sábado, fevereiro 05, 2011

O Mágico



L’illusionniste
Sylvain Chomet
Reino Unido/França, 2010

Visto apenas como um filme - uma animação, para ser mais preciso – “O Mágico” já mereceria muitos elogios. Mas quando visto dentro de seu histórico afetivo e da homenagem carinhosa que representa, então sua simples existência já é suficiente para que seja algo superior. Pois para alcançar o real valor desse belo filme é preciso que se saiba como ele nasceu.

“O Mágico” nasce de um pedido de perdão. Uma carta, que se desdobrou em uma novela e que virou roteiro e homenagem. A carta era de Jacques Tati, um dos gênios do cinema francês, dirigida à sua filha Sofie Tatischeff, a quem Tati inicialmente não assumiu como legítima. Dois anos antes de morrer, Sofie procurou o diretor da premiada animação “As Bicicletas de Bellevue”, Sylvain Chomet. Ela havia notado as sutis referências à obra de Tati na animação de Chomet. Sofie ofereceu a ele um roteiro inédito que Tati legara a ela. Desse roteiro saiu “O Mágico”.

O filme é uma homenagem ao cinema de Tati e também uma linda animação sobre a solidão, a generosidade, a esperança e a beleza em se viver sem tristeza, mesmo quando se tem tudo para ser triste. Não é uma comédia, mas sim um drama repleto de poesia. É uma obra de afeto puro, em que Tati se faz representado com a fidelidade e o espírito preservados de forma essencial e delicada. Uma fidelidade que assombra pelo gestual inconfundível mimetizado pela animação, na qual se tem a oportunidade de rever os gestos que fizeram de Tati um inesquecível artífice.

Indiferença

Temos então esse mágico, já com certa idade, vivendo a indiferença cada vez maior do público com a mágica, que já não desperta mais interesse. Temos nessa “indiferença” do público um retorno à crítica de Tati com o moderno e o vazio que ele pode trazer. O que faz o público vibrar é a banda de rock, cuja música não se entende e cuja performance no palco beira a insanidade, num espetáculo desprovido de qualquer estética ou encantamento.

Perambulando de teatro em teatro, o mágico compreende a decadência de um tipo de espetáculo cujo espaço se perdeu em troca do bizarro. Em seu caminho cruza com outros artistas cuja decadência se iguala. Os acrobatas que ganham a vida pintando cartazes, o ventríloquo que se entrega à bebida e cuja única companhia é o boneco falante, o palhaço esquecido que prepara o suicídio. Mas apesar do cansaço, o mágico não desanima. Seja pela sobrevivência ou pelo simples ideal de seguir fazendo o que sabe.

Um dia, ao se apresentar em uma aldeia, conhece Alice, uma menina humilde que se encanta com seus números de mágica, acreditando que ela realmente acontece. Ela o acompanha de volta a cidade, fugida de sua vida pobre no vilarejo. Para o mágico, o encanto que a mágica proporciona a Alice representa seu último laço com um público do passado. Mas também seu humanismo paternal. Por isso ele a adota e faz questão de preservar o encanto da magia nessa relação inocente e generosa.

O tempo

Como a passagem do tempo é sempre inevitável e como todo encanto chega ao fim, também será dessa forma que o mágico terá de seguir sozinho. Porque Alice um dia também encontrará seu próprio caminho. Então o mágico partirá. Não entristecido, pois sua generosidade felicita sempre os caminhos que cada um decide seguir. Se mágicos não existem, como saberemos cedo ou tarde em nossas vidas, ao menos ficarão sempre em nosso imaginário como preservação de uma inocência perdida. Recordação de um tempo em que a mágica era possível.

Por isso o mágico, na animação de Chomet, simboliza o último de uma estirpe. De feitores de sonhos, de ilusões que inevitavelmente se perderão um dia. Essa perda das ilusões não existe (ou não deveria existir) para que a vida destrua os sonhos, mas para que eles continuem se renovando sob novas formas de sonhar e de crescer.
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