quarta-feira, outubro 06, 2010

Tropa de Elite 2

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Tropa de Elite 2
José Padilha
Brasil, 2010
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Respinga pra todo lado. Respinga na polícia, respinga nos bandidos, respinga nos políticos. No final, respinga até na esplanada, mensagem clara, efeito pleno alcançado pelo filme em seu recado ao expectador. Tem tiro na cara de bandido, tem tapa na cara de polícia, tem soco na cara de político.

Tropa de Elite 2 retoma sua violência encarniçada dentro de um sistema canceroso de corrupção e sem sombra de melhora à vista. Se no primeiro filme o foco era a formação da violência e da corrupção dentro dos quadros da polícia, dessa vez o diretor José Padilha aponta sua câmera para os ditames do poder e sua relação direta com o poder paralelo, numa equação de causa e efeito.

O agora Coronel Nascimento vai parar dentro do “sistema” depois de uma ação presumidamente desastrosa, mas que através do jogo político-midiático o lança num patamar superior nas instâncias do poder da ordem pública. Nascimento acredita, em seu idealismo incorruptível, estar agora em condições de mudar a relação crime/violência/segurança pública na cidade do Rio de Janeiro. Mas vai perceber aos poucos o quanto seus inimigos se tornaram outros e muito mais poderosos, porque não o atingem com balas, situação da qual poderia se “esquivar”, mas com o engenhoso jogo político manipulador.

Padilha, que já se confessou um admirador de Costa-Gravas, faz cinema político. É o que o motiva a filmar. Nesse novo filme da franquia Tropa de Elite aponta o dedo para mais de um nó da trama da corrupção e da bandidagem institucional, desta vez toda ela mostrada dentro dos quadros políticos e de segurança do Estado. E nesse sentido é um filme contundente, agudo, claro. Não dá margem a dúvidas quanto à sua intenção de denúncia, de crítica a um sistema todo amparado pelo dinheiro sujo e ética nula. Convence plenamente nisso.

Por outro lado tem suas falhas num dimensionamento raso de certas questões. Na falta de aprofundamento. Na ausência de um melhor encadeamento de idéias e da própria trama. O roteiro peca no entrelaçamento e ramificações, na tentativa de relacionar as muitas causas e efeitos do jogo político-corrupto (pleonasmo?), o que afeta o cadenciamento, dando ao filme um ritmo às vezes fragmentado, que atrapalha nas vinculações a serem feitas. Mas isso não chega a comprometer.

Tropa 2 também tem parte de seu apelo calcado nos mesmo elementos que fizeram o primeiro filme um sucesso de público e de polêmica. As ações enérgicas do Coronel Nascimento, a determinação no olhar fiel e impávido de Mathias, a força das ações táticas. Nesse ponto Tropa de Elite 2 se aproxima de um cinema de qualidade internacional, tanto no quesito direção de ação, como na exuberante sonorização, nos efeitos, na câmera nervosa. Padilha mostra nessas seqüências uma capacidade imensa de criar uma tensão e uma dinâmica de tirar o fôlego.

O filme também não se furta a um bom apelo popular, capaz de levar a platéia aos gritos de satisfação, numa cena em que Nascimento espanca determinado personagem. Particularmente acho perigoso essa exaltação da violência física como forma de execução de uma presumida justiça e do efeito que isso causa no público, sempre sedento pela desforra à margem do estado de direito. Mas depois de toda um engedramento canalha e da construção de um desprezo que só a classe política brasileira pode causar nas pessoas de bem, fica difícil não sentir certo prazer na cena. Coisas do humano e sofrido caráter nosso de cada dia, mais real verdadeiro, sincero e – porque não? - legítimo que tudo.

Mais uma vez temos Wagner Moura impressionante na construção de seu personagem. Diferente do primeiro filme, Nascimento agora tem outra feição. Trás no rosto o cansaço da guerra, mas preserva a determinação em seguir lutando, em tentar vencê-la. O preço que paga é alto. Vale destacar ainda André Mattos, na pele de um comunicador popular manipulador da opinião da audiência, como tantos outros no Brasil. Seu escrachado personagem é a perfeita representação de um tipo de jornalismo canhestro, populista e pautado pelo interesse da “máquina” midiática e política. Sua interpretação é catártica no último.

No final, Tropa de Elite 2 acaba por ser um filme muito bom, cujos defeitos não ofuscam suas qualidades. Vale a virtude de suas intenções, como denúncia e como tentativa de mostrar a cascata do crime, que brota no poder público – eleito pelo povo, como bem ressalta um político em seu discurso – e deságua na miséria e na violência que assola o cidadão de bem.

Há no filme um evidente amadurecimento em relação ao primeiro, tanto nos temas abordados como na construção dos personagens. É um filme que tem força, vibrante, intenso. Funciona muito bem dentro de seus propósitos e serve muito ao esclarecimento de certa trama suja que enlameia todo um sistema que deveria funcionar em nosso benefício, mas só age em benefício próprio sem sequer piscar na hora do assassínio de qualquer um que se interponha em seus interesses. Seu desfecho, seu plano de sobrevôo final é o arremate finalizador de toda metáfora do filme. Como já disse no início, é contundente, a ponto de seu efeito sobre o público respingar também na campanha presidencial no segundo turno. Só isso já mostra a força desse filme. Se não é perfeito como cinema, é sem dúvida exuberante como exposição da mazela suprema de nossa suprema democracia.

1 comentários:

Lucimeire Costa disse...

Adorei ler sua crítica.
Parabéns pelo privilégio de assistir na pré-estreia!

 

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