quarta-feira, novembro 24, 2010

Um Homem Bom

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Good
Vicente Amorin
Alemanha/Inglaterra, 2008
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Depois da trilogia O Senhor do Anéis, filme que tornou o ator Viggo Mortensen conhecido para o grande público, só o reencontrei em Senhores do Crime, seu penúltimo filme, onde interpreta um segurança de um mafioso russo.

Ambos são papéis de homem durão, líder nato ou quebra-caras. Há inclusive uma seqüência em Senhores do Crime em que ele se entrega a uma visceral luta corpo a corpo num banho turco.

Por isso, não foi sem surpresa que em Um Homem Bom assisti à sua interpretação de um homem tímido, retraído e cordato, que nos anos 30 e 40 vai se deixando envolver pelo partido nazista na Alemanha de Hitler.

Um Homem Bom é o primeiro filme em inglês dirigido pelo brasileiro Vicente Amorim. Uma produção entre Inglaterra e Alemanha que conta a transformação de um homem dentro do mecanismo nazista.

Viggo interpreta John Halder, um professor universitário dedicado aos livros e à família. Halder é um homem gentil, que de tão educado chega a ser submisso. Vive com a esposa e os filhos e se dedica inteiramente ao lar e à vida acadêmica. Seu melhor amigo é um psicanalista judeu, Maurice (Jason Isaacs), para quem costuma revelar suas mais íntimas preocupações. São amigos de serviço militar e lutaram juntos pela Alemanha na Primeira Guerra.

Halder tem em Maurice mais que um amigo, mas um confidente. Isso se torna claro quando uma aluna de Halder passa a cortejá-lo e ele se vê tentado a ter uma aventura extra-conjugal incentivada por seu amigo.

As coisas começam e se complicar quando Halder é intimado a comparecer a um órgão do governo nazista para dar explicações sobre um livro seu, publicado anos atrás. O que parecia ser uma ameaça se torna, contudo, uma estranha proposta, que Halder, mais por medo que por afinidade, aceita. É a partir daí que ele se vê cada vez mais embaraçado nas tramas do partido nazista. Quanto mais o tempo avança, e a guerra se avizinha, mais “O Professor”, como é ser chamado dentro da SS, vai galgando, quase sempre de forma involuntária, degraus dentro da estrutura do poder nazista.


Naturalmente nada disso passa ao largo de sua amizade com um judeu. O gradativo cerceamento dos direitos dos judeus vai corroer, de forma sinuosa, a amizade entre Halder e Maurice. O que antes, para um humanista como Halder, parecia inaceitável, aos poucos se torna, através de sua passividade, justificável; o que parecia ser uma distante ameaça, torna-se aos pouco uma realidade concreta.

Claro que Halder vivencia a clássica tragédia do homem seduzido; seduzido pelo poder, seduzido pela mulher mais jovem e bonita e esquecido de seus princípios humanistas. Mas o protagonista de Um Homem Bom é muito mais uma vítima de si mesmo do que simplesmente um homem corrompido. E é esse detalhe que o torna tão interessante como personagem e como catarse de um tempo. Pois sendo vítima de si mesmo não se pode eximi-lo de qualquer culpa. Culpa esta agravada pelo seu próprio histórico.

Sua passividade diante dos fatos e sua personalidade fraca poderiam ser atenuantes (frágeis) para sua inércia, mas um olhar mais atento verá nuances sutis em seu comportamento, revelando o quanto ele de fato mudou. Não tanto por aceitar a ideologia nazista, mas por não renegá-la mais em certo momento. É sua passividade sua maior culpa, mas até nisso pode-se ver o peso de sua ingenuidade. E é por essa ingenuidade que ele demora em ver o quanto Maurice tem razão e o quanto sua relutância em ajudá-lo a fugir será seu maior pecado.

Viggo Mortensen se mostra um ator capaz, que imprime a seu personagem uma fragilidade que nunca o abandona, mesmo quando o poder se torna sua sedição particular. É essa fragilidade que dá ao personagem uma humanidade forte, que o coloca dentro da realidade da fraqueza e do embaraço que o poder e a ideologia podem fazer a um homem bom. Uma bondade que nunca o abandona, mas que também o impede de ver o mal dentro de um sistema que o absorve involuntariamente. O que Viggo consegue emprestar a seu personagem é o quanto involuntariamente, ou nem tanto, a sedução ocorre. Uma dúvida que permeia a corrupção de seus princípios, que ele, ingenuamente, não vê de imediato o quanto estão sendo esfarelados.

A direção de Amorim é competente. Lançando mão de flashbacks consegue mostrar como a estrutura do poder vai envolvendo um pacato professor dentro de uma estrutura tentacular ameaçadora. Toda a produção foi filmada em Busdapeste, numa impecável reconstituição de época. E Budapeste se torna uma convincente Berlim, pois segundo o diretor Vicente Amorim “Budapeste se parece mais com Berlim do que Berlim se parece consigo mesma”.


Um Homem Bom é um filme que revela a fragilidade das convicções humanas e a cegueira que ideologias podem causar. É um excelente trabalho de Amorim em sua estréia internacional e uma mostra da competência de Mortensen como ator.

É também uma bela peça sobre a condição humana dentro de mecanismos atrozes e inescapáveis, pondo em xeque até que ponto se pode resistir à deturpação de princípios e à cegueira do óbvio quando se está absorvido pela monstruosidade. Não se presta à qualquer isenção de culpa ou atenuação de responsabilidade, mas retira o maniqueísmo simplista de questões como o bem e o mal, tornando-as humanas como são humanas todas as coisas dos homens.

E seu desfecho não poderia ser mais contundente e poético, quando se dá a completa perda da ilusão e da inocência, quando se vislumbra o horror definitivo a que uma ideologia torpe e sua aceitação irrestrita podem levar.
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