domingo, outubro 03, 2010

Estrada para Ythaca




Estrada para Ythaca
Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes, Ricardo Pretti
Brasil, 2010
70 min.

Para fazer cinema basta querer. Claro, não é tão simples assim, mas tampouco vai muito além disso. Todos sabem que fazer um filme custa caro, mas quando se tem a vontade do cinema, o caro pode se tornar barato. Mais exatamente R$1.850,00, que é a quantia que os diretores de “Estrada Para Ythaca” afirmam terem gasto para fazer o filme. E esse valor irrisório, diante dos orçamentos milionários de qualquer produção de pequeno custo, valeu mais que qualquer milhão de filme comercial. Isso porque “Estrada para Ythaca” é cinema com a paixão que o cinema exige, e prova que uma boa ideia na cabeça só precisa de uma câmera na mão pra virar um bom filme.

O filme foi realizado, em quase todas suas etapas de produção, pelos quatro diretores Guto Parente, Ricardo Pretti, Luiz Pretti e Pedro Diógenes, que são também os atores do filme. Juntos, realizam um road movie, cuja consistência insólita desdobra o mito de Ulisses em seu mais agudo sentido e o tangencia não pelo que tem de óbvio, mas pelo que tem de sublime. E nesse processo encontra tantos significados que, como diria Pessoa, não pode haver tantos.

Por isso não se pode explicar “Estrada para Ythaca”, pois para entender o filme – e a estrada – é preciso percorrê-los. Mas não espere entendimento no percurso. É só no fim que tudo fica claro, que tudo faz sentido. Preservando, sempre, aquilo que se manifesta pelo mítico e intangível no sentido das coisas.

Quatro amigos, alta noite, bebem num boteco. Cantam melancólicos, ébrios. Paira a ausência de outro amigo, falecido recentemente. Um deles decide ir embora. Os outros ficam. Mais tarde, com um carro furtado, alcançam o amigo que partiu antes. Seguem juntos para Ythaca. Pegam a estrada (ou são pegos por ela). Bebem, dançam, consomem no silêncio e na aventura a memória do amigo ausente. Perdem-se, escolhem caminhos incertos. Caminhos para si mesmos, caminhos para o cinema do terceiro mundo, caminhos de coragem e ousadia. Buscam Ythaca.

O filme é sobre amizade, sobre a perda e sobre a busca que empreendemos à procura de nós mesmos. É sobre a jornada, acima de tudo. Quanto ao Ulisses intangível de sua metáfora, “Estrada para Ythaca” nos entrega mais que o mito de Homero, mas o homérico sentido do mito, cuja definição mais perfeita vem da criança que diz que o mito é uma coisa que é mentira por fora e verdade por dentro.

A maior parte dos 70 minutos do filme são empreendidos no mínimo de diálogos, aplicados numa ausência verbal compensada pelas imagens que pouco a pouco vão dando o estofo dessa jornada para Ythaca. Por isso, ela mesma, a travessia, se torna intangível enquanto estrada, ou rumo, e seu caminho está em todos os caminhos, ou mesmo na ausência de um caminho. Desse modo, as partes do todo, as imagens que se sucedem, podem, isoladamente, parecerem desconexas, sem um sentido claro. No entanto, nunca deixam de manter a persistência, a tenacidade da estrada e do sentido em segui-la juntos.

Mas é somente depois de cumprida a jornada que se pode compreendê-la inteira. E o resultado da busca empreendida é o encontro daquilo que já se encontrava lá, desde o início. Mas seu sentido e propósito íntegro só se torna passível de mínimo entendimento ao fim dessa jornada, uma jornada que nos leva de volta pra casa e de volta para nós mesmos. Porque Ythaca não é um lugar para se chegar, mas, essencialmente, um lugar para se ir.
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1 comentários:

Fernanda disse...

Olá! Com a explicação fica tudo mais fácil de digerir... mas tem que entrar no clima dos 4 amigos para chegar em Ythaca. Beijos!!!

 

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