quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Drive


Drive é um filme que nos adere em sua textura, feita de uma mistura que equilibra certa intensidade serena com uma irreversível força de violência. A composição dessa textura se monta através da trilha sonora que cadencia a ação, dos diálogos rarefeitos que pontuam o silêncio, das cenas de perseguição que retesam ainda mais o fio narrativo – desde sempre tenso; da violência brutal que explode na tela com a força daquilo que se rompe de repente.


Revestindo e conectando estas camadas está uma fotografia crepuscular, ensaio de atmosfera noir, mas sem os óbvios contrastes de sombras. E também uma montagem afinada, que conduz a narrativa em crescente tensão. O resultado é uma mistura indefinida entre o filme de ação – visceral e franco, como foi em seu tempo Operação França (1971) – e algo mais sutil, um tipo de beleza imperfeita, sedutora e magnética, mas de claro prenúncio trágico.

Ryan Gosling é o protagonista sem nome, conhecido apenas como Motorista. Trabalha em uma oficina mecânica, atua como piloto dublê em filmes de ação e à noite oferece seus serviços como piloto de fuga para assaltantes. Calado e distante, tem sua frieza quebrada quando conhece Irene (Carey Mulligan), sua vizinha de apartamento. Ela trabalha como garçonete e tem um filho de 6 anos, cujo pai está cumprindo pena na prisão.

A sequência de abertura de Drive é matadora. É o prólogo que apresenta esse Motorista em seu trabalho noturno. Uma fuga brilhante, recheada de suspense e tensão, conduzida com uma frieza implacável.


A omissão do nome do personagem de Gosling o insere na mítica do forasteiro errante, como o Shane, de Os Brutos Também Amam (1953). Poucas palavras, um palito na boca, um carisma esquivo. É o sujeito solitário, sem origem e sem destino, que se descobre, de repente, pronto para a redenção.

Esta redenção nasce da afeição que o personagem passa a nutrir por Irene e seu filho. Ela surge como uma promessa não anunciada, súbita. É na composição familiar, quando os três formam a família possível para cada um, que emerge o sonho da redenção do herói sem nome. Mas uma redenção de pecados ainda não conhecidos, que serão presumidos apenas pelo que vem depois, pelo que ele vir a fazer, não pelo que já tenha feito.

Há nisso uma inversão. A redenção buscada antes que se conheça o pecado. Um mal ou fardo insuspeito no rosto quieto, afável e misterioso desse Motorista. A revelação se inicia na cena em que um antigo “cliente” de assalto puxa papo em um bar, e na violência latente da resposta ameaçadora do Motorista. Termina na cena do elevador, quando a porta se fecha depois da ação e o que ela separa naquele momento é o herói de sua redenção. A partir dali não há mais volta, a descida ao inferno começou.

Uma vez desencadeada a violência, ela não cessa até o último homem. É motivada pela vingança, pela sobrevivência, pelo desejo de proteger algo que já não se pode alcançar. Nos gestos, na violência e no silêncio, este Motorista se amplifica; do unidimensional aparente, se desdobra em possibilidades. É complexo, mas não inventa essa complexidade, apenas sugere.

Dirigido pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn, Drive reúne elementos diversos: de atmosfera, temática e ação. Consegue dar unidade a esses elementos e intensidade a seu personagem. O resultado é de uma textura indefinida, um filme diferente, raro em sua composição e marcante em sua fluidez. Não entrega nada novo, mas remonta gêneros com assinatura própria e o faz de forma consistente e indelével.
--

Drive
Nicolas Winding Refn
EUA, 2011
100 min.

Assista ao trailer

0 comentários:

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger