We Need Talk About Kevin
Lynne Ramsay
Reino Unido/EUA, 2011
112 min.
Em sua primeira metade, Precisamos
Falar Sobre Kevin é uma obra desconcertante. O filme nos joga para dentro
de um sentimento de desconforto, nos atinge com uma angústia poderosa, nascida
de algo intangível. Impressiona o modo como sua atmosfera avoluma-se, como o
invisível – um malefício que não vemos claramente – permeia as imagens desde os
primeiros planos.
Do mistério por trás de cortinas esvoaçantes para uma festa
popular na Espanha, uma guerra de tomates que reúne milhares de pessoas. É o
salto que abre a narrativa. Em meio a uma multidão avermelhada, a figura de
Tilda Swinton desliza em câmera lenta, ergue-se na multidão, regozija-se numa
espécie de prazer, entre o transe e o orgasmo. Depois a depressão, a
maternidade e a gênese do mal. Nem sempre nesta ordem.
É a fragmentação desnorteante do início de Precisamos Falar Sobre o Kevin, somada a
uma interpretação extraordinária de Swinton, o que nos angustia plenamente. Ela
interpreta Eva Khatchadourian, mãe de Kevin. Uma mulher que diante de uma
tragédia provocada pelo filho de 16 anos se alterna entre a culpa e a
investigação da memória em busca de respostas.
Na sua segunda metade, o filme se distende. A fragmentação
diminui e temos uma maior linearidade nos acontecimentos. Mas isso não é capaz
de dissolver os sentimentos provocados pelo seu início. É quando adentramos na
intimidade de uma relação entre mãe e filho, do nascimento até o horror. Numa
nova atmosfera de prenúncio do terror, assistimos à crescente agonia de uma mãe
que não sabe se ama seu filho.
Em Kevin, desde a tenra idade, paira o avesso, uma esfera de
absoluta maldade, raramente disfarçada. É entre o crescimento desta maldade –
uma anomalia humana impenetrável – e a absorção dos acontecimentos fatídicos de
um ápice de horror, de maldade indizível e fria, que oscila Eva. É dela que
brotou o mal e seu nome bíblico não é um mero acaso. Na condição de mãe de
Kevin, talvez seja sua maior vítima, talvez tenha sido desde sempre o principal
alvo do filho monstruoso, nascido de suas entranhas.
Adaptado do romance homônimo de Lionel Shriver e dirigido pela
britânica Lynne Ramsay (diretora do premiado Ratcatcher, de 1999), Precisamos Falar Sobre o Kevin é um
ensaio sobre uma maldade inata e a esfera de relações desta natureza
inescrutável. Eva, em sua jornada pelo inferno, busca explicações na sua
condição de mãe, mas desconcerta-se por não encontrá-las. Seu inferno pessoal,
as agressões de que é vítima, sua culpa impregnada fazem dela um poço de
sentimentos fragmentados.
Com uma narrativa poderosa, a diretora Ramsay nos infiltra
na investigação desses sentimentos. Sua direção, a atuação devastadora de Tilda
Swinton, a montagem desnorteante da narrativa, tudo resulta em uma intensidade
esmagadora. Precisamos Falar Sobre o Kevin
é uma obra-prima, capaz de nos envolver intensamente de forma desconcertante e
arrasadora.
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