O filme começa com um sonho de tons fetichistas e
dominadores. Há a ocultação de rostos sob capuzes, há a nudez assertiva e ao
mesmo tempo submissa, há o ritualístico sacrifical. Uma bocarra engole tudo,
mas o faz passivamente; quem se deixa engolir é a nudez, quase que de forma
afrontosa, embora não menos submissa. Encerra o sonho uma ereção. Símbolo do
poder masculino. Fálico cetro.
Em sua narrativa, O Exercício
do Poder lança holofotes sobre Bertrand Saint-Jean (Olivier Gourmet), ministro
dos transportes da França. É sua rotina – iniciada em madrugada de sono
interrompido por um acidente envolvendo adolescentes – que o filme acompanha.
Desde o princípio, vê-se, esta rotina será marcada pelas aparências, peça chave
no jogo político que o filme esmiuçará com inteligência e dinamismo.
Uma das qualidades do filme está no seu posicionamento. Ao
contrário do que geralmente ocorre em filmes que abordam o cotidiano da
política, este não faz qualquer destilação venenosa. Evita cinismos e joguetes
de efeito para se concentrar num quadro realista e amoral composto pela persona de seu protagonista.
Está claro, desde o princípio, a importância da aparência.
Do gelo no rosto para reduzir a expressão de sono, da troca de gravatas imposta
pela assessora para que ninguém se destaque mais que o ministro, dos discursos
redigidos e refeitos à força do momento e do efeito esperado. Em tudo há o
cálculo dos efeitos, a inautenticidade que rege os princípios dos cargos
públicos.
Mas ao acompanhar o exercício do cargo e colocar sua lente “colada”
na rotina de Saint-Jean, o diretor Pierre Schöller nos guia por uma verdade
muito mais matizada do que a das aparências. Podemos entrever sob a aparência
oficial o homem de fato, num arroubo ou outro de espontaneidade. Mas vemos,
acima de tudo, o homem-poder, o homem-ambição, “como um tigre faminto na noite
escura”.
É na construção dessa figura política, do jogo de poder e
contrapoder, que o filme exercita com inteligência sua capacidade de abstrair-se
do cinismo cinematográfico para imergir nas atribulações políticas, nas frestas
das decisões de Estado, fabricadas menos pelo mérito da questão e mais pela
vaidade eleitoral.
Nessa composição, entre a tragédia que surpreende, mostra
também um Estado francês falido, tão falido quanto ideais ou interesses
legítimos. Mas O Exercício do Poder
não “vilaniza” as figuras do Estado, apenas lhes atribui sua cota de seduzidos
ante o cargo, sua cota de indiferença ante as tragédias, a pobreza ou o estado
das coisas do Estado.
Sobra, com isso, pouco espaço para o humano. Regidos,
dogmatizados e focados no poder, os homens da política pouco se assemelham a
homens de verdade. São autômatos de sua ambição. Só se vê o ser humano quando,
em frestas de momentos, sob o peso da tragédia, uma nesga de sinceridade
aparece. Como um político que discursa para si mesmo, quase em silêncio. Porque
o único discurso que trazia alguma sinceridade nas palavras, ironicamente, não
pôde ser discursado.
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L'exercice de l'État
Pierre Schöller
Françca/Bélgica, 2011
115 min.
Trailer
L'exercice de l'État
Pierre Schöller
Françca/Bélgica, 2011
115 min.
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