sexta-feira, março 11, 2011

Se Nada Mais Der Certo



Se Nada Mais Der Certo
José Eduardo Belmonte
Brasil, 2008

“Se Nada Mais Der Certo” é um filme sobre amizade e acuo. Seus personagens, acuados pela vida, aproximam-se com a relação que une os que buscam uma saída, mas que só encontram o abismo. É a falta de trabalho, a falta de dinheiro, a vida de merda, o mundo cão. Em meio à sordidez que os cerca, encontram na amizade algo menos corrosivo e ao mesmo tempo muito mais perigoso.

Leo (Cauã Reymond) é um jornalista desempregado. Vive com a namorada, usuária de drogas e bipolar. As contas atrasadas se acumulam, a empregada, que não recebe há meses, permanece apenas por não ter para onde ir.

Marcin (Caroline Abras) é uma homossexual masculinizada, pequena traficante da noite do Baixo Augusta. Oprimida pelo travesti Sybelle (Milhem Cortaz), vê-se, de repente, impedida de trabalhar e atender seus clientes.

Wilson (João Miguel) é um taxista que trabalha a noite em um táxi alugado. Não consegue fazer na noite o valor do aluguel e sofre a dura cobrança pelo uso do veículo.

Os três se conhecem pelo acaso da noite paulistana. Surge então uma amizade de desconsolo, um companheirismo de empatia, uma ajuda mútua que forja um alívio para suas vidas sufocadas. Ao compartilharem o fosso e não se conformarem com a vida madrasta que levam, tornam-se iguais e nasce disso um senso de pertencimento que não sentiam antes. Escolados na noite, que, como enfatiza um personagem “te engole se você para”, fazem contatos e passam a aplicar golpes em busca de dinheiro.

Na primeira metade do filme somos arrastados para o universo desses personagens. Um mundo sem muito espaço para respirar, sem muitas alternativas para viver. Na segunda parte, o desenfreado desejo de melhorar de vida, de sair do buraco, de encontrar um meio. Nesse desejo, conhecerão os caminhos do dinheiro fácil, da contravenção, do golpe, do crime planejado. Numa escalada em que as facilidades do dinheiro torpe seduz a todos, conhecerão a ganância e suas consequências.

A motivação-chave de toda essa ação entre amigos se dá através de uma reflexão de Leo. Ele reflete que quando o pobre rouba o rico é para ter o que não tem. Mas ele não entende porque o rico rouba o pobre se ele já tem tudo que precisa. Arremata dizendo que somos educados para não roubar, mas ninguém é educado para não ser roubado.

É através desse raciocínio simplificador que se justificam as ações dos personagens, em especial a última e mais ousada. Um raciocínio cuja lógica falha reflete um sentimento facilmente identificável em qualquer cidadão indignado, de fácil empatia e aceitação. Espelha, acima de tudo, uma indignação social, premente no seio de nossa realidade ética e moral.

Mas Belmonte não se apoia exclusivamente nessa frágil, embora articulada e contundente, reflexão para motivar seus personagens. Não se trata apenas de indignação e reação à injustiça. Trata-se de vivenciá-la na carne através de suas vidas, trata-se de encontrar meios, saídas, de sentir que a vida os acua e a urgência em sair da lama os empurra. Trabalhado dessa forma, o filme ganha em intensidade, em densidade, e se torna um drama real, com personagens ásperos, forjados pela noite e pela vida.

Na construção de sua fábula amarga, Belmonte se utiliza de uma montagem entrecortada e ágil, em alguns momentos, cadenciada em outros. Essa montagem funciona perfeitamente para delinear a vida dos personagens, que muitas vezes parece estagnada, outras vezes picotada pelo febril da ação desenfreada.

Existe também um tom de lirismo na amizade que se forma entre os personagens. Um tipo de amizade que guarda uma certa inocência e a pureza das relações sinceras, espontâneas. Em meio a um mundo violento, corrupto e sem piedade, essa relação se torna a única válvula de escape das dificuldades e opressões da vida. Não apenas uma fuga, mas em certa medida uma esperança, um resquício de humanidade e lealdade num mundo de indiferença e maldade articulada.

Essa beleza e inocência é acentuada pelo tema musical que acompanha o trio. Uma feliz escolha que equilibra ironia, verdade e um resquício de infância. Tonaliza a relação pela ilusão da permanência, da durabilidade. Uma sensação de que nada os atingirá, de que serão eternos, talvez imbatíveis. A trilha é a faixa “Todos Juntos”, do álbum “Os Saltimbancos Trapalhões”. Seu refrão diz:

“Todos juntos somos fortes
Somos flecha e somos arco
Todos nós no mesmo barco
Não há nada pra temer
- ao meu lado há um amigo
Que é preciso proteger
Todos juntos somos fortes
Não há nada pra temer”

“Se Nada Mais der Certo” mostra como situações limites podem levar a ações limites. No desenvolvimento de sua trama cria um ciclo vicioso, de ambições crescentes e riscos maiores. O resultado será a inevitável perda da inocência e o arco das consequências. No final, será como se não houvesse fuga possível. A vida oprime, acua, insistentemente, quase sempre com uma crueldade atroz. E por vezes, nem a amizade, nem o idílio de um dia feliz, salva ou alivia.
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Assista a dois (ótimos) trailers de Se Nada Mais Der Certo


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