domingo, dezembro 12, 2010

A Batalha de Argel


La Battaglia di Algeri
Gillo Pontecorvo
Itália/Argélia, 1965

O filme A Batalha de Argel, do italiano Gillo Pontecorvo, vencedor do Festival de Veneza de 1966, só veio a ser exibido aqui no Brasil nos anos 80. Esse atraso se deve à imposição da ditadura militar que governava o país em proibir sua exibição em território nacional. Isto não ocorreu apenas aqui. A Batalha de Argel ficou censurado em vários países por muitos anos.

Pontecorvo é um dos grandes nomes do cinema político italiano. Filmes de sua autoria como A Batalha de Argel, Queimada e Kapô, suscitaram longos debates em publicações de renome, como a Cahiers Du Cinema e a Positif, na França. Por isso, não é de se estranhar a proibição de filmes seus em países que eram governados por ditaduras.

A Batalha de Argel narra o processo pela independência da Argélia, que foi uma colônia francesa até 1962. Um processo que se inicia com a articulação de um grupo revolucionário contra o regime francês, a FLN (Frente de Libertação Nacional), movimento insurrecto nascido em meio ao povo árabe do bairro argelino de Casbah.

A trama é conduzida, de um lado, pelo personagem Ali La Pointe (Brahim Haggiag), um delinquente de rua que passa a integrar a revolução. Sua trajetória explicitará o processo de conscientização da massa e sua importância para a conquista de transformações políticas. Ali La Pointe passará de uma passividade ignorante para uma ação consciente de dedicação à causa revolucionária e será essa conscientização que, a despeito das conseqüências, dará a La Pointe uma clara noção de seu lugar e de sua importância como elemento social.

Mas o que A Batalha de Argel nos revela é muito mais do que o processo – e a guerra – pela independência da Argélia. Com margens nebulosas entre o ficcional e o documental, o filme revela os métodos de guerrilha tanto da FLN como do exército francês.

Enquanto a FLN se utilizava do terrorismo bárbaro, com atentados ao bairro europeu que mataram dezenas de inocentes; o exército francês utilizava a tortura de presos como recurso legitimado pelo que se entendia como a vontade do povo francês. Ao menos é o que dá como resposta um personagem do filme, alto comandante do exército francês, ao ser questionado sobre o uso da tortura.

O problema é o seguinte: A FLN nos quer fora da Argélia e nós queremos ficar. (...) Quando FLN começou a rebelião não havia divergência. Todos os jornais, mesmo os comunistas, queriam sufocar a rebelião. (...) Somos soldados. Nosso dever é vencer. Assim, para ser direto, eu lhes pergunto agora: A França deve permanecer na Argélia? Se a resposta for afirmativa, devem aceitar todas as conseqüências”.

As imagens que se seguem a esta declaração são exemplos da desumanidade e torpeza do recurso da tortura como instrumento de guerra.

O filme também ilustra, com acuidade documental, como se organiza uma facção terrorista e quais os mecanismos que, historicamente, levam uma organização rebelde de atos isolados de terror até a conquista simpatia, adesão e conseqüente mobilização popular. Por outro lado, também mostra como a ações violentas e de desrespeito aos direitos humanos por parte do poder instituído, pode ser eficaz na desarticulação do terror.

Não por acaso o filme foi usado como material de estudo pelo Pentágono e fez parte de um manual de combate ao terrorismo.

Pontecorvo não lança mão de maniqueísmos na condução de sua narrativa. Embora as imagens sejam subjetivamente favoráveis à causa argelina, a construção do filme não poupa nenhum dos lados por suas atrocidades. O grande mérito desse trabalho é o de confrontar o expectador com a realidade e fazê-lo questionar seu próprio discernimento sobre os fatos mostrados.

Dois momentos no filme ilustram bem esse conflito, pois exibem a desumanidade e a insanidade que tomam as pessoas quando se julgam arautos de uma causa legítima, ou quando simplesmente se vêem dominadas pelo medo e pelo ódio irracional. De um lado quando dois homens atiram aleatoriamente nas pessoas que estão na rua; de outro lado. no espancamento gratuito de uma criança que vende doces.

Por todas estas nuances, A Batalha de Argel é um filme legítimo no retrato de um acontecimento histórico por trás do qual o humano e o desumano se confrontam e se aliam por caminhos próprios de ideais políticos. Não mascara a intrínseca sujeira que se esconde por trás da legitimidade, seja ela moral, ideária ou constitucional. Tampouco emite juízo, no máximo simpatia, não sem condenar igualmente o absurdo. É crítico, ácido e fiel á realidade. Um cinema a serviço da constatação e da reflexão. Onde dois lados podem ter absoluta razão, e razão nenhuma.
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