terça-feira, março 08, 2011

O Que Escondem os Filmes de Zumbis



Entre os diversos subgêneros do terror, os filmes de zumbis estão entre os que menos são levados a sério. Funcionam como pura diversão para aqueles que gostam e são vistos como besteirol de mau gosto por quem não gosta.

Talvez seja mesmo difícil levar a sério um gênero cuja premissa básica é a de que mortos-vivos caminham (ou correm) em hordas enlouquecidas, famintas de carne humana. Uma situação que muitas vezes cria cenas tão absurdas que ultrapassam a linha do terror e invadem o campo da comédia. No entanto, apesar dessa aparente superficialidade e escatologia gratuita, um olhar mais atento para dentro desse universo pode revelar bem mais do que simplesmente sangue e vísceras.

Para entender como esses filmes podem ter algo de substancial, é preciso antes entender como o cinema e seus gêneros sempre dialogaram com o imaginário popular.


Medos Coletivos

Ao longo da evolução da sétima arte, muitos filmes, gêneros e subgêneros surgiram para atender a um tipo de expectativa da sociedade. Seja como retrato de medos, sentimento coletivo de uma época, reflexo revelador de comportamentos, o cinema sempre se serviu - e também alimentou - do imaginário do público. Um exemplo desse fenômeno são os filmes de insetos gigantes dos anos 50.

Conhecidos como “Big Bugs Movies”, apresentavam insetos gigantes aterrorizando a população. O surgimento desses insetos estava quase sempre ligados a experimentos com a energia nuclear e suas potencialidades bélicas. Dessa forma, os filmes refletiam o medo que as pessoas tinham dos efeitos desconhecidos da radiação e, principalmente, do clima de tensão causado pela Guerra Fria. 

Também os musicais dos anos 30 e o surgimento do filme “noir” nos EUA são duas faces da mesma situação: a depressão causada pela quebra da bolsa de Nova York, em 1929.

Os musicais funcionavam como “ilhas” de fantasia em meio à tristeza daqueles tempos, uma fuga da dura realidade com números de dança, divertidas comédias e enredos açucarados.

Já o “filme noir” (filme negro, escuro, de sombras e ambiguidades), era a representação do espírito desesperançado da época, onde as margens entre o bem e mal eram dúbias e o futuro sombrio.


Instintos Sufocados

Da mesma forma, os filmes de zumbi trazem, por trás de sua aparente banalidade, diversos instintos humanos básicos ocultos, sufocados pela civilidade da vida moderna. Todos nós, que vivemos em comunidade, temos de abrir mão do nosso individualismo para que seja possível a boa convivência. Desde preceitos como boa educação e cordialidade, desejáveis a qualquer ser humano, até leis e normas específicas que regulamentam e ordenam nossa vida em sociedade.

Estamos sempre amarrados às regras de convívio que temos de obedecer no trabalho, junto à família, com os amigos. Muitas vezes sentimos vontade de descarregar o estresse chutando tudo para o alto. Quem nunca teve vontade de bater o telefone na cara do chefe, dizer para aquele tio chato que aquela piada já perdeu a graça ou para algum amigo que aquele apelido da época de escola já deu o que tinha que dar?

Com sua estrutura anárquica e absurda, os filmes de zumbis funcionam como a desconstrução do regramento que temos de acatar no nosso cotidiano. Eles agem em nosso imaginário como a libertação de grilhões sociais de bom comportamento, boa conduta e respeito às normas vigentes. 


Caos sem Culpa

Nos filmes de zumbi, o terror é o pretexto perfeito para o caos sem culpa. Neles se pode simplesmente descumprir as normas, porque é tudo pela sobrevivência. Quando sua cidade está tomada por zumbis e você dirige um carro para fugir deles, não precisa parar na faixa de pedestres, não precisa pensar de quem é a preferencial. Você apenas pisa fundo.

Nesses filmes, a ida ao supermercado poder ser uma aventura perigosa, mas pode ser também uma diversão. Você simplesmente entra, pega o que quer e sai. Sem filas nos caixas, sem donas de casa indecisas quanto à melhor promoção do dia. É a vida simples. E nessa simplificação se desproblematiza a vida ordenada.

Mesmo a violência é trabalhada de forma a não comprometer. Não há problema em matar zumbis das formas mais inventivas e bizarras possíveis. Afinal, eles já estão mortos mesmo, não é? Também não é por acaso que eles têm sempre uma aparência hedionda, repugnante, que sejam sempre portadores de uma mortal contaminação. Assim, eles são colocados no mesmo patamar de ratos, baratas e outras pragas urbanas. Por isso precisam ser exterminados.

Mas os filmes de zumbis vão além de simples metáforas para nossos instintos primitivos e reprimidos. Servem também de crítica social e política. O desgoverno que o surgimento dessa praga causa pode servir como paródia ou metáfora de revoluções, levantes e descontentamento com a política e a economia. O fato de zumbis serem, basicamente, hordas de famintos maltrapilhos em busca de comida não pode ser desconsiderado.

As cenas escatológicas, por sua vez, agridem o bom gosto, o refinado, o cortês, o de bom tom. Depois de um ataque de zumbis ninguém precisa se preocupar em comer de boca fechada, usar talheres na ordem certa ou saber qual vinho harmoniza melhor com aquele prato. Isso é uma crítica à hipocrisia da sociedade, especialmente às classes dominantes e suas afetações de requinte e sofisticação.


Destruição e Recomeço

No fim, os filmes do gênero terminam por encerrar suas narrativas com uma perspectiva de desconstrução ou recomeço. Existem dois finais clássicos. Ou o filme segue até que o último sobrevivente seja contaminado e se transforme num zumbi. Ou um grupo de pessoas (ou casal) consegue se safar e fugir. No primeiro caso, fica implícita uma ideia pessimista, cuja mensagem é de que não há solução, o caos é o fim de algo que já não vinha mesmo dando muito certo. O segundo caso simboliza o recomeço, a nova era, uma segunda chance de reconstruir a sociedade a partir do zero.
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Didático vídeo com algumas regras básicas para sobreviver a um ataque zumbi (em inglês)

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