quarta-feira, dezembro 15, 2010

Canções de Amor




Lês Chansons D’Amour
Dir. Christophe Honoré
França, 2007

“Não me ame muito, mas me ame por muito tempo”, foi a frase que a Fernanda me ressaltou quando saímos da sessão. Acabáramos de ver Canções de Amor e a frase ainda ressoava em nossos ouvidos.

O premiado filme do francês Christophe Honoré, um dos grandes nomes da nova geração do cinema francês, se divide em três partes: a perda, a ausência e o regresso. A soma destas três partes compõe na tela as relações de como lidar com a perda e seguir adiante com o recomeço. Mas Honoré foge de qualquer simplificação ou sentimentalismo barato e acentua a complexidade das relações com triângulos amorosos e a liberdade sexual.

O filme é um musical e se destaca por qualidades que podem desarmar os mais resistentes ao gênero. Assim, as canções não atravessam o ritmo da narrativa e a complementam com um encaixe azeitado, com uma poesia sensível e criativa. Os arranjos também são elaborados e o conjunto das canções desenha a história com belíssima delicadeza.

Louis Garrel interpreta Ismaël, um jovem jornalista que namora Julie (Ludivine Sagnier), que acrescenta à cama deles Jeanne (Chiara Mastroianni), num aberto triângulo amoroso. Mas a relação entre Ismaël e Julie é turbulenta, ora pelo ciúme, ora pelas incertezas de sentimentos. Aqui o amor ganha os contornos das relações existencialistas, conturbadas e discutidas sob a luz do intelecto. Mas Honoré não se entrega à uma monótona e monocórdia tese, ou a debates soporíferos sobre o ser e o nada.

Até que então acontece a perda.

Na segunda parte - a ausência - vivenciamos com as canções a difícil adaptação e o árido recomeço. A ausência em questão cria nos personagens o sentimento de desencaixe e a busca, sem muito rigor ou objetividade, de algum tipo de conforto. Mas todos se mostram perdidos, patinando em um limbo viscoso, queimando lentamente suas dores e suas ausências próprias, cada um tocado e compungido à sua maneira frente à ausência.

É quando surge Erwann (Grégoire Leprince-Ringuet), e sua insistente devoção ao amor. Disposto a ir até o limite para conquistar quem ama, irá conduzir aquele que se perdeu na ausência para o caminho do regresso, ainda que por vias nunca antes caminhadas. É justamente por essa inversão inesperada que se dá a beleza do filme, que, com as canções de amor, mostra que as transposições de sentimentos são todas justificadas pela beleza do gesto.

Christophe Honoré mostra um talento extraordinário naquilo que o filme mais se destaca, o jogo de cena. Para um filme feito de canções, nada mais complementar para as músicas do que este “mise-en-scéne”. E nisso o filme se mostra pródigo. 

A beleza das letras, das composições, e da história, se completam com o jogo de cena, construindo assim uma expressividade que está além das palavras, mas que se encerra delicadamente em cada gesto. E não se pode deixar de falar de Paris, que o diretor enquadra sob uma perspectiva de solidão, com uma textura refinada de tristeza e desamparo, mas cuja beleza pode sempre salvar qualquer desespero.

Canções de Amor é capaz de vencer e derrubar muitas barreiras preconceituosas de forma surpreendente. Honoré nos entrega uma experiência de cinema que arrebata abertamente. Porque, como muito bem captou a Fernanda, não importa que se ame muito, mas que se ame por muito tempo.
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