quarta-feira, junho 29, 2011

A Casa



La Casa Muda
Gustavo Hernández
Uruguai, 2010
86 min.

O corte e a montagem, duas partes fundamentais da linguagem do cinema, formam uma estrutura que aprendemos a ver com naturalidade. Pensados, contudo, do ponto de vista do olhar humano, são absolutamente estranhos. Nada menos natural que um corte. Não vemos de forma editada. Nosso olhar é sempre um plano sequência, desde a hora que acordamos até o momento que dormimos. Por isso um filme, todo ele em plano sequência, como “A Casa”, que estreou na última sexta (24), é sempre uma experiência interessante. Especialmente por ser um filme de terror.

Naturalmente, trata-se de um artifício. Como foi artifício um dos filmes mais citados quando se fala de plano sequência. “Festim Diabólico” (...), de Alfred Hitchcock, emulava um filme sem cortes. Apenas emulava. Os cortes estavam elegantemente disfarçados em aproximações de paredes, passagem de personagens diante da câmera e outros efeitos sutis. Um artifício que buscava intensificar a experiência cinematográfica através de uma continuidade do olhar.

Em “A Casa”, a intenção é a mesma. No lugar do suspense do mestre Hitchcock, o terror de uma situação com tons sobrenaturais. Laura e seu pai são contratados por um amigo da família para recuperar o entorno de uma casa isolada numa propriedade distante. A casa está em péssimo estado de conservação e sem luz elétrica. Para o trabalho, pai e filha terão de passar a noite no local. Incomodada por estranhos ruídos em outros cômodos, Laura acorda seu pai, que vai investigar. Mas ele não regressa. A partir de então, coisas estranhas começam a acontecer e Laura se vê presa num pesadelo que piora à medida que cada cômodo da casa vai se revelando para ela.

A experiência desse terror sem cortes é bastante eficaz no início. A construção do medo, embora apoiada em alguns recursos desgastados do gênero (ruídos estranhos, a possível presença de outra pessoa na casa, situações que remetem a crianças mortas) funciona bem. Parte desse êxito está no modo como a câmera, mesmo não assumindo a posição de primeira pessoa, nos passa a perspectiva de Laura. Aqui, a câmera age como um olhar compartilhado. Sabemos tanto quanto Laura do que se passa naquela casa e os sustos e a tensão criada passa dela para o expectador com bastante eficácia.

No entanto, a partir de certo ponto do filme, quase de forma involuntário, surge um distanciamento dessa simbiose entre o olhar da câmera e o de Laura. Isso acontece quando rompe-se a cumplicidade que temos com a personagem e é desencadeada pelo seu comportamento estranho. Quando ela passa a se preocupar mais em ver do que fugir, cria-se um distanciamento pela inverossimilhança. A empatia necessária para embarcar no terror é desfeita quando o personagem age de forma contrária ao que se espera de alguém numa situação de estranhos e aterradores acontecimentos.

No final da história, quando tudo se revelar, o comportamento de Laura será explicado, ou, pelo menos, justificado. Mas aí o estrago já estará feito. O que o diretor Gustavo Hernández não percebeu é que o roteiro, em sua necessidade de amarrar os acontecimentos e explicá-los, acabou por prejudicar a continuidade da situação de medo e tensão. A mudança no comportamento de Laura, ainda que sutil, cria no espectador uma interrogação que quebra a linha do medo. Quando isso acontece, o plano sequência, que vinha funcionando muito bem, perde seu efeito e o filme se torna comum.

Apesar desses equívocos, “A Casa” merece ser visitada pelo público. Mesmo que não alcance todo o potencial de terror que poderia, ainda assim é um filme bastante bom no quesito medo. A experiência de confinamento, claustrofobia e aflição diante do inexplicável é intensa. Ainda que o desfecho possa não agradar alguns, o virtuosismo técnico e o risco de se fazer um filme sem cortes valem a experiência de se sentir o resultado final.
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domingo, junho 26, 2011

Mostras e Pecados



Em seu blog, o Inácio Araújo elogiou o catálogo da Mostra Hitchcock. No final, faz uma observação, não uma crítica.

É nesses termos que falo de pecados do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo. É um pecado que mostras como a de Hitchcock, em exibição, e John Ford, ano passado, sejam exibidas em uma sala de apenas 70 lugares. É pecado que, por conta disso, os ingressos para todas as sessões do dia se esgotem poucas horas após o início da venda. É pecado que catálogos como o da mostra John Ford se esgotem tão cedo. É pecado que para conseguir o catálogo da mostra Hitchcock seja preciso juntar dez ingressos (quem, economica e sexualmente ativo, tem tempo de ver dez sessões num curto espaço de tempo a ponto de conseguir seu catálogo antes que ele esgote, consumido por aqueles que não precisam pagar contas - ou as têm pagas pelo governo?).

É pecado, acima de tudo, que uma instituição tenha uma excelência incontestável na qualidade de sua programação e na acessibilidade do preço cobrado para usufruí-la, e que, paradoxalmente, por questões quase borgianas, restrinja o acesso de forma quase inexorável.

Como disse o Inácio, não é uma crítica. Apenas uma observação.
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quinta-feira, junho 23, 2011

Potiche - Esposa Troféu



 Potiche
François Ozon
França, 2010
103 min.

“Potiche”, que estreia nessa sexta (24), é o que se pode chamar de uma comédia crítica. Através de uma ironia sutil e do inesgotável charme de Catherine Deneuve, o filme mostra a ascensão de sua protagonista de mero “ornamento” do lar para uma líder carismática.

Deneuve interpreta Suzanne Pujol, uma esposa exemplar a serviço de seu marido, Robert Pujol (Fabrice Luchini). Suzanne ocupa seu dia com exercícios matinais, cuidados com a casa e com pequenos poemas que escreve sebre as coisas triviais. Seu marido cuida da empresa da família, fundada pelo pai de Suzanne. Uma fábrica de guarda-chuvas que ele comanda com dura mão capitalista.

A história se passa em 1977 e Suzanne representa a típica conformação de uma esposa que tolera as grosserias do marido, bem como sua indiferença e seus casos extraconjugais. Com dois filhos já crescidos, ela não parece ambicionar qualquer coisa e não se incomoda com sua função meramente ornamental. A sequência que abre o filme, na qual Suzanne pratica cooper de agasalho e cabelos enrolados não é apenas rica em ironia, é também sintomática de uma época e do pensamento de uma época.

As coisas começam a mudar quando uma greve paralisa a fábrica da família. Irredutível, Robert se recusa a atender às revindicações dos funcionários ou a ouvir a opinião de seus filhos e esposa. Para resolver o conflito, Suzanne toma uma atitude e pede ajuda ao Maurice Babin (Gérard Depardieu), um deputado trabalhista, desafeto de seu marido, com quem ela teve um caso na juventude.

Diante do impasse dos trabalhadores, da intervenção do deputado e de denúncias de sonegação, Robert sofre um princípio de enfarte, tendo de ser afastado da direção da empresa. Com os filhos se negando a assumirem os negócios, restará a Suzanne, diante do riso debochado de todos, assumir o comando.

Dirigido pelo profícuo François Ozon, o filme se mostra competente no desenvolvimento cômico das situações, com um bom timing para fazer rir. Consegue ser engraçado ao mesmo tempo que desenvolve com sutileza uma bem arquitetada parábola sobre a emancipação da mulher. Suzanne, de quem todos duvidaram, ascende cada vez mais como uma negociadora justa e firme, além de competente administradora. Isso graças à sua desenvoltura, delicadeza e humanidade.

O filme trabalha esse “despertar” de Suzanne, que se descobre capaz de administrar uma grande empresa e gerenciar conflitos sem perder sua sensibilidade. Para emancipar-se, ela não precisa se transformar, nem usar de cinismos. A cena que melhor simboliza isso é quando ela se veste para uma reunião com uma comissão de operários em greve. Ao vestir-se de forma elegante, inclusive usando joias, para falar com a classe trabalhadora, ela mantém sua autenticidade. Age de forma ousada dentro de uma ingenuidade na qual se preserva sua franqueza e seu caráter.

A narrativa reserva boas surpresas e momentos divertidos. Catherine Deneuve e Gérard Depardieu dançando em uma discoteca é algo que não se vê todo dia no cinema. Ozon, muito antenado, aproveita o histórico dos dois atores, que já trabalharam juntos em outros filmes, para construir um caso no passado de seus personagens. Desse modo, o diretor não apenas homenageia dois símbolos do cinema francês, mas se aproveita do imaginário que eles construíram como par romântico. Com astúcia, viabiliza seus personagens lançando mão desse imaginário pronto, se apoiando no carisma e na química entre Depardieu e Deneuve.

O resultado é uma ótima comédia temperada com crítica social. Se, num primeiro momento, o tema do filme pode parecer datado, ou o objeto de sua abordagem um assunto superado, basta um olhar mais atento na realidade e a observação em perspectiva do filme com o presente para se perceber que nem tanto. Talvez um filme ambientado em 1977 seja mais atual do que se imagine.
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segunda-feira, junho 20, 2011

"Cinema da Boca" trás obra de Fauzi Mansur

Projeto da prefeitura na Galeria Olido resgata filmes da Boca do Lixo.



O homenageado do mês no projeto “Cinema da Boca” é o diretor Fauzi Mansur. De 21 a 30 desse mês a Galeria Olido exibirá 15 filmes do diretor, alguns assinados pelo pseudônimo Waldir A. Kopezky, que o diretor usou em alguns filmes.

O projeto “Cinema da Boca” faz um resgate do que ficou conhecido como “Boca do Lixo”. Uma região no centro de São Paulo onde se aglutinavam pessoas ligadas a cinema e que produziam filmes independentes e transgressores, entre os anos 70 e 80.

Conhecido pelas pornochanchadas em filmes como “Mulheres Eróticas” e “Orgia das Taras”, os filmes de Mansur se caracterizam pela crítica social evidenciada através do erotismo. Na época, o diretor já transitava por gêneros como drama, comédia e policial.

Um de seus filmes mais emblemático é “A Noite do Desejo (Data Marcada para o Sexo)”, de 1973. O filme original teve mais de um terço de suas cenas censurado. Para não perder todo o trabalho, Fauzi teve que filmar novas cenas para cobrir as lacunas que as parte censuradas deixaram e dar ao filme um mínimo de coerência.

O resultado é considerado sua obra-prima e foi montado pelo hoje crítico de cinema da Folha de São Paulo, Inácio Araújo.
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Serviço:
Cinema da Boca: Fauzi Mansur
Galeria Olido. Av. São João, 473. Centro. 
Tel. 3331-8399 e 3397-0171.
De 21 a 30/06. +18 anos. R$ 1
Para a programação completa, clique aqui.

domingo, junho 19, 2011

Breviário da Semana Nº 04

Um breve semanário.



Estreia

Lobo
Wood Allen, profícuo, chega com Meia Noite em Paris aos cinemas de São Paulo. Uma história sem amarras na realidade que busca o passado para que nos satisfaçamos com o presente e façamos dele, ao menos em nossas vidas, algo melhor. Owen Wilson, de quem nunca gostei muito, me surpreendeu. E a tão falada participação da primeira dama da França, Carla Bruni, me passou despercebida, de tanto que eu estava envolvido na história. Vale muito a pena ver. A crítica completa do Eu, Cinema está aqui.


Em Cartaz

Dos filmes já em cartaz, não vi nada esta semana.


Mostras, Retrospectivas ou DVD

O Homem Errado
Na rapa de tacho do Festival Varilux de Cinema Francês, vi Lobo. Grande potencial épico desperdiçado pela ansiedade de fazê-lo grandioso e intimista ao mesmo tempo. A história de Serguei um jovem membro de uma das tribos nômades que criam renas nas montanhas da Sibéria Oriental. Em conflito com os lobos que atacam seus rebanhos, o rito de passagem para a vida adulta consiste em cuidar do rebanho durante um ano, matando qualquer lobo que apareça. Mas Serguei acaba por criar laços com um punhado de filhotes de loba e passa a ocultá-los dos demais membros da tribo. A montagem se alterna entre um tom grandioso, com amplas paisagens e trilha sonora imponente, e a proximidade de Serguei com os lobos. Não embala em ritmo algum e enfraquece o drama. Cansativo.

Em casa revi Um Corpo que Cai, de esquenta para a Mostra Alfred Hitchcock. Não há muito o que acrescentar ao tanto que já se disse sobre o filme que por muitos é considerado a obra-prima de Hitchcock. Mas em retrospecto liguei o clima do filme com obras que certamente foram influenciadas por ele e só agora faço a conexão. Uma delas são alguns episódios da série televisiva que lançou Bruce Willis ao estrelado, exibida no Brasil como A Gata e o Rato. Será que viajo? Mas certamente não viajo comparando com Dublê de Corpo, de Brian de Palma, que na verdade mistura o voyeurismo de Janela Indiscreta com a fobia e o mistério pincelado de tons sobrenaturais.

Já na Mostra Mundo Árabe de Cinema, vi Mascarados. Uma deliciosa, engraçada e também terna comédia. Girando em torno de desencontros entre um pai de família atrapalhado que quer casar a irmã caçula ainda solteira, seu desejo de uma vida melhor e a descoberta de um romance que desconhecia, o filme tem um ritmo excelente e atuações ótimas. Recomendo muito.

Mascarados
Adentrando a Mostra Hitchcock, vi O Homem Errado, com Henry Fonda. Uma história que tem sua força, lógico, na construção da aflição de ser acusado por um crime não cometido, mas que tem sua maior intensidade na atuação de Fonda. Seu olhar, suas expressões, seu silêncio passivo diante do absurdo são os pilares do filme. Foi só o começo dessa mostra que promete muita coisa boa ainda.
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Meia Noite em Paris




Midnight in Paris
Wood Allen
Espanha/EUA, 2011
100 min.

Ao iniciar o filme com uma sucessão de imagens deslumbrantes de Paris, Wood Allen reforça o mito da cidade cuja beleza ofusca qualquer olhar. “Meia Noite em Paris”, que estreou nesta sexta (18), parte dessa magia da cidade para criar uma fantasia que atravessa o tempo e explora a idealização que temos do passado. Será com essa viagem no tempo que Allen conduzirá seu protagonista de um estado apático entre a insegurança e o sonho para a descoberta de sua própria voz.

Gil Pender (Owen Wilson) é um roteirista de Hollywood insatisfeito com seu trabalho. Seu desejo é ser escritor e está determinado a finalizar seu romance e deixar os roteiros de filmes para trás. Ele está passando alguns dias em Paris com a noiva Inez (Rachel McAdams). Ela, filha de um rico empresário, não vê com bons olhos a mudança que Pender quer fazer na carreira, se arriscando na literatura quando os roteiros de cinema poderiam ser mais rentáveis. Ela é pragmática, ele sonhador.

O que demarca com clareza essa oposição de personalidades é o modo como cada um enxerga Paris. Enquanto que para Inez a cidade é apenas um bom lugar para passear e fazer compras, para Gil é muito mais. Gil enxerga Paris como algo mágico, cheio de uma poesia gotejante em cada detalhe, nos cafés, nas esquinas, nas ruas e becos. Para ele, Paris é mais que uma simples cidade, é toda uma atmosfera que guarda segredos, beleza e inspiração por todos os lados.

O desafino entre os noivos aumenta quando surge o casal Paul e Carol, amigos de Inez. Paul está na cidade como convidado da Universidade de Sorbonne, onde ele realizará uma palestra. Gil não tolera o ar pedante de Paul, sempre exibindo sua erudição. Já sua noiva Inez se mostra uma admiradora fascinada pela ampla cultura de Paul.

Uma noite, recusando mais um convite para sair com o casal, Gil decide caminhar por Paris à noite. Ao se perder, acaba por ser levado a uma festa que remete à Paris dos anos 20. Ao conhecer as pessoas da festa e ser levado a outros lugares de uma Paris mágica perdida no tempo, irá conhecer figuras de um imaginário fascinante. Será a partir dessa convivência que terá a chance de descobrir não apenas a si mesmo, mas de enxergar sua vida com uma nova e reveladora perspectiva.

A conexão entre fantasia e realidade representa o universo da vida de Gil Pender. Atrelado a uma relação com alguém que o quer prender no mundo real de limitações práticas cotidianas e sem imaginação, ele tem sua força criativa limitada pela insegurança. Para se libertar, terá que encontrar sua própria voz e para isso irá buscar referências em grandes nomes das artes que o antecederam e que são suas referências. Mas isso ocorrerá com uma proximidade com a qual ele jamais sonhara.

A fantasia que Wood Allen constrói a partir das improváveis peripécias de seu protagonista por uma Paris mítica, revela não apenas uma deferência aos grandes artistas que coabitaram a cidade no início do século. Mas evidencia também a idealização do passado que afeta tantos de nós, credores de um saudosismo daquilo que sequer vivenciamos e que por isso mesmo cremos ser melhor que o presente. Nesse sentido, vivemos a permanente insatisfação do tempo, achando sempre que o antes era melhor que hoje.

Para desconstruir o equívoco, Allen se aprofunda na sua fantasia e revela personagens sintomáticos desse eterno mal; o de olhar saudoso para o passado e fazer-se cego para o presente. Cego a ponto de não enxergar o óbvio. A jornada fantástica de Pender o fará encontrar sua voz e seu verdadeiro equilíbrio, mas será na realidade que essa descoberta deve atuar e ser preponderante.

“Meia Noite em Paris” consegue ser belo, tocante e divertido. Não alcança os clássicos de Allen, mas se sustenta também como uma busca. Wood Allen já encontrou sua voz há muito tempo. Talvez esteja agora buscando reencontra-la em outra modulação. Enquanto busca, não alcança o mesmo nível que obras suas passadas, mas contribui imensamente para que a experiência do cinema possa ainda ser algo de sublime e delicado, como nenhum outro diretor consegue ser.
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quarta-feira, junho 15, 2011

Mostra de Cinema Árabe começa em São Paulo

Em sua sexta edição, Mostra Mundo Árabe de Cinema trás filmes de nove países.


Começa amanhã (16) e vai até o dia 29, em São Paulo, a 6ª Mostra Mundo Árabe de Cinema. Serão apresentados quinze filmes de nove países diferentes. Realizado pelo ICArabe (Instituto da Cultura Árabe) em parceria com a Secretaria Municipal da Cultura e o SESC-SP (Serviço Social do Comércio), a mostra serve como instrumento de divulgação da cultura árabe.

Com atenção especial para filmes da nova geração de cineastas, serão exibidas produções vindas da Egito, Argélia, Iraque, Jordânia, Emirados Árabes, Líbano, Marrocos, Palestina e Tunísia. Além dos filmes, o público poderá conhecer a conversar com a diretora Raja Amari e a produtora Lina Chaabane Menzli, que vêm para a mostra apresentar o filme “Segredos Enterrados”. Elas participarão de um bate-papo após a exibição do filme, dia 29, na Cinemateca.

Como parte do evento, haverá também a exposição de fotografias intitulada “Expressões da Revolução”. A exposição busca formar um painel reflexivo sobre o processo de mudanças políticas que vêm ocorrendo no Oriente Médio. Estará aberta à visitação até o dia 25 de junho, no Matilha Cultural, de terça a sábado, das 12h às 20h.

Com temáticas não apenas históricas, mas também cotidianas, a 6ª Mostra Mundo Árabe de Cinema oferece uma oportunidade de se conhecer a realidade e o cotidiano da vida nesses países. O resultado é um enriquecimento da visão do que vem a ser diversidade cultural, algo tão falado, mas muitas vezes pouco compreendido.

As sessões ocorrem no CineSESC, no Centro Cultural São Paulo, na Cinemateca Brasileira e no Matilha Cultural.

Mais informações acesse: http://mundoarabe2011.icarabe.org
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domingo, junho 12, 2011

Breviário da Semana Nº 03

Um semanário muito breve.




Estreia

Como é final de semana do dia dos namorados, um título como Namorados para Sempre, certamente parece ser a pedida ideal. Talvez não seja. A crítica completa do filme está aqui. Mas adianto que o filme, embora seja um dos melhores que vi recentemente, não é um mar de rosas. Alternando passado e presente, ele mostra o desgaste de um casamento contraposto com o início do namoro. Enquanto o tempo presente sustenta uma permanente tensão entre o casal, as cenas do passado são iluminadas, cheias de uma beleza apaixonante. Mas o desfecho do filme pode não agradar a namoradinhos que querem apenas um filme de amor para o dia dos namorados.

Uma Doce Mentira
Resgate mais que necessário e valioso da história do cinema brasileiro, Belair é um documentário que conta a história da produtora criada por Júlio Bressane e Rogério Sganzerla nos anos 70. A Belair durou apenas quatro meses, nos quais produziu nada menos que sete longas-metragens. O filme resgata essa história e esses filmes. É cheio de humor, contestação e montado de forma a dialogar com a linguagem anárquica, performática e provocadora dos filmes da Belair.

Clicando aqui, você pode ler a entrevista que Bruno Safadi, um dos diretores do filme, concedeu ao Eu, Cinema. A crítica completa do filme você pode ler aqui.


Em Cartaz

Dos filmes já em cartaz, não vi nada esta semana.


Mostras, Retrospectivas ou DVD

Em casa, revi Alien – O Oitavo Passageiro, de Ridley Scott, lançado em 1979. Queria descobrir se ele ainda mantinha sua força tanto tempo depois. E a resposta é sim. O filme constrói o suspense e a tensão gradativamente, sabe distender o tempo e passar uma sensação de claustrofobia vivida pelos personagens. Naturalmente, os efeitos especiais envelheceram mal. Mas a atmosfera continua intensa.

Elisabeth, com Kate Blanchet, de 1998 é outro que revi em casa. Gosto as atuação de Kate, que passa de fragilizada a implacável e acho bastante forte sua fala final, quando diz que se casou com a Inglaterra. Os takes filmados do alto, como o olhar de Deus sobre as tramas palacianas de conspiração e a diminuição dessas iminências do poder pelo ponto de vista divino, me agradam também. Não é nenhuma obra prima, mas tem boas intenções.

Um Gato em Paris
Dentro do Festival Varilux de Cinema Francês (leia sobre o festival aqui), vi quatro filmes. Xeque-Mate, com Sandrine Bonnaire, homenageada pelo festival com uma retrospectiva de filmes nos quais atuou, mostra uma mulher simples que trabalha como camareira em um hotel. Casada e com uma filha adolescente, leva uma vida humilde, de apertos financeiros e rotina monótona. Um dia, ao ver um casal de hóspedes jogando xadrez, fica fascinada e decide aprender. O jogo ganha uma importância cada vez maior em sua vida, causando problemas familiares. Esse é um filme que esconde suas intenções nas entrelinhas e se revela no plano final. É sobre superação, mas também sobre sair da zona de conforto e se arriscar, acreditar em si.

Já a comédia Uma Doce Mentira, com Audrey Tautou é umas das melhores que vi nos últimos anos. Em um tempo no qual as comédias ficam cada vez mais marcadas pela mesmice e pela falta de graça, Uma Doce Mentira é mais que surpresa é uma lição de gênero. Ri-se muito durante o filme, que tem um timing perfeito, um roteiro quase impecável e uma atuação minimalista de Audrey Tautou que é encantadora e divertida. Deve entrar em cartaz em alguns meses, mas ainda pode ser visto no festival. 
Namorados para Sempre

A animação Um Gato em Paris, tem um traço elegante e uma história divertida. Junta um gato de vida dupla, um ladrão de joias, uma órfã de pai, uma mãe delegada e um gangster cercado de capangas não muito inteligentes. Combinação que entretêm, diverte e flui com bastante competência.

Já o suspense adolescente Simon Werner Desapareceu é bem fraquinho. Em um colégio no interior da França, o desaparecimento de um aluno é contado de pontos de vista diferentes. Ambientado nos anos 80 o filme não tem ritmo, nem carisma e não consegue prender a atenção ou criar suspense. Deu sono.
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sábado, junho 11, 2011

Belair



Belair
Bruno Safadi e Noa Bressane
Brasil, 2010
70 min.

Para um país sem memória como o Brasil, que quase não dá importância e valor para sua história e para a história de seu cinema, um filme como “Belair” - que entrou em cartaz na última sexta (10) - é um respiro de alívio e esperança em meio à tragédia do nosso esquecimento.

Belair é o nome da produtora que os cineastas Rogério Sganzerla e Júlio Bressane criaram em 1970. Ela durou apenas quatro meses e nesse curto período os dois diretores realizaram sete filmes de longa metragem. A iniciativa só não frutificou mais porque os néscios que governavam o país, sob ditadura, não viram aqueles filmes com bons olhos. Pressionados, Bressane e Sganzerla saem do país. Seus filmes nunca são lançados.

Os dois diretores são referência naquilo que à época se chamou de cinema marginal. Expoentes desse cinema, os filmes “O Bandido da Luz Vermelha”, de Sganzerla, e “O Anjo Nasceu”, de Bressane, agitaram as rodas de debates cinematográficos e também políticos da época. Com uma estética que não disfarçava a precariedade das produções e ao mesmo tempo compunha a linguagem anárquica da montagem, o tom provocativo das imagens, tendo o deboche e a performance como substância da reflexão, esses filmes incomodavam muita gente. Mas, acima de tudo, estavam a frente de seu tempo.

Com os filmes da Belair não foi diferente. Correndo o risco de caírem no esquecimento e com um desses filmes (Carnaval na Lama) irremediavelmente perdido por deterioração, essa história e esses filmes são finalmente resgatados pelos diretores Bruno Safadi e Noa Bressane.

Mais do que simplesmente contar a história, o documentário “Belair” dialoga com os filmes realizados pela produtora. Essa foi a intenção dos diretores, que desde o início do projeto descartaram fazer um documentário no padrão entrevista filmada, imagem de arquivo, narração em off, entrevista filmada de novo. O caminho que encontraram foi, através das imagens dos próprios filmes da Belair e através de uma montagem que revivesse em parte a linguagem desses filmes, contar essa história e também fazer conhecer esses filmes.

Num caso raro, que transcende a metalinguagem, objeto e objetivação se confundem, se mesclam e se complementam. E, mais importante que tudo, se fazem entender.

“Belair”, o documentário, por si só já seria de suma importância pelo que contribui para a preservação da memória do nosso cinema (e isso vai além do filme pronto, se refletindo no despertar de algumas “entidades” da nossa sociedade para a restauração desses filmes). Consegue, no entanto, ir além e se torna em uma obra não apenas boa (necessária) de se conhecer, mas, especialmente, prazerosa de se ver. Tem humor, tem crítica, tem deboche, tem marginalidade. Tem, sobretudo, alma. Matriz essencial do cinema de Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e de tantos outros que, mesmo estando à margem, insistem em provocar e contribuir.
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sexta-feira, junho 10, 2011

Entrevista: Bruno Safadi

Lançando seu segundo longa, diretor fala sobre a memória do cinema nacional, Rogério Sganzerla e seu ousado projeto: Operação Sônia Silk.

Bruno Safadi: diretor se queixa da má preservação da memória do cinema nacional
No amplo galpão da Cinemateca Brasileira, em uma noite fria do mês de junho, as mesas do café que funciona ali estão quase todas vazias. Exceto uma delas, em que se senta, solitário, o diretor Bruno Safadi. No silêncio do lugar, onde por 40 anos funcionou um matadouro municipal (de 1887 a 1927), a postura de Safadi (pernas juntas, tronco inclinado para frente, braços cruzados diante do corpo) é a típica postura de quem busca se aquecer. À sua frente, pousado na mesa, um pequeno copo com uma bebida de cor âmbar e aroma penetrante.

“É para espantar o frio”, diz ele sorrindo, se referindo à cachaça que o aguarda no copo. Simpático, convida-me a acompanhá-lo. Daí em diante o frio não demora a passar, graças também à boa conversa sobre cinema, memória nacional e projetos de filmes independentes.

Na próxima sexta-feria (10), entra em cartaz o documentário Belair, dirigido por Bruno em parceria com Noa Bressane. O filme resgata a história da produtora de mesmo nome, criada em 1970 por Rogério Sganzerla e Julio Bressane. Esta produtora, que nunca existiu no papel, realizou sete filmes em apenas quatro meses e teve sua duração abreviada pela ditadura.

Os filmes da Belair nunca chegaram a entrar em cartaz e corriam o risco de caírem no esquecimento. Até que em 2000, Bruno e o amigo Leonardo Duarte decidiram recuperar esses filmes e organizar uma mostra para exibi-los. Vendo que também a história por trás desses filmes merecia ser contada, Bruno se juntou a Noa Bressane para fazê-lo. Nasce desse esforço o documentário Belair.

Noa e Bruno não estão ligados a esses filmes e à sua história por acaso. Ela é filha de Júlio Bressane e Bruno começou sua carreira como assistente do diretor. Este é o segundo longa metragem dele, que em 2002 realizou o Meu Nome é Dindi, que tinha no papel principal a atriz Djin Sganzerla, filha do mítico Rogério Sganzerla, morto em 2004. 

Nesta entrevista, Bruno fala sobre o difícil trabalho de realizar o documentário, do descaso com que se trata a memória do cinema nacional e de como foi conhecer pessoalmente Rogério Sganzerla. E fala também de seu próximo projeto, no qual pretende realizar três longas em apenas um mês.

Eu, Cinema: Com apenas 19 anos você foi trabalhar como assistente em um filme do Júlio Bressane, um dos mais sérios diretores do cinema brasileiro. Como vocês se conheceram?

Bruno Safadi: No começo do ano 2000 eu e o Leonardo [Duarte] estávamos começando a organizar a mostra Belair. Eu fiquei responsável por falar com o Rogério [Sganzerla] e ele com o Júlio [Bressane]. Eu não conhecia o Júlio ainda, mas o Leonardo já tinha sido assistente dele. No meio do ano, o Júlio foi fazer o Dias de Nietzsche em Turim e chamou o Leonardo para ser diretor de produção do filme. Como eu já tinha feito um filme com o Leonardo e ele tinha ficado muito agradecido, me convidou para trabalhar também na produção do filme. Chegando lá, o Júlio se aproximou e falou comigo sobre a mostra que eu estava organizando com o Leonardo, falou que achava bacana e foi super receptivo com a ideia. Depois das filmagens, a gente foi ver o copião – naquele tempo ainda se usava copião – e o Júlio me convidou para ser assistente dele na montagem. Foi aí que eu virei assistente dele.
O Júlio Bressane está entre os mais respeitados diretores brasileiros, seus filmes fazem parte de diferentes fases da história do nosso cinema. Como foi trabalhar com um diretor tão experiente e importante sendo você tão jovem?

Foi uma experiência incrível. Mas é engraçado pensar nisso agora, porque quando você vive uma época, vive uma idade, você nunca tem essa dimensão, você apenas vive o presente. Naquela época eu achava que já era um adulto, que já estava fazendo as coisas. O Júlio é uma pessoa muito generosa, mas tem uma carga de erudição muito grande e por isso muita gente tem dificuldade de se aproximar dele. Eu lembro que na primeira reunião de produção do Dias de Nietzsche em Turim, quando eu tinha acabado de conhecer o Júlio, no final da reunião eu perguntei: “Júlio, como é que você pensa em fazer a luz do filme?”. Era uma pergunta completamente descabida para a minha posição, que, por inexperiência, soltei ali na hora. Mas como o Júlio é um diretor muito artístico, que não está ligado nessas coisas de mercado, de hierarquia, nessas coisas de “quem é você pra me perguntar o quê?”, ele gostou da pergunta. E respondeu e começou a falar de como seria a luz no filme. Naquela época, por coincidência, o autor que eu mais lia era justamente o Nietzsche. Tinha lido vários livros dele, muito precocemente, talvez nem preparado para ler aquilo. Mas achava que podia ler e lia. Então eu conseguia conversar sobre o Nietzsche com o Júlio e também sobre a Belair, que pra ele foi a grande coisa que ele fez no cinema. Então todo dia, no final da produção, ficávamos conversando. Ele contando histórias da Belair, histórias do Nietzsche e eu adorando aquilo. Eu estava no paraíso. Estava fazendo um filme com Júlio Bressane, ganhando um salário e ouvindo ele me contar histórias da Belair e do Nietzsche.

Depois dessa primeira experiência, como seguiu sua careira no cinema?

Naquele primeiro momento o Júlio já me dava muita força para eu ser diretor. Ele me deu muito impulso pra começar a fazer curtas metragens. Os curtas saíram, foram dando certo, sendo selecionados para festivais importantes aqui e lá fora. Mas eu fiz também uma longa carreira como assistente de direção, que foi o que bancou meus curtas. Fiz quatro filmes como assistente do Júlio, depois trabalhei como assistente do Nelson Pereira dos Santos, fui assistente do Ivan Cardoso. E ia fazendo curtas, até fazer meu primeiro longa, Meu Nome é Dindi (2007). Que é um orgulho pra mim, porque foi um longa totalmente independente. Foi filmado em uma semana, mas com muito rigor. O Lula Carvalho fotografou, a Djin [Sganzerla], que é filha do Rogério e da Ignês [Helena Ignês, viúva de Rogério Sganzerla e atriz de muitos de seus filmes] foi a protagonista.

Como foi sua convivência com o Rogério Sganzerla?
Conheci Rogério em 2000, quando fiquei encarregado de falar com ele para a mostra Belair, enquanto o Leonardo falava com o Júlio Bressane. O Rogério foi maravilhoso, ficou muito entusiasmado. Era diferente do Júlio, que gostava da ideia, colaborava com as informações, mas sem se envolver, sem sair de casa. O Rogério era diferente, ele ia toda sexta-feira comigo na cinemateca do MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo). Desde o primeiro dia que eu telefonei ele se entusiasmou com a mostra e começou a ir comigo atrás dos filmes. A gente passou cerca de dez meses fazendo isso. Claro que com intervalos, mas quase toda sexta-feira a gente ia lá. E achamos os filmes, foi incrível. Assim, acabei conhecendo e convivendo um tempo com o Rogério.

Você também chegou a trabalhar com o Rogério na montagem de uma peça. Conta um pouco dessa experiência.

Eu trabalhei rapidamente na montagem de Savannah Bay, que o Rogério dirigiu. É um texto da Marguerite Duras e a peça era protagonizada pela Helena Ignês e a Djin Sganzerla. Foi na montagem do Rio que eu tive a oportunidade de trabalhar, de ajudá-los ali. Eu nunca tinha visto o Rogério dirigindo e ali eu tive essa experiência. Foi algo muito forte vê-lo trabalhando. Ele era um diretor de palavras muito precisas e isso me impressionou bastante. A escolha das palavras, a direção que ele dava, era de uma precisão que eu nunca tinha visto. E ao mesmo tempo um gênio. Duro, radical. Muito diferente do Júlio, com quem eu estava acostumado e que é um doce, um gentleman, tudo com ele é com muito carinho, muita educação, fala baixo e tal. E o Rogério era como um raio, era uma explosão, mas de uma precisão realmente espantosa. Mas essa experiência foi no teatro, não foi no cinema. Não tive a oportunidade de fazer um filme com ele, infelizmente.

Na pesquisa para a mostra Belair, como foi esse processo de encontrar os filmes?

Teve momentos lindos e teve momentos muito tristes. A gente contou com a ajuda do Hernani Heffner, que é conservador da Cinemateca do MAM até hoje. O Hernani foi uma pessoa muito importante para o processo. Ele era o cara que realmente metia a mão ali, que ia atrás dos filmes. Um momento triste foi quando a gente descobriu a perda do filme Carnaval na Lama. Quando abrimos a lata, o negativo tinha virado uma gelatina, a prata tinha se soltado. Foi muito triste. Por outro lado, encontramos uma cópia de Copacaban Mon Amour, um filme que estava meio perdido e a cópia estava em bom estado. Se não me engano, é a única cópia que tem dele até hoje.

Quando você e a Noa Bressane resolvem fazer o documentário “Belair”, o material que você já tinha pesquisado para a mostra deve ter ajudado muito, obviamente. Mas, além disso, vocês precisaram levantar muito mais material?

Sim, tivemos que achar muito mais coisa. A mostra foi feita com apenas quatro filmes da Belair, que foi o que a gente achou naquele momento. Foram os filmes Copacabana Mon Amour, Sem Essa, Aranha, A Família do Barulho e Barão Olavo. Passaram-se cinco anos, eu fui fazendo outras coisas. Quando a gente resolveu fazer o filme, com um prêmio que a gente ganhou da Petrobrás para realizar, foi aí que a gente teve que se debruçar pra fazer as coisas. Porque uma coisa é fazer uma mostra, ir lá e exibir os filmes, outra é fazer um filme sobre a história da Belair. Claro que a gente sabia desde o princípio que os filmes é que seriam os protagonistas do nosso filme. Mas quando a gente se aproximou dessa pesquisa da história da Belair a gente viu que não tinha nada.

Então foi quase como começar do zero?

Quase. Tínhamos os filmes, mas precisávamos de mais coisas para contar a história. A gente tinha o Júlio muito próximo, mas precisava mais, até mesmo para a gente. Eu tinha ouvido as histórias durante anos, através do Júlio, mas não dava para fazer um filme só com a voz do Júlio, sem ouvir outras pessoas. Então fomos à cinemateca do MAM, ao arquivo nacional, fomos ao MIS (Museu da Imagem e do Som) e a diversos órgãos de memória e preservação e vimos que não tinha nada sobre a Belair. Nada. Não havia nada. Apenas algumas matérias de jornal, mas que terminavam em 1969 e só voltavam em 1990. O Rogério até escrevia alguns artigos nos jornais, no final dos anos 70, mas também não era sobre a Belair. Sobre a Belair mesmo não tinha nada. Então criamos uma pesquisa. Entrevistamos 40 pessoas, gente que tinha envolvimento direto e indireto com a produtora. Geramos um material enorme de entrevistas. Mas essas entrevistas não tem nenhuma no filme, elas serviram como base para a gente. Foram fundamentais, mas não entraram no filme.

Por que não entraram?

Existia um medo grande nosso. Havia ali uma responsabilidade muito grande. Não se podia fazer um filme sobre a Belair que fosse jornalístico, de entrevistas, careta. Nós tínhamos que fazer um filme que conversasse com a linguagem dos filmes da Belair e esse foi nosso grande desafio.

Foi difícil encontrar o caminho dessa linguagem na hora de montar?

Nós passamos um ano montando. E esse tempo foi fundamental para o filme. Nos primeiros quatro meses a gente só viu as imagens, não montamos nada, só ficamos olhando. Olhando e separando. Então fizemos uma pausa. A Noa foi ter filho e eu fui lançar o Meu Nome é Dindi. Depois, quando voltamos, montamos rápido. Foram quatro meses de montagem, direto.

Depois de todo esse processo, tanto na organização da mostra, quanto na pesquisa de material para o filme, como você vê a preservação da memória do cinema brasileiro?

Muito mal. O que se faz com a memória do cinema nacional é um crime. Até há algumas iniciativas, com patrocínio da Petrobrás, com a Unesco, mas não sei se ainda continua. A verdade é que não há memória do cinema no Brasil. O que se perde de filmes é absurdo. A própria obra do Rogério é um exemplo de descaso. Foi enviado por cinco anos consecutivos o pedido de restauração para a Petrobrás e foi negado todas as vezes. Agora imagina, um dos três maiores diretores do cinema brasileiro! O Copacabana, Mon Amour, a gente levou para um laboratório para escanear os negativos e os negativos estavam totalmente apodrecidos, do primeiro ao último fotograma. Tiramos fotos do estado da película e mandamos para a Sinai [Sinai Sganzerla, primeira filha de Rogério Sganzerla com Helena Ignês]. Ela novamente mandou pedido de restauro para a Petrobrás e mandou as fotos junto. Acho que as fotos foram fundamentais, porque aí eles aceitaram fazer restauro desse filme.

Em São Paulo, Belair entra em cartaz dia 10, certo?

Sim, no Reserva Cultural. Eles pediram exclusividade na exibição do filme, pra poder manter mais tempo. É bom, acho que vão tratar o filme com carinho.

Para você, que conviveu com dois ícones do que ficou conhecido como cinema marginal, olhando agora para a atual configuração do nosso cinema, quem hoje é marginal no cinema brasileiro?

A ideia de marginal mudou muito nesses 40 anos. A ideia de se classificar como marginal, naquela época, foi para marginalizar mesmo. Foi uma nomenclatura muito pejorativa. Imagina, vivendo a ditadura mais feroz, você chamar um artista de marginal. Era pra ficar fora de tudo, para não ter acesso ao dinheiro, foi uma coisa muito negativa. Mas o termo marginal, nesses 40 anos, virou até uma coisa boa e hoje a margem cresceu tanto que virou centro. Hoje é o centro que está indo atrás da margem.

Seu próximo filme vai se chamar Éden e fala sobre os evangélicos. Como está esse projeto?

Está complicado. Você sabe como é difícil fazer cinema aqui no Brasil, no sentido de fazer um filme um pouco mais “oficial”. Para o Éden, eu ganhei um prêmio da Petrobrás pra fazer, de seiscentos mil. E eu preciso de mais quatrocentos mil pra filmar. Faz um ano que estou tentado conseguir esses quatrocentos e até agora não consegui. Mas estou aí, querendo filmar esse ano ainda. Estou tentando conseguir verba de distribuidor, verba de editais. Mas, por incrível que pareça, ainda há uma desconfiança muito grande com esse tipo de filme mais artístico. Principalmente nesse meio do cinema mais “oficial”. Ninguém acredita. Hoje a mentalidade desses agentes de mercado é só dinheiro. Acabou esse negócio de cinema autoral, de acreditar nisso. E o Éden é um filme que vai falar de igreja evangélica, o que poderia trazer público. Mas tem um projeto para fazer antes, esse sim mais radical.

Que projeto é esse?

Chama-se Operação Sônia Silk. Como você sabe, Sônia Silk é o nome da personagem protagonista de Copacabana Mon Amour. Inspirados pelos filmes da Belair, nós vamos fazer três longas em um mês. Eu, o Felipe Bragança e o Ricardo Pretti. É um projeto, assim, pra fazer com nada. Nosso orçamento está cada vez menor. Ontem eu estava com o Ricardo e a gente está pensando em fazer com 40 mil, os três filmes. Pensamos assim: a gente vende pro Canal Brasil por 10 mil cada filme, faz um rateio, cada um coloca mais 3 mil do bolso e faz. Vai ser um filme de cada um, a gente já tem uns roteirinhos. Mas estou achando que vamos ter que enxugar ainda mais, talvez fazer com 30 mil. É muito pouco, mas eu acho que quando você tem pouco dinheiro acaba sendo mais criativo. E a gente tem que radicalizar de alguma forma, porque senão fica essa média que está aí, inexpressiva.
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