quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Colateral


Collateral
Michael Mann
EUA, 2004

Uma das características marcantes do cinema de Michael Mann é o uso da imagem digital. Seus filmes possuem uma luminosidade diferente, um trato de imagem que os diferenciam de outras produções. Foi assim em “Miami Vice”, em “Inimigos Públicos” e em “Colateral”. Mas Mann não é apenas um virtuose no lido com a imagem digital e suas possibilidades. É também um diretor que sabe como utilizar esse recurso em favor da narrativa, construindo seus universos dramáticos não apenas sobre as imagens, mas em conjunto com elas.

Em “Colateral” Max (Jamie Foxx) é um motorista de táxi em Los Angeles. Ele trabalha no período noturno e economiza para abrir seu próprio negócio, um sonho que alimenta há 12 anos. Uma noite, entra em seu carro Vincent (Tom Cruise). Diz que precisa ir em alguns lugares resolver algumas pendências e pegar um vôo ao amanhecer. Pede para que Max dirija para ele durante toda a noite. Max informa que não pode, pois contraria as normas da Cia. de Táxi. Contudo, tentado pela proposta de faturar o dobro de uma jornada e seduzido pelo magnetismo de Vincent, aceita a proposta.

Logo na primeira parada algo sai errado e Max descobre que seu passageiro é um assassino profissional contratado para matar 5 pessoas naquela noite. Impedido de se desvencilhar da situação, Max vê-se obrigado a conduzir Vincent para cada um dos trabalhos a serem executados.

A partir do choque inicial se desenvolve entre ambos uma complexa relação de antagonismo e simbiose. Confrontam-se pelos princípios divergentes, pelas visões opostas de certo e errado. Equilibram-se sobre uma tensão permanente e com isso articulam uma cumplicidade involuntária. É dentro da esfera psicológica que se dá o embate mais agudo entre ambos. No confronto aberto de palavras, tornam-se confessionais e terminam por conhecer um ao outro em um nível de desarme absoluto.

O ponto alto dessa relação se dá na cena do clube de jazz, durante uma conversa sobre Milles Davis. Existe nesse momento uma nítida pausa da tensão, como se tivessem alcançado uma comunhão de empatia. Porém, logo em seguida, tudo volta com força total e gera a definitiva ruptura.

Impossibilitada qualquer via de diálogo, acusam-se por suas próprias fraquezas, por aquilo que não querem admitir de si mesmos. É quando Max atira à face de Vincent sua solidão e seu desafeto irremediável, razão pela qual sente patológica indiferença pela vida humana. E Vincent, em resposta, aponta o medo que Max tem de realizar seus sonhos, perpetuando um covarde adiamento, ancorado na frágil justificativa de que tudo tem que ser perfeito. O que fica evidente é que cada um, à sua maneira, sente medo em se frustrar com a vida. Vincent disfarça seu medo na misantropia patente. Max, no eterno adiamento do sonho.

Com a franqueza aguda com que cada um atinge o outro abre-se o confronto sem volta e tudo se torna vida e morte e o confronto passa ser físico.

Michael Mann, com sua habilidade para o jogo digital de imagem, trabalha tudo isso através de uma ambientação sutilmente onírica. Cria como cenário dessa improvável relação uma Los Angeles de luzes mornas, desértica, ausente. Uma cidade que parece se esconder de suas ruas, deixando na noite vazia apenas os predadores mais solitários. Dessa luminosidade noturna se extrai uma textura trabalhada de forma a criar uma sensação de tempo estanque, como se a noite corresse muito lentamente e o dia fosse um despertar distante de um pesadelo sem fim.

A epifania maior dessa noite e de seus vagantes se dá quando um lobo atravessa a rua deserta. Sua figura simboliza o predador solitário, sem rumo e, de certa forma, sem presa, porque o que busca não é a caça, mas um lugar tranqüilo, um habitat mais seu que não aquela cidade assombrada pelas luzes que não iluminam ninguém.

No final, depois de uma perseguição construída pelo suspense e pela obstinação de um homem sem medo e outro sem alternativas, o que resta é a realização de uma melancólica profecia do início do filme. A profecia que reduz a cidade à indiferença do ser humano, indiferença personificada pela morte nas mãos de Vincent. Sua derrocada é triste, rende-se à inevitável solidão de seu fim. Seu anonimato reflete na indiferença que sempre teve a mesma indiferença com que não será notado em sua triste viagem de trem pela cidade amanhecida.
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1 comentários:

Felipe disse...

Boa critica.

"Sua figura simboliza o predador solitário, sem rumo e, de certa forma, sem presa, porque o que busca não é a caça, mas um lugar tranqüilo, um habitat mais seu que não aquela cidade assombrada pelas luzes que não iluminam ninguém."

 

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