quinta-feira, novembro 25, 2010

Bastardos Inglórios

--
Inglorious Bastards
Quentin Tarantino
EUA, 2009
--

Nenhum outro diretor em atividade consegue resgatar um gênero, ou subgênero, dito menor e transformá-lo em algo de elevada qualidade como Quentin Tarantino. Com uma formação cinefílica eclética, seu gênio inquieto e uma mão incrível para a construção de diálogos memoráveis, Tarantino é mestre na utilização de uma coisa chamada referência, que em seus filmes ganha um contorno e um amálgama que resultam sempre em uma experiência única, repleta de tempos e entretempos e sensações sobrepostas. Tudo na medida certa.

Em Bastardos Inglórios o diretor resgata e embaralha dois gêneros improváveis: filme de guerra e western spaghetti. Filmes de guerra todos sabem o que é. Porém, os mais jovens talvez não se lembrem do que aqui no Brasil ficou conhecido como “Bang Bang à Italiana”. Era como se chamava de uma sessão de filmes exibidos semanalmente pela TV Record, composta quase que exclusivamente de westerns spaghetti. Eram os tradicionais filmes de velho oeste, mas realizados por diretores italianos e filmados invariavelmente na Espanha, como se fosse no oeste americano. Isso ocorria por ser mais barato, pois eram filmes de orçamento restrito que tentavam nos anos 60/70 obter algum sucesso na esteira do gênero americano que já entrava em declínio.

Muitos desses filmes se tornaram clássicos para toda uma geração, graças a produções marcantes como Django, Por um Punhado de Dólares, Era Uma Vez no Oeste. É dessa geração de filmes que Tarantino extrai o supra-sumo de sua nova produção e mistura com o gênero de filmes sobre a Segunda Guerra.

Com essa improvável receita, Bastardos Inglórios se constrói repleto de referências, que vão desde a trilha sonora até enquadramentos específicos. Na trilha sonora estão várias composições de Enio Morricone, talvez o maior compositor de trilhas para westerns spaghetti, sendo o responsável pela trilha do grande clássico desse gênero: Era Uma Vez no Oeste (C'era una volta il West), de Sergio Leone (1968), que em inglês ficou “Once Upon a Time in the West”. Não à toa Bastardos inicia-se com a frase Once Upon a Time In Nazi-Ocuppied France.

As referências não param e vão temperando o filme com homenagens que fazem a alegria de todo cinéfilo. Como a repetição do famoso enquadramento final de Rastros de Ódio (The Searchers), de John Ford (1956), passando por uma cena de tensão baseada no clássico ensinamento de Hitchcock para a construção do suspense, na famosa entrevista ao crítico e cineasta François Truffaut; isso sem deixar de citar o próprio Truffaut e o cinema da Nouvelle Vague. 

Bastardos Inglórios é antes de tudo uma ode ao cinema. E faz isso sem ser pedante ou restrito aos “iniciados”.

Mas o que poderia se tornar apenas um amontoado de citações e referências – e provavelmente o seria nas mãos de qualquer outro diretor – acaba por transformar toda essa devoção ao cinema em uma trama emocionante, com diálogos repletos de malícia, com atuações memoráveis e a apresentação de tipos que só o cinema de Tarantino pode proporcionar.

O filme conta a história de um esquadrão conhecido como “Os Bastardos”. São soldados americanos judeus infiltrados na França ocupada e cujo único objetivo é matar o maior número de nazistas que conseguirem. Eles são liderados pelo tenente Aldo Raine, um sulista cujo sotaque, na interpretação preciosa de Brad Pitt, é algo impagável. Paralelo a isso há a história de Shoshana, uma jovem que sobrevive ao massacre de sua família e tem, anos depois, a chance de obter sua vingança.

O próprio tema da vingança, alicerce de Bastardos Inglórios, é também comum aos velhos filmes sobre o Velho Oeste. Neles, os personagens buscam essa vingança acima de tudo e para isso não medem esforços, nem crueldade. É o que Tarantino nos apresenta em cenas de violência intensa, com requintes de frieza e sadismo.

Tarantino é único. Consegue unir fórmulas tão díspares e lhes dar unidade e personalidade, elevando ao nível de qualidade do bom cinema o que em outros filmes e diretores é apenas pastiche, clichê e muleta. Com Bastardos Inglórios se afirma como gênio, como grande diretor, capaz de reescrever o cinema não como uma nostalgia barata, mas como uma arte que se reinventa e se renova nas mãos desse artista de visões e talentos tão múltiplos quanto as referências que permeiam sua obra. Bastardos Inglórios é cinema, de uma forma que só Tarantino é capaz de criar.
--

0 comentários:

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger