segunda-feira, outubro 18, 2010

A Origem

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Christopher Nolan
Inception
EUA, 2010
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Seria ingenuidade achar que Hollywood, ao beber da fonte de Borges, um dos mais inventivos escritores da história, criaria um filme de densidade similar ao universo borgiano. Há sempre que se guardar as devidas proporções entre a realidade e o sonho. Da mesma forma, seria ignorância não enxergar o quanto A Origem, de Christopher Nolan, tem no universo da literatura de Borges grande parte de sua inspiração.

Mas que não se animem os sérios, nem se entristeçam os tolos. A Origem é, antes de tudo, um filme de ação. O que não o desqualifica como um ótimo filme, que transporta para a ação elementos e idéias de uma das mentes mais inventivas da literatura.

A Origem é um filme que se passa dentro do mundo dos sonhos. Leonardo Di Caprio é Dom Cobb, um agente a serviço de uma misteriosa corporação, especialista em invadir os sonhos de pessoas poderosas para roubar segredos de seu subconsciente. A premissa é simples, a realização intrincada. E o resultado surpreendente.

Christopher Nolan talvez tenha encontrando o melhor meio-termo entre uma Hollywood de blockbusters e um cinema autoral com aspirações à reflexão e à complexidade. Foi assim que realizou Batman – O Cavaleiro das Trevas, o único filme de toda franquia Batman que de fato explora o universo cinzento e complexo do personagem, com inversões de papéis, questionamentos éticos e sua permanente experiência de solidão.

Somados a um desfecho perfeito na mitologia do personagem, Nolan realiza no filme do Homem Morcego a completa catarse do personagem e de sua intensa contenda interna sobre justiceiros de capa e capuz.

Talvez em A Origem Nolan não tenha ido tão fundo, mas certamente explora com bastante habilidade algumas questões do imaginário do sonho. E tudo a partir da fonte de Borges.

Não é à toa que uma das personagens se chama Ariadne. Referência clara ao mito do Minotauro e ao labirinto de Creta, figuras tão caras a Borges, como se pode ler no conto A Casa de Astérion, presente na coletânea O Aleph (favor não confundir com o livro homônimo que Paulo Coelho está lançando, comparar Borges a Coelho é como comparar Stephen Hawking à Mulher Melancia).

O mesmo se pode dizer dos diversos níveis do sonho, onde os personagens entram, tentando ir mais fundo na mente de sua vítima. O conceito do sonho dentro do sonho remete ao conto As Ruínas Circulares, da coletânea Ficções: “Caminhou contra as línguas de fogo. Estas não morderam sua carne, estas o acariciaram e o inundaram sem calor e sem combustão. Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele também era uma aparência, que outro o estava sonhando.”

Labirintos, espelhos, sonhos, paradoxos. Qualquer definição da literatura de Borges passará por esses termos. E estão todos lá, no filme de Nolan. Claro que longe da magnitude filosófica, literária e fantástica de Borges. Contudo, apenas o fato de estarem presentes e tão claramente fazendo referência a um gênio como ele e sua obra incrível, já dá ao filme e a Nolan um status um pouco acima de média do cinema industrial americano.

É verdade que a trama e a premissa do filme poderiam dispensar as perseguições, os tiroteios, as explosões e toda ação vazia que preenche o não-essencial do filme. Tudo isso poderia ser transformado em outra coisa menos banal e mais intrincada. Mas seria esperar muito de uma indústria. Afinal, se mesmo com uma história levemente intrincada, já foi preciso que alguns veículos de imprensa “explicassem” o filme para seus leitores, certamente um aprofundamento no universo borgiano “mataria” o filme e suas chances de bilheteria.

Nolan, consegue um equilíbrio perfeito entre a ação – necessidade de um tipo de público – e a referência inteligente e complexa – necessidade de um outro tipo de público. Com isso, o diretor parece querer provar ser possível um cinema de autor feito com os recursos e o formato dos grandes sucessos do “cinemão”.

Ao misturar Borges, ação desenfreada, concepção visual apurada (ainda que um pouco tímida diante das possibilidades visuais do sonho) e uma trama que exige um mínimo de atenção do público, Christopher Nolan prova sua habilidade como um diretor que não abre mão da bilheteria, mas faz questão de ser autoral num universo tão estéril quanto o do cinema comercial.

Impossível não olhar com otimismo e com bons olhos essa postura do diretor.

A Origem vem comprovar esse viés de seu realizador, por criar uma ficção de ação inspirada em obra tão singular como a do escritor argentino. É um filme que prende, que intriga e instiga, que faz querer mais. Tem, acima de tudo, qualidades inesperadas em uma produção desse porte, chega quase a ser ousado e só não o é por completo devido a desnecessárias e burocráticas sequências de ação. Descontando-se isso é um filme imperdível. Não vai, certamente, levar ninguém a ler Borges (uma pena), mas certamente proporcionará uma estimulante experiência dentro do cinema.
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2 comentários:

Ronaldo Junior disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ronaldo Junior disse...

O filme é realmente surpreendente. Nolan sabe dosar as coisas e não é de hoje, como você mesmo ressaltou.

Vale muito o ingresso. E vale ainda lembrar o desempenho de um ator que vem evoluindo com o passar dos tempo.

Leonardo di Caprio vem crescendo como ator, depois de filmes mela-cueca que só acrescentam a sua conta bancária, ele tem buscado papéis mais densos. Este ano foram duas boas surpresas pra mim: ilha do medo e a origem. Ele está longe de um Al Pacino, mas é nítida sua evolução!

Parabéns pelo novo projeto.

Abração!

 

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