domingo, fevereiro 27, 2011

No Meu Lugar





No Meu Lugar
Eduardo Valente
Brasil, 2009

A partir de um fato trágico, “No Meu Lugar” desenvolve uma elaborada estrutura narrativa de tempo e espaço. É partindo desse vértice que o diretor constrói um inusitado paralelismo entre passado, presente e futuro. Cria um intrincado círculo em torno do qual e a partir do qual giram tempos narrativos distintos. Um interessante quebra-cabeça cujas peças vão se ligando, refazendo e dado ampla dimensão ao mesmo quadro com que o filme se abre.

O ponto de encontro atemporal, estopim de tudo, se dá no início. Apresentada quase sem rostos, a tragédia é o prelúdio do que depois será esse quebra-cabeça. O ponto do qual emana três linhas distintas de narrativa e para o qual retornarão essas linhas, numa circularidade bem orquestrada. No tempo de antes, um jovem da periferia se envolve com uma garota comum e dessa relação surgirá o convite ao erro. No tempo recente, acompanhamos o drama do tenente José Maria (Márcio Vito), seu afastamento da corporação e a forma como um tiro mudou toda sua vida. No tempo de anos depois, a família que retorna à casa onde a tragédia se deu e a reconstrução da memória, a vida seguindo adiante, mas ainda marcada pelo passado.

A construção não se apressa. Tem ritmo e cadencia firme, montagem que equilibra os três tempos. O breve desnorteio inicial aos poucos vai se definindo como uma história que será montada, pontas que serão amarradas. O tempo avança e retrocede em torno do vértice, se encaminha para o início da mesma forma que segue para o fim. Um jogo que revela a humanidade – com erros e acertos, equívocos e desenganos. Sem julgamentos.


Abertura

O filme abre com um rosto em primeiro plano. Com uma expressão amena, como quem medita e tem bons planos, despreocupado. À medida que a imagem se abre, vemos que segue em um carro em movimento, como quem viaja. Mais uma abertura na imagem e o fuzil que lava a tira-colo chama a atenção. O que vemos é um policial numa viatura.

Esse choque entre um despiste inicial, que faz crer uma coisa e se revela outra, joga-nos em um inadvertido jogo de aparências. Se todo enquadramento é uma subtração, a adição de elementos redefine seu significado. O que antes era tranqüilidade, pelo simples conhecimento de uma força policial se torna tensão. A cena se prolonga estrada acima. A tensão cede, parece tudo normal, rotina. Surge então uma mulher pedindo socorro. Diz que alguém está armado e pode matar o outro, que estão brigando.

O policial entra na casa. A câmera não. A imagem da fachada da casa, as vozes que vem de dentro, o disparo. Retém-se na retina aquela fachada, aquela porta. Sua repetição será a memória ativada de que dali partem todas as histórias da narrativa. Indica também que para ali convergirão, circularmente. O quebra-cabeça se desdobra diante de nós, montá-lo e entendê-lo será o desafio. Porque unir as peças não é o difícil, compreender o quadro que formarão é que talvez seja.


O Humano

Em seu filme, Eduardo Valente foca o humano. Não com o lirismo trabalhado feito fábula humanista, nem com a crueza exacerbada pelo áspero. Ele é simples. Por isso não cai em julgamentos, maniqueísmos ou simplificações arbitrárias. Recorre, sim, à já quase desgastada estilisticamente violência urbana carioca. Mas segue caminho diverso, sem espetáculo ou dramalhão. Até pela natureza do elaborado roteiro, prefere a construção em vez da constatação. Por isso é mais complexo.

Essa complexidade, porém, não se trata de afetação acadêmica, tão comum a alguns de seus pares de geração. Vai mais na linha do veja e entenda. Sem malabarismos, fora os de roteiro, que mesmo com uma estrutura que pode confundir no início, evolui de forma clara. O desnorteio do policial afastado e sua relação com a filha, um namoro comum e natural que leva sem grande surpresa ao trágico e a memoração da ausência, o desligamento final do passado. Tudo isso em paralelas que convergem para o início, elementos que são dispostos para o entendimento e a compreensão de que é dentro da naturalidade que acontecem as exceções e rupturas.

“No Meu Lugar” é um filme de ritmo bem cadenciado, mas que parece patinar no terceiro quarto. Ali as narrativas empacam e há uma aparente tergiversação que não caminha adiante. Também se equivoca no uso exagerado da trilha sonora, presente em excesso com a mesma música que de moldura passa a cansaço. Falhas ou exageros que atrapalham e dispersam a experiência do filme.

Mesmo assim, “No Meu Lugar” se mostra um bom filme, que expõe de maneira natural e humana dramas comuns, causas e consequências da tragédia. Se falha em alguns momentos, compensa essa falha por conduzir bem um roteiro que facilmente poderia ser motivo de embaraço e tropeço irreparável. No entanto, mostra-se ousado na forma e confiante no conteúdo. Termina por se sair muito bem e proporcionar uma boa experiência de cinema e exercício narrativo.
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terça-feira, fevereiro 22, 2011

Oscar 2011




Apesar de boa parte da crítica mais séria de cinema torcer o nariz para o Oscar, não tem como fugir do assunto às vésperas da premiação. Já está claro que ganhar a estatueta não é garantia de bom filme e que nem sempre os melhores, entre os indicados, levam o prêmio para casa. Na escolha dos laureados pesam mais coisas do que simplesmente bom cinema. Questões políticas e comerciais, reacionárias e de ordem moral ou até mesmo reparação de injustiças passadas podem pesar na premiação.

No entanto, mesmo sabendo-se dessas particularidades do Oscar – e que também se fazem presentes em maior ou menor grau nas outras premiações importantes do cinema mundial – o evento possui uma capacidade magnetizante quase irresistível. Fruto, naturalmente, do quanto ele tem de glamour e celebridades. Mas outro aspecto divertido do evento são as apostas. Definidos os finalistas, vistos os filmes que já chegaram por aqui, resta-nos a torcida e as apostas. Puro palpite ou análise detalhada, não se escapa facilmente das apostas. Afinal, todos temos nossos favoritos e nossos desafetos.

Como não sou diferente, vou arriscar meus palpites e minhas preferências nas seis principais categorias, entre os filmes que já vi. Depois do evento veremos quais acertei ou não. Na caixa de comentários será bem-vindo também seus palpites e suas preferências. Estão abertas as apostas para o Oscar 2011.


Melhor Atriz Coadjuvante:

Deve ganhar: Melissa Leo, por “O Vencedor
Deveria ganhar: Melissa Leo, por “O Vencedor

Obs.: Acho que corre por fora a Amy Adams, pelo mesmo filme. Mas não seria surpresa se a estatueta caísse no colo da Hailee Steinfeld, por “Bravura Indômita”


Melhor Ator Coadjuvante:

Deve ganhar: Christian Bale, por “O Vencedor
Deveria ganhar: Christian Bale, por “O Vencedor

Obs.: Qualquer resultado diferente disso é motivo para os convidados agirem igual a torcida do Corinthians quando o time é eliminado da Libertadores. É arrancar as poltronas e quebrar tudo. Por via das dúvidas, ficarei de olho nesse Geoffrey Rush, de “O Discurso do Rei”. Nunca se sabe.


Melhor Atriz:

Deve ganhar: Natalie Portman, por “Cisne Negro” 
Deveria ganhar: Natalie Portman, por “Cisne Negro

Obs.: pode dar zebra, mas duvido. Se for pra “zebrar”, chutaria Jennifer Lawrence, por “Inverno da Alma”.


Melhor Ator:

Deve ganhar: Jesse Eisenberg, por “A Rede Social” ou Colin Firth, por “O Discurso do Rei”
Deveria Ganhar: Javier Bardem, por “Biutiful

Obs.: Três que mereceriam, mas Bardem está dois degraus acima deles. No entanto, sabendo-se das “políticas” da academia de Hollywood e tendo Bardem ganhado um Oscar recentemente, duvido que leve. Mas é o melhor dessa temporada, sem dúvida.


Melhor Direção:

Deve ganhar: David Fincher, por “A Rede Social” ou Tom Hooper, por “O Discurso do Rei”
Deveria ganhar: David O. Russell “O Vencedor

Obs.: Na verdade, os três realizaram direções discretas, o que é bom. Mas também foram pouco criativos. Fincher segue cartilha flashback/tempo atual. Hooper é o mais pobre, não há nada que se destaque em sua direção de “O Discurso do Rei”. Salva-se Russel, pois da simplicidade consegue extrair algo um pouco mais crível e honesto.


Melhor filme:

Deve ganhar: “A Rede Social” ou “O Discurso do Rei”
Deveria Ganhar: “Toy Story 3”

Obs.: Entre os concorrentes, só "A Origem” conseguiu me fazer mexer na cadeira do cinema de entusiasmo. Mas mesmo assim é mais embalagem que conteúdo. Não merece tanto. Coloco “Toy Story 3” porque seria um marco e uma ousadia inesperada de Hollywood premiar uma animação. Mas deve dar mesmo “A Rede Social”. “O Discurso do Rei”  está no jogo, mas não sei se tem fôlego.
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Agora é com você leitor. Qual seu palpite?
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segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Uma Noite em 67


Uma Noite em 67
Renato Terra e Ricardo Calil
Brasil, 2010

“Uma Noite em 67” consegue recompor um tempo através de uma noite. O documentário faz sua investida na final do 3º Festival da Música Popular Brasileira da TV Record. Uma noite que ficou marcada pelo que teve de importância e de inusitado. E também pelo que teve de histórico.

A importância do resgate da História já é motivo suficiente para justificar a realização de um documentário. Porém, muitos o fazem de forma equivocada. Ou seguem a linha didática e caem numa monotonia sem fim. Ou vão pelo caminho do exagero - como se pudessem resolver tudo em duas horas - e terminam por confundir mais do que explicar.

“Uma Noite em 67” vai pelo caminho da contenção. Não se atira de forma estabanada, nem quer resolver tudo. Prefere, mais que retratar, reconstruir. Não na imagem, mas no imaginário.

Para isso se utiliza de um foco específico para ramificar e restituir fatos, histórias, lembranças e, principalmente, clima. Porque a maior virtude do filme não é sua capacidade de nos transportar para um tempo, mas de trazer um tempo até nós.

A utilização de imagens de arquivo entrecortadas por depoimentos é uma fórmula base de documentário, mas em “Uma Noite em 67” é utilizada de forma elegante e precisa. As imagens de arquivo trazem material inédito, resultado de um minucioso trabalho de pesquisa por parte dos diretores. As entrevistas com depoimentos, por sua vez, trazem declarações novas, revelam bastidores insuspeitados. O equilíbrio entre uma e outra é o que faz do filme um exemplo de bom documentário.

Entre as declarações de destaque estão as de Gilberto Gil, que afirmou terem sido os anos da Tropicália “os mais agônicos” de sua vida musical. Ou ainda quando Chico Buarque confessa que chegou a participar de algumas reuniões que definiram os rumos do tropicalismo, mas que por ter chegado em quase todas bêbado, acabou ficando de fora.

É a combinação de elementos assim que dão ao filme uma capacidade incrível de trazer para os anos 2000 o clima de animosidade, paixão e envolvimento daqueles festivais. Mas o filme vai além. Não se limita a ficar no universo do festival, que por si só já é amplo e “magnetizante” o suficiente. Consegue ainda reavaliar e colocar em mais uma perspectiva o surgimento da Tropicália e as visões que seus criadores tinham da música em sua época.

“Uma noite em 67” se mostra um filme enxuto, competente. Transmite todo entusiasmo que havia naquelas plateias ensandecidas, entre vaias a aplausos, e todo nervosismo e expectativa que sentiam os concorrentes. Reescreve um capítulo fundamental na história da música brasileira. Reescreve não para mudar, mas para rejuvenescer. Para se fazer lembrar, para melhor entender, para melhor sentir.

Sentimento amplo, que canções e histórias juntas podem elevar a um patamar renovador e apaixonante. No subir dos letreiros finais, fica o eco do tempo, da História, da música. No pensamento, um desejo melódico: quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar.
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sábado, fevereiro 19, 2011

Bravura Indômita



True Grit
Ethan Coen e Joel Coen
EUA, 2010 

A grande falta que se faz sentir em “Bravura Indômita” é a construção (perdoem-me pelo palavrão) diegética. Essa ausência faz do filme uma experiência oca, na qual o sentimento e a emoção passam ao largo. Claro que se tratando do gênero western, não há necessidade de “construir” a diegese desse mítico universo fílmico. Ele é de conhecimento universal. O que me incomoda, esclareço, é a forma como a narrativa parece não dar tempo para que a personagem Mattie Ross (Hailee Steinfeld) pareça crível e sua vingança uma real necessidade.

“Bravura Indômita” é a versão dos irmãos Coen para o romance de Charles Portis, lançado em 1968. Há uma versão para o cinema de 1969, dirigida por Henry Hathaway e que deu a John Wayne seu único Oscar. Na história, Mattie Roos é uma garota de 14 anos que teve o pai assassinado pelo bandido Tom Chaney (Josh Brolin). Inconformada, faz de tudo para contratar um caçador de recompensas para capturar o bandido e levá-lo à forca. Acaba por contratar o oficial Rooster Cogburn (Jeff Bridges), conhecido por atirar antes, atirar de novo e perguntar depois. Mas Mattie não quer apenas um contrato, ela quer ir junto na captura do criminoso. Na trilha do mesmo bandido está Laboeuf (Matt Damon), um Texas Ranger que pretende fazer uma parceria com Cogburn para capturar Chaney.

No primeiro terço do filme a jovem Steinfeld se destaca com sua interpretação de Mattie. Vai de um lugar a outro negociando desde o funeral do pai até a contratação de um caçador de recompensas. Ela se mostra dura e escorregadia nas negociações. É decidida, inteligente, perspicaz e tem a língua afiada. Porém, apesar da ótima atuação da jovem atriz, a narrativa peca por uma edição rápida demais. Não há tempo para que se construa toda a força de Mattie. Nem o que realmente vale para ela o enforcamento de Chaney. Tudo se passa rápido demais e impessoal demais.

Quando percebemos, já estamos na primeira cena chave do filme, a travessia do rio. Essa cena, que deveria simbolizar com uma força enorme a passagem de Mattie, sem possibilidade de retorno ou arrependimento, para a vida adulta e todas agruras que viriam depois, perde grande parte de sua força por conta dá má construção que a precede. E é essa falha de fundamento que compromete a força de todo o filme restante. Por que se “Bravura Indômita” é um filme bom, certamente poderia ser muito melhor.

A recompensa, no entanto, pelo início ruim, vem da atuação de Jeff Bridges como o beberrão, insensível e durão Cogburn. Com seu tapa-olho, suas intermináveis histórias e seu gatilho certeiro, representa com clareza a violência e a dureza de um tempo no qual os homens tinham que ser lobos. Nada mais sintomático da mitologia do western - e daqueles tempos em que os homens da lei eram dúbios e seus métodos necessários – que um oficial do governo seja um ex-assaltante que já foi procurado pela justiça. Essa ambivalência entre lei e desordem funciona perfeitamente na persona de Cogburn.

O contraponto de Cogburn surge na figura de Laboeuf. Como Texas Ranger, Laboeuf mantém seu sentido de dever, honra e valor simbolizados na estrela que carrega no peito. É um homem instruído e audaz que busca aventura e recompensa. Torna-se um oposto e complemento de Cogburn, através de uma relação ríspida, irônica e desafetada. Mas mesmo nisso o filme mostra fraqueza, enfatizando essa relação em alguns diálogos afiados e irônicos, e só. 

Entre os dois está a garota, determinada em sua vingança. Dessa forma, a narrativa segue um dos “leitmotiv” (sim, outro palavrão) do gênero, a vingança. Pois é em torno da determinação de Mattie que a história gira e será esse desejo ferrenho que moverá a todos. Apesar de deficitariamente construída essa obcessão e o significado da vingança de Mattie, o confronto final será intenso e o desfecho não poupará ninguém das marcas permanentes dessa caçada feroz. Especialmente Mattie, como se verá ao final do filme.

“Bravura Indômita” era um dos filmes mais aguardados da temporada. Uma expectativa que se justificava pelo reconhecido talento dos diretores e por abordarem o gênero western, um dos gêneros fundamentais do cinema. Gênero que já haviam explorado com aspereza, contundência e desesperança em “Onde os Fracos Não Tem Vez”. Dois fatores mais que suficientes para gerar grande expectativa. No entanto, o resultado apresentado decepciona pela ausência de uma história e de personagens sem o devido anteparo que os sustentem para que sejam capazes de causar emoção, empatia ou comoção.

No final, o filme dos Coen termina como uma experiência de emoção reservada e empatia muito tênue. Não parece haver a mesma paixão e intensidade de outros filmes da dupla, o que nesse caso específico seria mais que desejável. Não é mau filme, pois os Coen ainda não devem ter aprendido a fazer filme ruim, mas certamente fica um tanto abaixo da média e da expectativa gerada.
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quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Colateral


Collateral
Michael Mann
EUA, 2004

Uma das características marcantes do cinema de Michael Mann é o uso da imagem digital. Seus filmes possuem uma luminosidade diferente, um trato de imagem que os diferenciam de outras produções. Foi assim em “Miami Vice”, em “Inimigos Públicos” e em “Colateral”. Mas Mann não é apenas um virtuose no lido com a imagem digital e suas possibilidades. É também um diretor que sabe como utilizar esse recurso em favor da narrativa, construindo seus universos dramáticos não apenas sobre as imagens, mas em conjunto com elas.

Em “Colateral” Max (Jamie Foxx) é um motorista de táxi em Los Angeles. Ele trabalha no período noturno e economiza para abrir seu próprio negócio, um sonho que alimenta há 12 anos. Uma noite, entra em seu carro Vincent (Tom Cruise). Diz que precisa ir em alguns lugares resolver algumas pendências e pegar um vôo ao amanhecer. Pede para que Max dirija para ele durante toda a noite. Max informa que não pode, pois contraria as normas da Cia. de Táxi. Contudo, tentado pela proposta de faturar o dobro de uma jornada e seduzido pelo magnetismo de Vincent, aceita a proposta.

Logo na primeira parada algo sai errado e Max descobre que seu passageiro é um assassino profissional contratado para matar 5 pessoas naquela noite. Impedido de se desvencilhar da situação, Max vê-se obrigado a conduzir Vincent para cada um dos trabalhos a serem executados.

A partir do choque inicial se desenvolve entre ambos uma complexa relação de antagonismo e simbiose. Confrontam-se pelos princípios divergentes, pelas visões opostas de certo e errado. Equilibram-se sobre uma tensão permanente e com isso articulam uma cumplicidade involuntária. É dentro da esfera psicológica que se dá o embate mais agudo entre ambos. No confronto aberto de palavras, tornam-se confessionais e terminam por conhecer um ao outro em um nível de desarme absoluto.

O ponto alto dessa relação se dá na cena do clube de jazz, durante uma conversa sobre Milles Davis. Existe nesse momento uma nítida pausa da tensão, como se tivessem alcançado uma comunhão de empatia. Porém, logo em seguida, tudo volta com força total e gera a definitiva ruptura.

Impossibilitada qualquer via de diálogo, acusam-se por suas próprias fraquezas, por aquilo que não querem admitir de si mesmos. É quando Max atira à face de Vincent sua solidão e seu desafeto irremediável, razão pela qual sente patológica indiferença pela vida humana. E Vincent, em resposta, aponta o medo que Max tem de realizar seus sonhos, perpetuando um covarde adiamento, ancorado na frágil justificativa de que tudo tem que ser perfeito. O que fica evidente é que cada um, à sua maneira, sente medo em se frustrar com a vida. Vincent disfarça seu medo na misantropia patente. Max, no eterno adiamento do sonho.

Com a franqueza aguda com que cada um atinge o outro abre-se o confronto sem volta e tudo se torna vida e morte e o confronto passa ser físico.

Michael Mann, com sua habilidade para o jogo digital de imagem, trabalha tudo isso através de uma ambientação sutilmente onírica. Cria como cenário dessa improvável relação uma Los Angeles de luzes mornas, desértica, ausente. Uma cidade que parece se esconder de suas ruas, deixando na noite vazia apenas os predadores mais solitários. Dessa luminosidade noturna se extrai uma textura trabalhada de forma a criar uma sensação de tempo estanque, como se a noite corresse muito lentamente e o dia fosse um despertar distante de um pesadelo sem fim.

A epifania maior dessa noite e de seus vagantes se dá quando um lobo atravessa a rua deserta. Sua figura simboliza o predador solitário, sem rumo e, de certa forma, sem presa, porque o que busca não é a caça, mas um lugar tranqüilo, um habitat mais seu que não aquela cidade assombrada pelas luzes que não iluminam ninguém.

No final, depois de uma perseguição construída pelo suspense e pela obstinação de um homem sem medo e outro sem alternativas, o que resta é a realização de uma melancólica profecia do início do filme. A profecia que reduz a cidade à indiferença do ser humano, indiferença personificada pela morte nas mãos de Vincent. Sua derrocada é triste, rende-se à inevitável solidão de seu fim. Seu anonimato reflete na indiferença que sempre teve a mesma indiferença com que não será notado em sua triste viagem de trem pela cidade amanhecida.
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sábado, fevereiro 12, 2011

O Vencedor


The Fighter
David O. Russell
EUA, 2010

Logo na primeira cena de “O Vencedor” levei um choque. Custei a acreditar que aquele ao lado de Mark Wahlberg era Christian Bale. Não apenas pela caracterização, de uma magreza extrema, mas principalmente pela expressão, pelo olhar, pelo gestual. Naquele momento tive a impressão de que estava diante de um grande ator. Quando o filme terminou não era mais uma impressão, era uma certeza.

Baseado em uma história real, “O Vencedor” narra os percalços de Micky (Wahlberg), um lutador de boxe em busca ascensão, mas que tem sofrido derrotas seguidas. Não quer admitir que é o que chamam no mundo do boxe de “trampolim”, um boxeador usado para impulsionar a carreira de outros lutadores.

Micky é agenciado por sua família, que muitas vezes o coloca no ringue em situação de desvantagem. Ele é treinado pelo irmão mais velho, Dicky (Bale), de quem aprendeu tudo que sabe. Dicky é um ex-boxeador, uma promessa que nunca se confirmou. Sua maior realização foi ter lutado contra o lendário Sugar Ray Leonard e tê-lo derrubado durante a luta. Ou Sugar teria apenas tropeçado?

Se, como já disse uma banda de rock nacional, a dúvida é o preço da pureza, no caso de Dick é o preço de seu único tesouro, seu ápice na carreira, seu troféu intangível. O filme é sobre família, sobre fé e sobre redenção. Quatorze anos depois de ter enfrentado Sugar Ray, Dicky tenta fazer de seu irmão um grande lutador, mas entre eles há mais que o amor fraternal e a admiração do caçula com o mais velho, entre eles há o vício de Dick, consumido pelo crack.

Família

A grande problemática do filme está na família. Será sempre a família o princípio dos problemas e ao mesmo tempo a fonte da força de Micky. Uma relação ambígua na qual se interpõe Charlene (Amy Adams), com quem Mick passa a se relacionar. Será ela o estopim da ruptura e a grande incentivadora de Micky por uma carreira melhor conduzida. Mas a fúria da família - uma típica família proletária, numerosa e de modos nada sutis ou elegantes – não será facilmente contornada.

Na liderança da prole está Alice, a mãe casca dura, sem travas na língua, que não admite ser contrariada e que acha que a família deve vir sempre em primeiro lugar. Em uma interpretação intensa de Melissa Leo, ela representa, com todos seus baixos defeitos, o elo forte, quase sempre discutível e aproveitador, de uma relação com os dois filhos lutadores. Faz vistas grossas para o vício de Dick, seu preferido, e tentar de todo modo conduzir a carreira de Mick, nem sempre pensando apenas nele. O que Alice quer – e talvez não admita nem para si mesma – é que Dick tenha sua segunda chance através de Micky, que a vitória do caçula seja a vitória nunca alcançada do mais velho.

Mas o que realmente faz do filme algo especial é a interpretação de Christian Bale. Basta ver imagens do verdadeiro Dick Eklund para saber que Bale de fato o incorporou, seja na impostura da voz, seja no gestual, seja no olhar. Bale faz uma interpretação visceral, passa com perfeição a fragilidade de Dick diante do vício e de sua carreira frustrada. Um homem que leva consigo apenas a certeza (ou a ilusão) de um dia ter derrubado Sugar Ray Leonard no ringue.

Insegurança

Wahlberg, por sua vez, faz uma interpretação contida, condizente com a personalidade de Mick Ward. Embora seja um ator limitado, essa limitação atua a favor da história e do personagem. Pouco expressivo, demonstra bem a indecisão e fraqueza diante da família. Sabe que precisa, num certo momento, se desvencilhar deles, porque essa relação trás mais danos que ganhos. Por outro lado, se sente inseguro sem eles por perto. Um conflito cuja conciliação parece cada vez mais impossível. 

“O Vencedor” é um típico filme de superação. Mas o que poderia ser um amontoado de pieguice e melodrama se torna uma história emocionante. Com uma trilha sonora excelente, tem a grande qualidade de se esquivar de muletas facilitadoras da narrativa e de evitar o uso de efeitos plásticos nas cenas de lutas. É um filme que entusiasma, comove e faz vibrar. Uma grande história contada com acerto e com grandes interpretações.
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segunda-feira, fevereiro 07, 2011

Cisne Negro



Black Swan
Darren Aronofsky
EUA, 2010

“Cisne Negro” é um filme com mais defeitos que qualidades. No entanto, suas qualidades se destacam de uma forma tão convincente e tão arrebatadora que ofuscam as falhas. Mas não ao ponto de passarem despercebidas. 

Na trama de “Cisne Negro”, Nina (Natalie Portman) é uma bailarina dedicada que almeja, quase em desespero, sua grande oportunidade dentro da Cia pela qual atua. Quando se iniciam os preparativos para a nova temporada, surge finalmente sua chance de protagonizar o clássico balé “O Lago dos Cisnes”. Mas para ter o papel ela precisa ser capaz de interpretar ambos os cisnes, o branco e o negro.

Nina é extremamente técnica. Busca de forma incessante a perfeição. Exatamente por isso o diretor da Cia, interpretado por Vincent Cassel, a pressiona tanto. Segundo ele, sua dança não tem alma. A perfeição de seus movimentos se mostram frios diante do que se espera para a interpretação do cisne negro. É preciso paixão, entrega, volúpia. São características que Nina não consegue alcançar com seus movimentos precisos.

A dificuldade que Nina tem de se soltar na dança parte de sua própria personalidade. Ela é uma mulher frígida, aprisionada em um tipo de inocência que a fragiliza profundamente. Em parte, esse seu estado se deve à influência da mãe, uma ex-bailarina que abandonou a carreira por conta da gravidez. Entre ambas há uma relação tensa, de estranhamento, de afeto e conflito. Figura castradora, essa mãe demonstra um comportamento irregular com fortes traços de desequilíbrio.


Limites

É em meio a essas barreiras psicológicas que Nina se vê pressionada a alcançar um patamar artístico além de seus limites. Dentro de sua fragilidade e frieza precisa fazer brotar uma outra Nina, oposta, dominadora, assertiva e cruel. Só assim ela poderá se tornar o cisne negro em toda sua plenitude.

A pressão que Nina impõe sobre si mesma e a que chega de todos os lados (diretor, mãe, outras bailarinas, ameaças a sua posição) exerce sobre ela uma força desconcertante. Nesse quadro, que beira o doentio em busca da perfeição, a realidade ganha, cada vez mais, contornos de insanidade. Conforme Nina avança rumo à estreia, os limites do que é real e do que é pesadelo vão se confundindo, levando-a a um estado de duplicidade e de transformação, em busca de seu cisne negro.

É com esse clima de apreensão, de asfixia e de uma transformação que foge ao controle, que o diretor Darren Aronofsky nos insere em um universo de ambiguidade. Como em “O Bebê de Rosemary”, de Roman Polanski, Natalie, a exemplo de Mia Farrow, irá trazer para fora as trevas. Porém, se no filme de Polanski, o desfecho se revela uma sedução inevitável e horrível, em “Cisne Negro” ela se revela trágica e definitiva.

Apesar de seus pontos positivos, “Cisne Negro” repete alguns vícios do diretor. Como em seu trabalho anterior, “O Lutador”, Aronofsky utiliza a câmera na mão em algumas cenas, seguindo sua protagonista. Essa opção se repete de forma cansativa. O diretor comete alguns deslizes em cenas cujo efeito atrapalha e diminui a intensidade de certos momentos. Escorrega algumas vezes com um certo tom “kitch” e decupa mal algumas cenas importantes.


Terror

Aronofsky é insistente nas cenas de terror. Troca suspense e construção de clima por sustos baratos. Abusa da obviedade, como se duvidasse da inteligência do público em perceber o abismo no qual Nina está se jogando. Elimina, com isso, sutilezas, que poderiam levar e melhor explorar o interior do contraditório da personagem. Sem artifícios batidos e cacoetes estilísticos, melhor se perceberia o processo de descenso através do qual Nina alcança a elevação, a perfeição.

Por outro lado, nas cenas de dança, o diretor arrebata com uma câmera que acompanha os movimentos, se atira no turbilhão. Sai de uma passividade observadora para uma ação participativa, dança junto e parece se encantar com o tanto com o gesto quanto com o movimento ao redor dele. Nesses momentos Aronofsky se supera, obtendo um resultado avassalador e estonteante.

Mas o que faz de “Cisne Negro” uma obra marcante é a atuação de Natalie Portman. Ela se mostra capaz de transmitir toda a aflição da ansiedade, toda frigidez da personagem, toda delicadeza perfeita de Nina. Transmite a ambiguidade do processo de transformação, do medo, da obsessão, da mudança final. É uma interpretação que convence e torna tudo em torno menor, desfocado. Natalie na tela é o centro de tudo, quando sofre, quando tem dúvida, quando renasce de dentro transformada em seu lado negro.

No pesar de tudo, o filme consegue impor um clima de tensão, de esquizofrenia, de dúvida entre o real e o obsessivo. Com a interpretação monumental de Natalie ganha em intensidade e vigor. Funciona como alegoria de um mito clássico em que para se alcançar a perfeição é preciso o sacrifício sem volta.
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domingo, fevereiro 06, 2011

Biutiful



Biutiful
Alejandro González Iñárritu
México / Espanha, 2010

A morte é uma presença constante nos filmes de Alejandro González Iñárritu. Ela está na tensão iminente do premiado “Amores Perros”, paira sobre as ligações improváveis dos personagens de “Babel” e é desencadeadora de todos os dramas de “21 Gramas”. Em “Biutiful” ela continua presente e atenderá aos mesmos princípios que recorrem sobre os filmes do diretor. Mas dessa vez ela adquire uma disposição simbiótica com o personagem central. Seu efeito mais devastador não está no prenúncio de sua vinda, mas na preparação para sua chegada.

Javier Barden é Uxbal, um explorador do trabalho irregular. Ganha a vida agenciando o trabalho de imigrantes ilegais, muitas vezes em condições de semi-escravidão. Com dois filhos para dar de comer e uma ex-mulher com transtorno bipolar, vive também em condição precária. Se de um lado ganha sobre a miséria alheia, do outro perde também em sua própria miséria. Perde ao ter de pagar policiais corruptos e por querer ajudar aqueles a quem explora.

Uxbal não é mocinho ou vilão. É apenas humano, na medida em que suas necessidades de sobrevivência o permitem ser.

Essa construção da persona de Uxbal é uma das riquezas do filme. Em suas atitudes demonstra um caráter que destoa do submundo com que está envolvido. Equilibra-se entre a sobrevivência necessária para si e para os filhos e algum atenuante para a torpeza do seu ganha-pão. Ao ajudar com trabalho e com dinheiro os expatriados fugidos da fome, da guerra e da miséria (para caírem num outro tipo de fome, de guerra e de miséria), Uxbal exerce um humanismo amoral. Mantém a culpa fora de sua consciência, sem se livrar dela por inteiro. Carrega no rosto essa angústia de quem está entrelaçado com o desumano e impossibilitado de se desvencilhar desse mal.

A morte

Até que chega a tragédia, desabada impiedosa sobre ele e os agenciadores do desespero. Antes do trágico, porém, já vinha a morte, algoz inevitável de uma condição terminal. É diante da brevidade do tempo que resta que passa a viver Uxbal. Em sua realidade a morte o cerca para onde quer que vá ou para onde quer que olhe. Ela não é só uma visita prometida para logo, é também uma companheira de longa data.

Pois há um detalhe na vida desse personagem que torna a morte algo diferente. Entre ele e a passagem para o outro lado existe uma relação muito próxima que vem de muito tempo. Uma ligação com o outro lado que redimensiona sua compreensão da passagem, embora não alivie em nada sua dor e seu medo.

Todos esses elementos são trabalhados de forma intensa pelo diretor. “Biutiful” nos leva para cada vez mais fundo no sofrimento desse personagem, que busca de todas as formas eliminar as pendências em sua vida. Contudo, na medida que sua vida é um torvelinho de problemas e à media que vive cercado pela miséria e pela desesperança, a solução de suas pendências se tornam cada vez mais distantes.

Afundando

Assim, vamos gradativamente afundando, sufocando nessa experiência dolorida. Mas também cheia de uma beleza estranha, composta pelo afeto de Uxbal pelos filhos, pelo desejo de não desamparar quem dele precisa. Somos tomados pela culpa da tragédia, pela perda de muitas vidas e cientes de que o tempo se esgota aos poucos.

A experiência de assistir a esse filme é uma das coisas mais intensas que o cinema pode proporcionar. “Biutiful” é um filme que te pega e te envolve. A forma como ele te leva para dentro da dor e do desamparo faz com que se experimente uma aproximação rara com o personagem. De forma que a dor dele se torna nossa dor.

Ao sair da sessão não se pode, imediatamente, deixar o filme para trás. Ele te acompanha, está em seus poros, em seus olhos, em sua alma. Essa capacidade de permanecer por tanto tempo conosco depois do fim é uma coisa rara, uma capacidade cinematográfica única que só os grandes filmes possuem. “Biutiful é um deles.
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sábado, fevereiro 05, 2011

O Mágico



L’illusionniste
Sylvain Chomet
Reino Unido/França, 2010

Visto apenas como um filme - uma animação, para ser mais preciso – “O Mágico” já mereceria muitos elogios. Mas quando visto dentro de seu histórico afetivo e da homenagem carinhosa que representa, então sua simples existência já é suficiente para que seja algo superior. Pois para alcançar o real valor desse belo filme é preciso que se saiba como ele nasceu.

“O Mágico” nasce de um pedido de perdão. Uma carta, que se desdobrou em uma novela e que virou roteiro e homenagem. A carta era de Jacques Tati, um dos gênios do cinema francês, dirigida à sua filha Sofie Tatischeff, a quem Tati inicialmente não assumiu como legítima. Dois anos antes de morrer, Sofie procurou o diretor da premiada animação “As Bicicletas de Bellevue”, Sylvain Chomet. Ela havia notado as sutis referências à obra de Tati na animação de Chomet. Sofie ofereceu a ele um roteiro inédito que Tati legara a ela. Desse roteiro saiu “O Mágico”.

O filme é uma homenagem ao cinema de Tati e também uma linda animação sobre a solidão, a generosidade, a esperança e a beleza em se viver sem tristeza, mesmo quando se tem tudo para ser triste. Não é uma comédia, mas sim um drama repleto de poesia. É uma obra de afeto puro, em que Tati se faz representado com a fidelidade e o espírito preservados de forma essencial e delicada. Uma fidelidade que assombra pelo gestual inconfundível mimetizado pela animação, na qual se tem a oportunidade de rever os gestos que fizeram de Tati um inesquecível artífice.

Indiferença

Temos então esse mágico, já com certa idade, vivendo a indiferença cada vez maior do público com a mágica, que já não desperta mais interesse. Temos nessa “indiferença” do público um retorno à crítica de Tati com o moderno e o vazio que ele pode trazer. O que faz o público vibrar é a banda de rock, cuja música não se entende e cuja performance no palco beira a insanidade, num espetáculo desprovido de qualquer estética ou encantamento.

Perambulando de teatro em teatro, o mágico compreende a decadência de um tipo de espetáculo cujo espaço se perdeu em troca do bizarro. Em seu caminho cruza com outros artistas cuja decadência se iguala. Os acrobatas que ganham a vida pintando cartazes, o ventríloquo que se entrega à bebida e cuja única companhia é o boneco falante, o palhaço esquecido que prepara o suicídio. Mas apesar do cansaço, o mágico não desanima. Seja pela sobrevivência ou pelo simples ideal de seguir fazendo o que sabe.

Um dia, ao se apresentar em uma aldeia, conhece Alice, uma menina humilde que se encanta com seus números de mágica, acreditando que ela realmente acontece. Ela o acompanha de volta a cidade, fugida de sua vida pobre no vilarejo. Para o mágico, o encanto que a mágica proporciona a Alice representa seu último laço com um público do passado. Mas também seu humanismo paternal. Por isso ele a adota e faz questão de preservar o encanto da magia nessa relação inocente e generosa.

O tempo

Como a passagem do tempo é sempre inevitável e como todo encanto chega ao fim, também será dessa forma que o mágico terá de seguir sozinho. Porque Alice um dia também encontrará seu próprio caminho. Então o mágico partirá. Não entristecido, pois sua generosidade felicita sempre os caminhos que cada um decide seguir. Se mágicos não existem, como saberemos cedo ou tarde em nossas vidas, ao menos ficarão sempre em nosso imaginário como preservação de uma inocência perdida. Recordação de um tempo em que a mágica era possível.

Por isso o mágico, na animação de Chomet, simboliza o último de uma estirpe. De feitores de sonhos, de ilusões que inevitavelmente se perderão um dia. Essa perda das ilusões não existe (ou não deveria existir) para que a vida destrua os sonhos, mas para que eles continuem se renovando sob novas formas de sonhar e de crescer.
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