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, Eric Rohmer e Jacques Rivette. Todos eles escreveram críticas para os Cahiers du Cinema e, posteriormente, se tornaram diretores, pondo em prática aquilo que defendiam em suas críticas.

Esses jovens, ousados e atrevidos, decalcaram suas visões de cinema nas obras que realizaram, da forma mais autoral possível. Foram sempre fiéis às suas convicções estéticas e temáticas pessoais o que torna a obra de cada um deles diferente e particular, a despeito de terem em comum alguns princípios básicos do movimento que fundaram.

Desde “Nas Garras do Vício”, de Chabrol, “Os Incompreendidos”, de Truffaut, ou “Acossado”, de Godard - todos obras-faróis do início da Nouvelle Vague -, nunca mais se olhou para o cinema com os mesmos olhos.

Ainda hoje é pertinente e acesa a discussão sobre autoria e existe até uma divisão, sempre discutível e polêmica, do que seja, nos dias de atuais, um filme de autor e um filme meramente comercial.

Permanece na cinefilia atual, a tendência de seguir a trilha dos jovens críticos e desprezar tudo que não seja considerado de autor. Mas é preciso atenção e cuidado para não se cometer injustiças e incorrer em precipitações.

Afinal, é preciso sempre lembrar que mesmo aqueles jovens gênios, que reconfiguraram o modo de ver e fazer cinema em todo o mundo, cometeram seus pecados. Um exemplo disso foi terem, em seu tempo, desprezado a obra de Marcel Carné e todo o realismo poético do cinema francês.

Por considerar sua estética atrelada a um tipo de cinema ultrapassado, convencional e superficial, simplesmente descartaram grandes obras e grandes diretores. Como Carné, que por muito tempo permaneceu no limbo da crítica. Um resgate de seus filmes, promovido tempos depois, mostrou que havia ali mais que cinema literário, havia um grande diretor e uma grande obra. Mas isso é assunto para outra ocasião.
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