quinta-feira, outubro 14, 2010

Os Mercenários e Uma Questão Geracional



The Expendables
Sylvester Stallone
EUA, 2009
103 min.


A crítica de cinema muitas vezes passa por elementos extra-fílmicos. Quando isso acontece, é preciso identificar a relevância de cada coisa e ser imparcial na medida do possível (e da paixão pelo cinema). No entanto, deve-se fazer isso sem abrir mão de suas próprias experiências pessoais, de sua história, de sua bagagem. Porque seja essa bagagem pobre ou rica, parca ou farta, ainda sim ela é “sua”, é o que você traz e sempre trará consigo.

É nesse sentido que a crítica também esbarra, algumas vezes, em questões geracionais.

Enquanto assistia ao filme Os Mercenários, não conseguia achar ruim os diálogos, mesmo sendo eles ruins. Não conseguia achar ruim o roteiro, mesmo sendo ele péssimo. Não conseguia achar ruim as interpretações, mesmo sendo elas monocórdias. Não conseguia achar ruim as cenas de luta, mesmo sendo elas... apenas cenas de luta. A verdade é que não conseguia desgostar do filme, mesmo sendo todo ele o oposto do que me faz hoje gostar de um filme.

O mais sintomático da catarse que eu vivia naquele momento foi quando me peguei soltando uma gargalhada e sentindo um rejuvenescedor prazer com uma cena em que um dos mercenários, com uma poderosa arma de fogo, explodia corpos e cabeças. O mais dissonante na minha reação com esta cena foi me lembrar que menos de 24 horas atrás eu vertia lágrimas ao rever Giulietta Masina sorrir para a câmera na cena final de Noites de Cabíria, de Federico Fellini.

Como é possível tamanha discrepância? Arrisco: questão geracional.

Um crítico de cinema que já esteja na casa dos 70 anos pode dizer que os filmes de sua vida foram dirigidos por Fellini, Visconti, Bergman, de Sica e outros gênios. É fácil que ele os traga em sua bagagem de formação e que os tenha visto na época em que foram lançados. Já eu, sou de outra geração. Tornei-me cinéfilo já adulto e vi a maior parte dos filmes ditos “de formação” em mostras, retrospectivas, VHS, DVD ou na tela do computador.

Minha adolescência e juventude ocorreu entre os anos 80/90. Os filmes que fizeram parte da minha formação como adorador de cinema foram protagonizados por Stallone, Schwarzenegger, Jean-Claude Van Damme, Bruce Willis e outros durões do cinema de ação da época. Por mais que eu ame Fellini, não posso dizer que 8 e ½ é o filme da minha vida. Seria cínico da minha parte. O filme da minha vida, se fosse para ser sincero, teria de ser Comando para Matar ou Duro de Matar ou Desejo de Matar ou algo do gênero.

Assim, a carga emocional que as cenas de ação de Os Mercenários me causaram, explica-se por isso. Aquilo é a minha geração, aquilo era meu cinema quando eu era um menino que pedia dinheiro para o pai e ficava a tarde toda no centro de São Paulo entre sessões duplas no Cine Metro ou no Cine Marrocos.

É nesse sentido que posso dizer que gostei bastante de Os Mercenários.

Stallone não poupa ironia em seu filme. Alfineta-se a si mesmo, reflete sarcasticamente sobre a velhice, sobre o fim dos tempos dourados, dos músculos rígidos, do fôlego para a ação. Seu filme é um testamento, é uma despedida de uma geração que arrasou quarteirões – metafórica e cenograficamente  nos anos 80/90. Quase todos os diálogos refletem o peso de um tempo passado de glórias, de um presente rendido à idade crepuscular, do fim de uma geração. E é a capacidade de fazer graça consigo mesmo que faz de Os Mercenários um filme decente.

É prato cheio para quem gosta de ação, explosões, tiros e homens cheios de uma virilidade em extinção no cinema de hoje. Os clichês do gênero estão lá e é bom vê-los novamente, escancarados numa trama simples, em personagens unidimensionais, em diálogos bobos. Mas acima de tudo, numa camaradagem de velhos tempos, de velhos eles mesmos, mas ainda vivos para uma boa guerra contra qualquer republiqueta ditatorial de cartel de drogas.

As lágrimas de Mickey Rourke (e elas surgem numa cena realmente boa), a deformidade dos músculos de Stallone que os exibe numa honesta e melancólica aceitação do tempo, a participação irônica de Arnold Schwarzenegger e Bruce Willis num encontro de titãs cheio de trocadilhos. Tudo remete a um tipo de cinema extinto, mas que preserva na memória geracional sua força, seus músculos e péssimas interpretações.

No fundo Os Mercenários se resume a um encontro de amigos combalidos (uns mais que os outros), para uma aventura derradeira e para o lamento bem humorado e cínico de um tipo de muscle movie que não existe mais. É a celebração de uma geração que no ocaso de seu tempo decide que ainda dá pra mais um. Vale como diversão, como despedida, como última nostalgia. Talvez não tão última assim. Mas, que importa? Os Mercenários é bom porque é ruim e se fosse melhor seria pior.
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