terça-feira, janeiro 04, 2011

O Sétimo Selo



Det Sjunde Inseglet
Ingmar Bergman 
Suécia, 1956

Em “O Sétimo Selo”, Bergman aponta seu foco existencial para a questão da morte e da fé cristã. Através de uma jornada de retorno para casa, seu protagonista se confronta com a morte de duas maneiras: pela devastação de sua terra natal e pela chegada da própria morte em pessoa. E será esta confrontação que o levará a se debater com sua fé.

Em um filme repleto de simbolismo, característica fundamental do cinema de Bergman, a própria viagem de retorno, cercada de obstáculos, desafios e desolações, remete ao mito de Ulisses. Mas Bergman problematiza o mito do herói que regressa, fazendo-o questionar suas crenças. Isso transforma seu retorno não em uma retomada da continuidade, mas no prenúncio do fim.

Na história, Antonius Block (Max Von Sydow) é um cavaleiro que retorna das cruzadas, depois de anos lutando por Deus e pela fé cristã longe de casa. Logo ao chegar é abordado pela Morte, que veio lhe dizer que seu tempo acabara e que viera buscá-lo. Ardiloso, Block convida a Morte para uma partida de xadrez, mesmo sabendo que ela nunca perde. Assim, consegue ganhar algum tempo e adiar sua ida para o outro lado.

É enquanto a partida se desenrola, com interrupções indefinidas - pois a Morte andava ocupada naqueles tempos –, que Block segue seu caminho rumo ao lar. E é nessa caminhada, entre um lance e outro de xadrez, que ele constata a devastação pela qual passa sua terra, afligida pela peste negra.

Surgem então as questões que passarão a atormentar o personagem, que num paradoxo com sua fé (pela qual lutou e dedicou sua vida numa guerra pela cruz sagrada do cristianismo) passa a questionar Deus. Assim, mais do que a volta para casa, Block procura por respostas às suas indagações.

Quer saber, por exemplo, onde está Deus. E também onde está o diabo, pois "o diabo deve conhecer Deus como ninguém". Em busca dessas respostas, o herói bergmaniano de “O Sétimo Selo” enfrenta-se com todas as coisas e a tudo questiona. E o faz sempre sob a ótica de uma fé que outrora fora inabalável e que de repente se tornara o combustível de sua inquietação.

O filme é recheado de símbolos e metáforas que formam um quadro crítico e irônico. Com a peste negra se espalhando rapidamente e dizimando a população, o desespero toma conta de todos e a sensação é de abandono total. Com a desolação em todo canto, instaura-se a certeza de que o juízo final se aproxima. Em meio à loucura surgem figuras bizarras, que diante do horror reagem com o absurdo e o irracional em busca da redenção de seus pecados.

A única certeza coletiva é de que se aproxima o dia do Juízo Final, que o sétimo selo em breve será aberto e os anjos receberão suas trombetas. Bergman trabalha esse clima de fim do mundo de forma intensa. Constrói um universo aflitivo e angustiante de total desesperança. Um mundo onde a crença distorcida, a superstição e o terror consomem vorazmente qualquer possibilidade humana.

Em uma ironia crítica, Bergman nos apresenta também a figura de Jöns (Gunnar Björnstrand), escudeiro de Antonius. Há entre ambos uma relação de amizade, mas também de um certo desdém por parte de Jöns com a fé de seu patrão. 

Enquanto Block vive no espírito a intangível e incurável angustia de sua fé, que se afirma mais nítida no seu questionamento de Deus - "A fé é uma aflição dolorosa. É como amar alguém que está sempre no escuro e nunca vem quando chamamos." -, Jöns é um incrédulo que vê apenas o vazio em todas as coisas e por isso mesmo não sofre, nem se aflige.

E assim seguem esses personagens do apocalipse, tementes ou não ao juízo final e à Morte, cada um carregando sua sina à partir da compreensão que têm dos desígnios de Deus, do destino ou do acaso.

E no final, quando todos estiverem diante da Morte, que terão a chance final de sanarem seus questionamentos sobre os desígnios divinos. No entanto, a resposta que receberão será tão terrível quanto suas dúvidas.
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1 comentários:

Maxwell Soares disse...

Excelente comentário, Rogério de Moraes. Sou fã de Bergman. Este, sim, é um Clássico. As analogias e paradoxos que regem o filme são belíssimas. Estou preparando uma Sessão Bergman em meu blogger. Tê-lo em meu espaço será um prazer. Passarei, aqui, outras vezes mais para ver seu rico acervo. Seguindo...

 

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