terça-feira, dezembro 07, 2010

Paixão Selvagem



Je t'Aime Moi Non Plus
Serge Gainsbourg
França, 1976

 Só as putas trepam em silêncio”, diz Krassky (Joe Dalesandro) ao ser expulso de um motel junto com Johnny (Jane Birkin). É com essa frase que Krassky, sem saber, define com precisa agudeza sua relação com Johnny. Uma relação que busca, sobre todas as coisas, algo verdadeiro, de intensidade única, que jamais poderia ser silencioso ou indiferente.

Considerado por muitos um filme escandaloso e pervertido, Paixão Selvagem é obra de um poeta maldito. Serge Gainsbourg, escreveu, dirigiu e escalou sua esposa para interpretar uma garota de aparência andrógina que se envolve com um caminhoneiro homossexual. Krassky e seu amante Padovan (Hugues Quester) trabalham transportando lixo em um caminhão. Para realizar um trabalho mais demorado, passam alguns dias num fim de mundo de beira de estrada. É quando Krassky passa a se sentir atraído pela garçonete Johnny, que trabalha numa lanchonete imunda, despertando o ciúme de seu parceiro.

A estética do sórdido e da verdade. No filme de Gainsbourg sordidez e verdade são causa e consequência. A primeira resulta da condição das vidas dos personagens, que sobrevivem no lixo e cujos amores não podem sonhar com pureza ou beleza, ainda que se o deseje; no segundo caso, a verdade do sentimento, a clareza rude de uma relação e qualquer beleza que se posa tirar dela, é um artifício que buscam seus personagens, tão mergulhados que estão no vazio de si mesmos.

Pela carência de afeto, qualquer afeto, há a submissão passiva em conjunto com uma dominação também quase passiva. E desse estranho equilíbrio também se pode fazer poesia, ou ao menos uma fuga ilusória do lixo e da sordidez.

O diretor de Paixão Selvagem ficou famoso ao compor uma música que marcou época por conta de seu apelo erótico: Je t'Aime Moi Non Plus, uma canção onde se ouvia inconfundíveis gemidos e sussurros de dois amantes. A canção é tema do filme e também o título original. Mas o amor nesse universo é algo tão insubstancial quanto necessário e muitas vezes só pode se manifestar pelas vias imprecisas do sexo.

E é no sexo que Krassky e Johnny buscam o encontro da perfeição de seus pólos distantes. Mas sendo Krassky homossexual, só consegue se excitar por uma Johnny submissa e de costas, masculinizada pela sua androginia. A barreira a ser transposta nesse desafio de amor é a consumação do sexo anal, impossibilitado pela dor que causa em Johnny e por seus gritos lancinantes, que faz com que sejam expulsos de todos os motéis para onde vão.

A realização final desse amor estranho se dá, então, onde menos poderia haver poesia e onde melhor se poderia simbolizar a vida desses dois amantes: na caçamba do caminhão onde transportam lixo.

Contudo, o que poderia ser triste e repugnante, se torna a cena mais bela do filme. Um quadro de entrega e sentimento sincero, único, honesto. É o momento onde ambos encontram no seu ato a realização momentânea de suas fantasias, que ultrapassam o sexo, e vão muito além do carnal.

Mas, no final há, o ciúme - e a sordidez que nunca os abandona -, que mostra a realidade a que os três personagens estão presos, que diz que o amor enquanto fim não passa de apenas um meio para algo intangível e inalcançável. No fim, estão todos só.

Paixão Selvagem não é um filme transgressor simplesmente, é marginal em sua essência e é à margem que ele coloca e mantém seus personagens. Todos, sem qualquer chance de fuga de si mesmos e de suas naturezas; seja ela amar incondicionalmente, ou não amar incondicionalmente.

1 comentários:

Anônimo disse...

PERFEITO!

 

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