domingo, janeiro 09, 2011

Além da Vida




Hereafter
Clint Eastwood
EUA, 2010

O que mais me encanta no cinema de Clint Eastwood é a simplicidade. Nada de malabarismos com a câmera, nada de experimentações, nada de rebuscamento na montagem. Sua narrativa é clássica, sem firulas. Mas Clint parece ter um domínio tão grande dessa narrativa e uma convicção tão forte de onde quer chegar, que consegue transformar essa simplicidade em algo de uma beleza rara, tocante e profunda.

Em “Além da Vida” Eastwood explora os nebulosos e misteriosos limites entre a vida e o após a vida. E para quem aqui no Brasil assistiu no ano passado uma enxurrada de filmes espíritas tratando do além e da mediunidade, não deixa de ser curioso que o ano comece com um filme sobre o assunto, vindo de tão inusitado diretor.

Talvez não tão inusitado assim, pois tendo Clint a já provecta idade de 80 anos, não é de se estranhar suas inquietações sobre a morte. Mas que não se pense que o velho homem vai se entregar às facilidades exotéricas ou a especulações levianas. Clint parece mais interessado nas perguntas do que nas respostas, acima de tudo interessado em histórias de vidas.

Três personagens, em diferentes países, têm suas vidas tocadas de alguma maneira pela morte. Seja na perda de um ente, no dom da mediunidade, ou por ter estado tão próximo de ir para outro lado e regressado. Todos os três perseguem respostas para suas angústias, soluções para suas vidas. Vidas que por conta dessa “proximidade” com o além, simplesmente desmoronaram.

“Além da Vida” escapa de qualquer clichê espiritualista. Não está preocupado em dar respostas ou mesmo pistas, mas sim em reconstruir de forma poética e delicada a vida dessas pessoas. Uma reconstrução que depende de alcançarem o conforto para seus sofrimentos. Para isso, terão que lidar com a perda ou com o peso que carregam, e a forma como aprenderão a lidar e suportar isso é a essência do filme.

O filme vai se encaminhando com uma passada contínua para as descobertas de cada um. Rico em sua simplicidade, consegue fazer de um diálogo revelador uma coisa comum, sem sobressaltos, mas que ao mesmo tempo, em suas camadas menos óbvia, guarda e revela desde o princípio a perda que ocasionará. Refiro-me a uma cena em que George Lonegan (Matt Damon) conversa com Melanie (Bryce Dallas Howard) enquanto cozinha. Tudo ocorre de forma natural, apenas com um sutil desconforto, mas sem exageros. Porém, desde o início sabemos que aquilo resultará num trauma irreparável e é essa inexorável e antecipada consequência que torna tudo tão real e humano.

Clint conduz sua história de forma tão bem cadenciada e preserva tão bem essa simplicidade narrativa, que vem daí o que há de mais profundo nas histórias dessas pessoas. Toda complexidade de seus sentimentos, de seus espíritos, vai sendo passada ao público sem que isso signifique erupções óbvias. Está tudo transparente nas suas solidões, em seus rostos, em seus silêncios. Não é preciso lágrimas transbordantes, seus olhares dizem tudo.

E para que isso funcione tão bem, conta-se com o talento do elenco. Matt Damon compõe seu personagem com poucos gestos. Envelhece, amadurece neste papel e se mostra um ator que utiliza seus poucos recursos em favor de uma contrição, de uma tristeza simples. Cécile de France exibe uma beleza magnética e embora sua atuação não esteja tão à altura, cumpre bem seu papel. Mas são os gêmeos George e Frankie McLaren, de 12 anos, que preenchem o filme com uma atuação tocante.

“Além da Vida” não é um filme para quem quer satisfazer curiosidades especulativas sobre o além. Quem for assistir com essa expectativa pode se decepcionar. É, na verdade, um filme sobre a dor humana, sobre a dor em vida. Tateia, sim, pelo que há no outro lado, mas está realmente interessado em resolver os conflitos e as aflições de quem ainda está do lado de cá. Na sua construção, explicita uma beleza simples e termina com essa mesma beleza, repleto de alento e esperança para aqueles que guardam em seus corações a bondade universal.
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