domingo, janeiro 02, 2011

Conduta de Risco



Michael Clayton
Tony Gilroy
EUA, 2007

Há três diálogos fundamentais na trama de “Conduta de Risco”. Três diálogos nos quais a significação retórica de uma pergunta e de duas afirmações confrontam, de forma profunda, o caráter do protagonista Michael Clayton, interpretado por George Clooney.

Primeiro, ao dizer para seu melhor amigo que não era um inimigo, Clayton recebe como resposta a pergunta: “Então quem você é?”. Num outro momento, seu irmão lhe diz com veemência: “Você sabe exatamente o que você é”. Por fim, não menos retórico, o próprio Michael diz: “Eu não sou o cara que você mata, eu sou o cara que você compra”.

“Conduta de Risco”, estréia do roteirista Tony Gilroy na direção, trata de força de caráter, de ética, de dignidade.

Na trama, Michael Clayton trabalha para uma grande firma de advocacia, mas não necessariamente como advogado. Ele é o que eles chamam de “faxineiro”, o sujeito que livra clientes importantes de enrascadas, sempre à margem da lei. Jogador compulsivo e endividado por um negócio mal sucedido, Michael precisa urgentemente conseguir uma grande quantia para pagar os agiotas.

Tudo se complica mais ainda quando um velho amigo, o melhor e mais experiente advogado da firma, uma verdadeira lenda na empresa, surta em plena audiência do maior caso que a firma defende: um litígio de 3 bilhões de dólares entre fazendeiros e uma multinacional do agrobusiness. Michael é chamado para a missão de conter o amigo, que sofre de transtorno bipolar, e impedi-lo de pôr tudo a perder. É a partir de então que Michael Clayton é confrontado consigo mesmo e com sua moral.

Tony Gilroy é roteirista experiente e conceituado. Em seu currículo estão filmes como “O Advogado do Diabo” e a franquia Bourne. Agora, ao aventurar-se na direção, mostra uma impressionante competência.

“Conduta de Risco” se utiliza de diversas metáforas para significar a abismo moral em que o protagonista se encontra e as escolhas que ele faz ao longo do filme. Como a belíssima cena dos cavalos, logo no início do filme, que culmina com uma desconcertante surpresa, nos jogando dentro da trama através de uma volta no tempo para entender como se chegou àquele momento.

Outro ponto de qualidade no filme é sua narrativa, inicialmente não-linear, que causa uma certa confusão de início, mas que logo se desdobra numa trama bem montada, onde os elementos vão se apresentando no ritmo certo, afundando cada vez mais os personagens num jogo milionário entre a uma inocência improvável e uma verdade de caráter nulo.

É nesse jogo de forças desproporcionais e de escolhas definitivas que Michael Clayton terá de agir. E será através das conseqüências desse jogo que ele se verá ao espelho e fará suas escolhas finais.

A melhor metáfora dessa escolha se dá num plano que expressa bem o mundo onde vive Michael Clayton. É quando ele, após desferir um golpe mortal numa estrutura aparentemente intocável, vai por uma escada rolante com a câmera o enfocando de cima. O plano se fixa e enquadra as duas vias que Michael sempre teve na vida: uma escada rolante que sobe e que leva ao mundo da mentira, do luxo, do poder e do dinheiro; outra que desce e leva a uma realidade onde o caráter pode ser mais firme e a moral menos dúbia. O caminho que Michael toma é o que definirá sua vida à partir de então.

Vale ainda destacar a atuação excelente de Tom Wilkinson como um advogado que desperta para a verdade e decide se virar contra tudo que defendeu na carreira. Tudo com uma boa dose de esquizofrenia libertadora, como quando diz: “Eu sou Shiva, o Deus da morte”. Se sua súbita “consciência” desperta apenas em meio a uma crise de euforia na qual sua sanidade se torna tênue e discutível, não deixa de ser sintomático que a verdade só se faça clara a seus olhos quando a loucura o assalta. Fica a questão de que é dentro do insano que se enxerga a verdadeira insanidade da razão, quando esta “razão” é torpe, imoral e sem ética.

Em suma, Gilroy mostra segurança e força na direção, exibindo um trabalho muito bem realizado, com ótimas atuações e um roteiro de primeira. Um filme que mostra que Hollywood pode, ainda, revelar filmes e diretores sérios e de qualidade.
--

* * *

0 comentários:

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger