terça-feira, outubro 26, 2010

O Segredo de Seus Olhos

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El Secreto de Sus Ojos
Juan José Campanella
Argentina, 2009
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Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro 2010, O Segredo de Seus Olhos, de Juan José Campanella, conta a história de Benjamin Espólito, um funcionário da justiça aposentado que pretende escrever um romance para ocupar seu tempo livre. Interpretado por Ricardo Darín, o personagem passa então a desenterrar da memória um antigo caso de assassinato, de cuja investigação participou no passado e que nunca conseguiu esquecer totalmente.

O Segredo de Seus Olhos é antes de tudo um filme policial. Os elementos estão todos lá. Um crime mal solucionado no passado, o retorno às investigações, as reviravoltas na trama. Mas o filme tem a virtude de não se prender exclusivamente aos elementos de gênero e abrir possibilidades dentro da trama para o romance e até mesmo para o cômico. Não perde, porém, seu foco policialesco e leva o espectador até um final surpreendente e marcante. Se não tanto pela revelação em si, certamente pelo que nela contém de humano e cruel ao mesmo tempo.

Um filme sobre obsessões. Obsessões que de muitas maneiras - desde as mais inocentes às mais doentias - servem, em última análise, para preencher vidas que se descobrem "cheias de nada". É o tamanho do vazio que determina o tamanho da obsessão. E é assim que Benjamin Espólito se envolve numa trama que o perseguirá por 25 anos, compreendendo que no ser humano tudo é passível de mudança - aparência, endereço, trabalho e até comportamento social. Mas uma coisa nunca muda: suas paixões e obsessões.


Juan José Campanella é imensamente competente na construção de sua trama, no modo como gradualmente faz crescer a tensão na primeira metade do filme. Mesmo recheando o filme com cenas verdadeiramente engraçadas, não perde as rédeas da narrativa. Mantém o suspense em permanente crescendo, culminando em cenas com alta voltagem de tensão. Graças também ao ótimo jogo de cena e às excelentes interpretações dos atores. 

Um destaque a ser notado no filme é a relação dos olhos e dos olhares, que dão sentido ao seu título. Tudo no filme passa pelos olhos dos personagens, pela maneira como eles revelam ou escondem sentimentos, crimes, pecados, culpas e obsessões. E a maneira como Campanella trabalha isso, de forma sutil, sem exageros e obviedades, num jogo discreto, é outro grande mérito do filme.

Contudo, O Segredo de Seus Olhos não é um filme sem defeitos. Embora construído com uma boa escalada de suspense, em alguns momentos perde consistência, especialmente quando faz muitas concessões ao romanesco. Não que a atração subentendida entre dois personagens seja necessariamente ruim, pelo contrario, dá até um certo tempero para a trama e rende ótimas cenas. O problema é que às vezes, por conta de uma certa repetição, esse tempero acaba passando do ponto.

Campanella, entretanto, não é bobo. Embora não enxugue o filme desses defeitos, não perde a chance de transformá-los em piada. Para isso constrói toda uma cena de puro clichê, daqueles bem açucarados, e obviamente improvável. Tudo isso para logo na cena seguinte desconstruí-lo sem piedade, numa auto-ironia refinada. São detalhes como esses que minimizam as falhas do filme e faz de O Segredo de Seus Olhos o melhor trabalho do diretor até então.

E como um bom filme policial algumas reviravoltas acontecerão na trama até o desfecho. Todas muito bem colocadas, sem excessos, sem artificialismos. E tudo a serviço de um final atordoante, agudo, doído, como um dedo no centro de uma ferida aberta por 25 anos. Um arremate que encerra não no ato, mas no teor dele, a máxima de uma obsessão. Uma espécie de justiça que se escreve e se executa de próprio punho, à margem da lei, na solidez de uma sentença perpétua e no quanto pode haver de torto e de doentio em sua execução. Tudo isso faz de O Segredo de Seus Olhos um grande filme.

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