domingo, novembro 28, 2010

Negação


Não sou cinéfilo. Gosto de filmes e só. Escrevo sobre eles, ocasionalmente. Não sou crítico de cinema. Nego este rótulo com o desprezo pelo rótulo que existe apenas para ser rótulo. Na mesma medida admiro, respeito e reverencio a crítica de cinema. Só não a quero como um rótulo simplificador, reducionista e impregnado de um sentido equivocado de má compreensão de seu exercício.

Escrevo sobre cinema, amo Fellini e Aurora, de Murnau. Essa definição basta para definir com precisão e alcance o que um rótulo não poderia.

Mas inquiro-me sobre isso. Por que escrevo?

Escrevo para além do cinema. Escrevo, antes, porque na escrita guardo minha existência, que por si só já seria pueril. Com a adição da escrita como preservação, tradução, manipulação, dissimulação e banalidade, esta existência ganha não mais que uma pecha de peuril-literária. Não é nada para o mundo, mas é tudo para mim.

Escrever sou eu. Escrever sou. Escrevo.

Há mais, é claro. Sempre há mais, muito mais.  Por hora, no entanto, é o que interessa. Ou nem isso.

Mas cinema? Escrever sobre cinema. Por que?

Sem rodeios, por ordem crescente:

1.       Vaidade;
2.       Exibicionismo;
3.       Exercício;
4.       Introspecção;
5.       Prazer;
6.       Compartilhamento.

São essas minhas motivações para escrever sobre cinema. E o que escrevo não tem qualquer utilidade para o mundo, nem para o cinema, nem para a crítica. É inútil. Nesta constatação sem soberba não há desistência, rendição, desolação ou tristeza. É algo simples, que se descobre cedo ou tarde, quase sempre por uma epifania ou duas; como as três que tive hoje: uma declaração de João Moreira Salles que li logo de manhã, uma breve discussão na aula de história do cinema à tarde e algumas declarações de José Saramago no filme José e Pilar que vi à noite.

Percebi o inútil de tudo sem drama, sem vaidade, sem dor e sem tolices existencialistas. O que é apenas é. Inútil, note-se bem, mas não irrelevante.

Nada é irrelevante e tudo é irrelevante. Óbvio, percebo. Mas não óbvio o suficiente, nem óbvio o tempo todo.

Escrevo pela possibilidade de na escrita encontrar outro eu e no filme outro filme. Dessa possibilidade filosófica, metafísica, subjetiva e falsamente pomposa advém a relevância de tudo que se escreve, e inerente á isso sua inutilidade indissolúvel.

Uma hora de trabalho de um motorista de ônibus é mais importante que toda literatura do mundo.

Não há muito mais o que dizer. Tudo que vier depois será tergiversação. Exceto acrescentar que numa concepção em que nada do que já foi escrito importa de fato ao mundo, cada desimportância escrita um dia e vivente na sua mais profunda insignificância universal se torna por conseqüência a realização do todo, guardando e preservando para si uma importância tão universal quanto sua inutilidade. Perene, única, indestrutível.

Escrevo sobre cinema porque isso não importa. E por isso é importante.
 

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