segunda-feira, junho 06, 2011

Não Me Abandone Jamais


Never Let Me Go
Mark Romanek
Reino Unido/EUA, 2010
103 min.

Um barco permanentemente encalhado na areia, diante do mar inalcançável. A imagem da impossibilidade dos sonhos e da aventura. A impossibilidade do porvir. O mar ali, imenso; toda sua grandeza e o inesperado que guarda em suas descobertas. Mas o barco, nascido para todas as possibilidades do mar, disposto ao mar, pronto para ele, está encerrado na sua condição irremediável de encalhe. Está impedido de navegar.

O plano-chave de “Não Me Abandone Jamais” é a perfeita dimensão do drama de seus personagens. Um drama talvez impossível de traduzir, mas que na imagem do barco encalhado na areia encerra sua tradução mais poética e também mais precisa.

Adaptado do livro homônimo de Kazuo Ishiguro, o filme conta a história de três amigos que passaram a maior parte da infância e juventude juntos. Eles cresceram em um orfanato britânico chamado Hailsham, local que tinha um código de disciplina intolerante em determinadas situações e ao mesmo tempo liberal com outras. Essa discrepância se esclarece quando se revela o destino a que todos os internos estão fadados.

Narrado a partir das lembranças de Kathy, a história acompanha sua infância e juventude ao lado dos amigos Tommy e Ruth, desde o orfanato até a vida adulta. Cientes de estarem condenados ao mesmo destino atroz e precoce, suas relações e a forma como lidam com esse destino serão os elementos para uma reflexão sobre existência e humanidade. Contar mais do que isso é comprometer a experiência de se descobrir, junto com o filme, a verdadeira natureza dos personagens e o sentido (ou a falta dele) em suas vidas.

Descoberta é, a propósito, a palavra-lei dessa triste fábula. Contada com delicadeza, a história nos leva a descobrir junto com os personagens não apenas seu destino terrível, mas também suas experiências, angústias e sentimentos. A confusão de suas expectativas, a afetuosidade de suas relações, a ingenuidade de seus espíritos. Embora estejam atrelados pelo mesmo destino, experimentam a vida de formas diferentes, entre o equívoco do egoísmo e a brandura da abnegação, em meio à confusão de suas próprias existências.

Não há, na tragédia que os assombra, um sofrimento intenso, de esmagar. Está tudo nos detalhes, nos gestos e na solidão. É a sutileza da direção, a fotografia de atmosfera melancólica, a passividade da aceitação de seus destinos. Evitando sufocar a história com uma pesada constatação da dor de cada um, opta-se pelo frescor da juventude e pela tristeza intrínseca no sentimento de cada um deles.

“Não Me Abandone Jamais” é um desses filmes que nos acompanha após a sessão, que carregamos conosco por muito tempo. Um filme que revela o sentimento, o afeto, a amizade e o carinho de uma forma tão tranquila e ao mesmo tempo tão urgente que nos contamina e comove.

Para fazer-se inteiro, o filme dispensa grandes gestos dramáticos e se preserva na simplicidade. Guarda sua tradução difícil na imagem de todas as possibilidades - as do mar e as da vida - encerradas na tristeza de um barco encalhado na areia, no limiar de todos os sonhos, impedido de sonhar.

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