sexta-feira, agosto 12, 2011

Balada do Amor e do Ódio



 Balada Triste de Trompeta
Álex de la Iglesia
Espanha/França, 2010
107 min.

Existe algo que vai além do bizarro nas primeiras cenas de “Balada do Amor e do Ódio”, que estreia hoje (12) nos cinemas. Há ali um tom de sublime e grotesco, uma representação feroz de alguma coisa que ainda nos escapa e que só ficará claro muito adiante. A imagem de um palhaço, com vestido e peruca de menina, com sapatos grandes e tudo, em meio a uma batalha sangrenta, empunhando um facão e desferindo golpes mortais nos inimigos não é algo que se assimile com facilidade. O que vem adiante é muito pior e muito mais revelador.

Passado na Espanha, a história começa em 1937. Guerra Civil no país. Em um circo, os palhaços se apresentam. Uma tropa leal à república invade o lugar e conclama todos a lutarem contra os rebeldes. Antes mesmo que pudesse trocar de roupa, o palhaço se vê em plena batalha. Derrotados diante das forças do general fascista Francisco Franco, os sobrevivente são aprisionados. Javier (Sasha Di Bendetto), filho do palhaço, o visita. Diz que quer ser palhaço como o pai, quando crescer.

A história dá saltos no tempo. A um Javier (Jorge Clemente) já quase adulto, o velho palhaço diz que ele, seu filho, nunca conseguirá fazer as crianças rirem, pois sua infância foi de dor e sofrimento. Ele terá que ser o palhaço triste. A não ser que busque vingança pela infância roubada.

Salto no tempo, 1973. Javier (Carlos Areces), já adulto, entra para o circo como o palhaço triste. No circo, a ditadura é do palhaço feliz Sergio (Antonio de La Torre), que, de forma violenta, manda no circo mais que o próprio dono. Ele tem o dom de encantar as crianças e fazê-las rir, rir muito. Mas é cruel e tirânico com todos ao redor. Vive com a trapezista Natalia (Carolina Bang, linda de tirar o fôlego), a quem maltrata frequentemente, numa relação doentia de amor e ódio. Javier é o oposto, é a doçura em pessoa. Numa noite, no bar após o espetáculo, Javier é o único a não rir da piada de Sergio. Ao contestar a graça da piada, dispara sua violência.

Mas as coisas fogem totalmente ao controle quando Javier se apaixona por Natalia e ela, atraída pelo perigo, se sente dividida entre a segurança e o carinho de um e a força dominadora e sexual do outro. O conflito entre os dois palhaços iniciará uma onda de violência de parte a parte, até que o cordato e pacífico Javier, o palhaço triste, se veja completamente transformado. Primeiro num selvagem, depois num monstro assassino.

O registro usado pelo diretor Alex de la Iglesia é de imagens que flertam com o fantástico, em tons muitas vezes oníricos, mas com uma frieza de cores que remete aos tempos sombrios em que vivem os personagens. Conhecido por sua estética violenta e pelo exagero, o diretor conduz a história por caminhos cada vez mais grotescos e absurdos, distante de qualquer realismo, como devem ser as boas fábulas. Pois só depois de compreender o princípio fabular do filme é que a aparente falta de sentido e coerência adquire um propósito pleno, agudo e corrosivo.

“Balada do Amor e do Ódio” é uma visceral e sangrenta alegoria da Espanha pós-guerra civil, quando a ditadura do general Franco permaneceu no poder de 1939 até sua morte, em 1975. Toda a brutalidade, e muitas vezes o disparate absurdo, que se vê no filme é um reflexo alegórico de um período sombrio e traumático da história do país. É a visão estilizada do diretor do tipo de horror, paixão violenta e insanidade política pela qual passou o país.

Estão presentes no filme os símbolos que marcaram esse período atroz, como a questão católica, o poder, a submissão a o poder, a revolta contra esse poder e a escalada da violência, que a certa altura perde seu sentido original e se transforma numa pantomima rica em brutalidade e pobre de significado. É nesse ponto que a desfiguração dos rostos dos dois palhaços simboliza a perda de identidade e de qualquer ideal, igualando-os pela violência, insanidade e ódio.

No final, a tragédia inevitável resulta na morte de qualquer possibilidade. É a perda irreparável de algo sublime pelo qual se lutou no início e que foi esquecido em meio a tanto ódio e desejo de vingança. Do amor, que era sincero em ambas as partes, ainda que diferente na forma e no trato, criou-se o ódio e a violência sem sentido. Quando tudo termina, resta o sangue na cruz imensa e onipresente do catolicismo, tão determinante nos rumos da nação. É o mesmo sangue que manchou e desfigurou essa nação. Aos perpetradores desse sangue derramado, ao fim da história, só resta o choro convulso e a culpa inalienável.
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