domingo, novembro 14, 2010

A Janela

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La Ventana
Carlos Sorin
Argentina, 2008
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Em A Janela, o argentino Carlos Sorin solidifica o tempo numa ampulheta sem urgência. Logo nos primeiros planos temos a tônica do que será o filme, um lento gotejar do tempo e uma melancólica despedida da vida.

A janela do quarto de Antonio está entreaberta, deixando passar uma luz tímida. Com o tiquetaquear dos relógios temos a impressão de que não é a luz que entra, mas o tempo que sai pela abertura. Antonio apenas contempla, quieto, esse tempo quase sólido que se escoa. Impotente quanto ao destino, sabe que é seu o tempo que está partindo.

Antonio é um homem doente, alquebrado. Escritor que passa seus dias na cama, no casarão de sua fazenda. Espera a chagada do filho com quem não fala há anos, e ao despertar no dia dessa tão esperada visita recorda-se de um sonho raro que teve.

Com este detalhe, o diretor não disfarça sua referência a Morangos Silvestres, um dos maiores clássicos de Ingmar Bergman. Entretanto, não se entrega a qualquer mimetismo barato do mestre sueco. Entre A Janela e Morangos Silvestres as semelhanças são tênues e o filme de Sorin caminha com suas próprias pernas.

A Janela é um filme minimalista. Não há ação e a espera é preenchida pela rotina de remédios, das enfermeiras, da visita do médico e a expectativa da chegada do filho. Mas há outros elementos substanciais presentes na narrativa, como o afinador de piano, cuja presença nos possibilita um olhar de fora e que enche a casa com as notas musicais que formam uma trilha insistente e inconstante. E há a epifania da liberdade experimentada numa travessurar fuga ao campo.

Uma epifania que se revela o oposto do quarto, onde o tempo é sólido, arenoso e a janela o gargalo de uma ampulheta emblemática e limitadora. Do lado de fora, sob o imenso céu e o horizonte a perder de vista o tempo não mais existe. Deixa de ser uma medida de fração da vida para se tornar apenas o imenso, sem códigos fracionários, sem ruídos que não o do vento e sem a percepção do finito. Ao não existir o tempo, também não há como existir a morte e tudo parece amplo, simplesmente amplo.

Mas é o arremate do tempo, dentro do minimalismo desse dia de Antonio, o que faz de A Janela um filme singular. Não por acaso são evocados pelo personagem dois clássicos da literatura latino-americana: A Invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares e História Universal da Infâmia, de Jorge Luis Borges. Enquanto o primeiro explora no fantástico a perpetuação da imagem e dos homens, o segundo cataloga a realidade da vilania dos mesmos. Para Antonio, a perpetuação talvez esteja no encontro como o filho; a vilania, talvez, no passado. Não se sabe. E não há porque saber.

O filme não explora ou busca respostas, nem mesmo dá os indícios de quaisquer perguntas. Preocupa-se mais em desvelar a cru e sem grandes gestos o fim do tempo de Antonio e sua percepção desse fim. Através da janela, por onde o tempo escoa ininterrupto, se vê o imenso azul celeste e verde do campo, depois o crepúsculo de tons impressionantes, por fim a noite.

Não há discursos, desespero, despedidas ou gestos sentimentais. No final, até mesmo os sentimentos são minimalistas. Restando somente a recordação de um sonho antigo e o desfecho inevitável da vida.

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