segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Entrevista: José Eduardo Belmonte – Parte 1

Em dezembro de 2010, fiz uma entrevista exclusiva com o diretor José Eduardo Belmonte para o Eu, Cinema. Na época, estava prestes a ser lançado seu filme Billi Pig, estrelado por Selton Mello, Grazi Massafera e Milton Gonçalves. Para entrevistá-lo, visitei o set de filmagens de O Gorila, filme que estava rodando, baseado no conto homônimo de Sérgio Sant’Anna. No elenco, Otávio Muller, Mariana Ximenes, Alessandra Negrini e Luíza Mariani. A seguir, o relato desta entrevista, dividido em duas partes.
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Em uma rua do bairro Santa Cecília, região central de São Paulo, algumas pessoas conversam em frente a um pequeno salão. É fim de tarde de uma segunda-feira de calor intenso que em breve dará lugar a uma noite abafada de dezembro. Quem chega cumprimenta os demais com um "bom dia". Claramente fora de hora, a saudação se explica nos olhos sonolentos de quem acaba de acordar, muitas vezes disfarçados por trás de óculos de sol. Como os da atriz Luíza Mariani. Ela, como toda a equipe técnica, passara a última madrugada gravando. Agora, se preparavam para mais uma jornada noite adentro no set de filmagem comandado pelo diretor José Eduardo Belmonte.

Enquanto a noite e o diretor não chegam, o pessoal da equipe técnica aproveita para fumar na calçada. Em um canto dentro do modesto salão, uma mesa com salgados, frios, sucos, pães e frutas serve de bufê improvisado. No restante do espaço, apenas algumas cadeiras de plástico. O set, na verdade, fica a uma quadra dali, em um prédio residencial de três andares. O filme que estão fazendo chama-se O Gorila, uma adaptação de um conto homônimo do escritor Sérgio Sant’Anna. "É o zoológico do Belmonte", brinca alguém, referindo-se também a seu filme anterior, Billi Pig, que traz um porquinho rosa de computação gráfica como personagem.

O diretor chega de táxi. Corpulento, barba bem aparada que já caminha para tons grisalhos e óculos de armação quadrada. Veste um casaco que não combina com o calor abafado. De aparente bom humor, aperto de mão forte e caloroso, mostra-se bem-disposto, como se o trabalho intenso das últimas noites tivesse efeito revigorante, em vez de exaustivo. Mal chega e já está passando instruções à equipe sobre as marcações de câmera e de atores para a cena que iriam gravar. Só então se permite um sanduíche e um copo de suco. Simplicidade muito diferente do glamour com que sonha Marivalda, personagem de Grazi Massafera em seu filme anterior.

Belmonte filma O Gorila enquanto Billi Pig não fica pronto para ser lançado. "Como tinha muito efeito de pós-produção, atrasou um pouco. Era para estar saindo agora, mas acabou ficando para março", explica. No filme, Marivalda é uma desajeitada aspirante a atriz que sonha com uma vida glamourosa de estrela de cinema. Seu marido, Wanderley, interpretado por Selton Mello, é um corretor de seguros pé-de-chinelo e gaiato que não sabe o que fazer para dar à esposa a vida de luxo com a qual ela tanto sonha. Até que aparece um falso padre milagreiro (Milton Gonçalves), que Wanderley vai usar para aplicar um golpe em um desequilibrado e perigoso traficante da região.

É com essa fórmula, homenagem declarada às chanchadas, que o diretor faz sua estreia no gênero da comédia, tão distante de seus trabalhos anteriores em longa-metragem. "Faz tempo que eu queria fazer uma comédia mais popular depois de fazer tanto filme dramático", afirma.

Natural da capital do país, o diretor formou-se no curso de cinema da Universidade Federal de Brasília (UnB). O marco inicial de sua carreira surge em 1994, quando dirige o clipe de uma banda ainda desconhecida no cenário do rock nacional: Raimundos. O clipe da música Nega Jurema, primeiro hit da banda, fez grande sucesso na MTV e deu a Belmonte a chance de começar a dirigir comerciais. Com o dinheiro ganho, produziu seus primeiros curtas-metragens. Em 2004, estreia na direção de longas com Subterrâneos. Seguem-se A Concepção (2005), Meu Mundo em Perigo (2007) e Se Nada Mais der Certo (2008). Todos filmes marcados por personagens solitários, desajustados com o mundo e que vivenciam intensamente conflitos existenciais.

Perguntado sobre o porquê da mudança radical de gênero ao fazer Billi Pig, Belmonte diz não ver tanta diferença assim. "Entre tragédia e comédia o que muda é só a polaridade”, observa. “O trágico é mais trágico quando se narra em primeira pessoa, na terceira pessoa é mais fácil virar comédia". Ele dá como exemplo o momento em que surgiu a ideia do roteiro de Billi Pig. "Eu estava no Festival de Cinema do Rio e meu filme anterior ainda estava cheio de dívidas, com um monte de problemas pendentes. Estava em uma situação meio dramática. Só que enquanto eu pensava nisso, percebi que estava sentado à beira da piscina de um hotel no Rio de Janeiro. Era algo meio tragicômico, achei aquilo engraçado e comecei a pensar na situação e a esboçar o roteiro."

Aos poucos, as pessoas que estão no salão começam a se encaminhar para o apartamento onde está montado o set de filmagem. O diretor concorda em deixar que eu acompanhe o início da gravação. Caminhamos até o local. Na entrada do edifício, me apresenta para algumas pessoas da equipe. São três lances de escadas. O prédio é antigo, comum na região central paulistana. Quatro apartamentos em cada andar. Para as filmagens, a equipe tem de contar com a colaboração e compreensão dos vizinhos. Qualquer ruído mais alto pode atrapalhar a captação do som ou interferir na concentração dos atores. Além disso, os moradores ainda têm de aturar o barulho da movimentação da equipe durante toda a madrugada.

O ator Otávio Muller chega. Cumprimenta a todos discretamente e se dirige para a maquiagem. A preparação e montagem do equipamento ainda vai demorar algum tempo. Enquanto espera, senta-se ao lado de Belmonte em um sofá. Conversam em voz baixa. No lado de fora, alguns moradores do andar começam a chegar do trabalho. Para entrarem em seus apartamentos, precisam desviar de caixas, cabos e tripés, pedir passagem para as pessoas que transitam de um lado para outro preocupadas com os detalhes da preparação.

A primeira cena a ser gravada será entre Otávio Muller e Luíza Mariani. Quando tudo está pronto, a tensão toma conta da atmosfera. Todos falam baixo. Os atores são conduzidos em silêncio para suas posições, concentrados. Será uma cena dramática, de despedida, e o clima daquilo que será gravado parece contaminar toda a equipe. Quando os atores estão finalmente posicionados e o diretor preparado, tudo pronto. Vai começar a filmagem.

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