segunda-feira, janeiro 03, 2011

Morangos Silvestres



Smultronstället
Ingmar Bergman
Suécia, 1957

“Morangos Silvestres” foi meu primeiro contato com o cinema de Ingmar Bergman. Na época eu buscava um urgente preenchimento de minhas lacunas filmográficas (uma vã urgência, já que nunca se fecharão todas as lacunas). E ver “Morangos Silvestres” me fez entender um pouco mais o que é cinema de verdade, em um estado raro de beleza e significado.

No filme, Isak Borg (Victor Sjöström) é um conceituado médico que vai receber uma homenagem da Universidade de Lund por seus 50 anos de carreira. Enquanto viaja de carro até o local da cerimônia, Borg se vê diante de um inesperado confronto consigo mesmo.

O confronto se dá através de sonhos estranhos, de lembranças de infância e da percepção da própria realidade, através das pessoas que durante a viagem cruzam seu caminho.

Entre o onírico, a memória e a realidade em sua jornada, Borg se vê, pela primeira vez, de uma forma que não ousava ver-se antes. Diz ele a certa altura: "É como se no sonho eu quisesse me dizer coisas que acordado não tenho coragem de dizer-me".

Parte do estopim que acende em Borg as questões que o afligem durante a viagem, está na presença de uma força com a qual ele se defronta inesperadamente: a juventude. Uma juventude vívida, visceral e plena, que é representada por três jovens a quem ele dá carona numa parte do seu trajeto.

A Borg, afeta profundamente essa força juvenil, cheia de uma inconsequência afrontadora, de um idealismo ingênuo, mas sincero. A intensidade dessa energia irrita-o num primeiro momento, mas o atinge sobremaneira, sendo mais um elemento a transformar sua viagem.

Esta ida à Universidade, de trajeto pragmático e comum, vai aos poucos se transformando em uma experiência modificadora. A estrada que percorre, entre contratempos e descansos, torna-se uma metáfora da clássica jornada do herói, a jornada que transforma, desconstrói, restitui.

É dessa forma que fantasmas do passado, tormentos existenciais, memórias reveladoras e mágoas reclusas vão sendo colocados para fora. São expurgados inerentes à catarse que a viagem, surpreendentemente lhe proporciona. Entram nessa purificação as recordações doces de um tempo irrevogável: os verões à beira do lago com a família, seus pais, seus irmãos e primos, amores juvenis; e também as recordações amargas da vida: a frustração, a infidelidade, o desamparo e a solidão.

As questões fundamentais do cinema de Bergman estão presentes no filme, tais como a fé, a morte, a vida e a existência. Nos sonhos de Borg surgem as questões profundas da alma, algumas vezes premonitórias, outras vezes reveladoras. Em um desses sonhos, ele se vê condenado pela culpa de ser culpado. Ao perguntar a seu interlocutor onírico qual é a pena por ser culpado, este lhe responde: "a mesma de sempre: solidão."

Borg finalmente toma consciência de si e de sua vida, com uma visão autocrítica e franca. Percebe durante a viagem que não lhe resta muitas chances de reconciliação em sua idade, pois o fim não deve tardar. Espanta seus fantasmas. Não com a alegria da ingenuidade de um recomeço sabidamente impossível, mas com a esperança de não ser tarde demais para reparar o passado e a si mesmo.

Sabe que cumpriu a sentença inevitável por sua culpa através na solidão sob a qual viveu grande parte de sua vida. E saber disso o faz reencontrar algum conforto, alguma paz. Tranquilidade suficiente para que saiba esperar pelo fim com um rosto menos duro e um sorriso nos lábios enquanto se deita. Um merecido descanso de uma viagem tão longa. 
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