quarta-feira, junho 29, 2011

A Casa



La Casa Muda
Gustavo Hernández
Uruguai, 2010
86 min.

O corte e a montagem, duas partes fundamentais da linguagem do cinema, formam uma estrutura que aprendemos a ver com naturalidade. Pensados, contudo, do ponto de vista do olhar humano, são absolutamente estranhos. Nada menos natural que um corte. Não vemos de forma editada. Nosso olhar é sempre um plano sequência, desde a hora que acordamos até o momento que dormimos. Por isso um filme, todo ele em plano sequência, como “A Casa”, que estreou na última sexta (24), é sempre uma experiência interessante. Especialmente por ser um filme de terror.

Naturalmente, trata-se de um artifício. Como foi artifício um dos filmes mais citados quando se fala de plano sequência. “Festim Diabólico” (...), de Alfred Hitchcock, emulava um filme sem cortes. Apenas emulava. Os cortes estavam elegantemente disfarçados em aproximações de paredes, passagem de personagens diante da câmera e outros efeitos sutis. Um artifício que buscava intensificar a experiência cinematográfica através de uma continuidade do olhar.

Em “A Casa”, a intenção é a mesma. No lugar do suspense do mestre Hitchcock, o terror de uma situação com tons sobrenaturais. Laura e seu pai são contratados por um amigo da família para recuperar o entorno de uma casa isolada numa propriedade distante. A casa está em péssimo estado de conservação e sem luz elétrica. Para o trabalho, pai e filha terão de passar a noite no local. Incomodada por estranhos ruídos em outros cômodos, Laura acorda seu pai, que vai investigar. Mas ele não regressa. A partir de então, coisas estranhas começam a acontecer e Laura se vê presa num pesadelo que piora à medida que cada cômodo da casa vai se revelando para ela.

A experiência desse terror sem cortes é bastante eficaz no início. A construção do medo, embora apoiada em alguns recursos desgastados do gênero (ruídos estranhos, a possível presença de outra pessoa na casa, situações que remetem a crianças mortas) funciona bem. Parte desse êxito está no modo como a câmera, mesmo não assumindo a posição de primeira pessoa, nos passa a perspectiva de Laura. Aqui, a câmera age como um olhar compartilhado. Sabemos tanto quanto Laura do que se passa naquela casa e os sustos e a tensão criada passa dela para o expectador com bastante eficácia.

No entanto, a partir de certo ponto do filme, quase de forma involuntário, surge um distanciamento dessa simbiose entre o olhar da câmera e o de Laura. Isso acontece quando rompe-se a cumplicidade que temos com a personagem e é desencadeada pelo seu comportamento estranho. Quando ela passa a se preocupar mais em ver do que fugir, cria-se um distanciamento pela inverossimilhança. A empatia necessária para embarcar no terror é desfeita quando o personagem age de forma contrária ao que se espera de alguém numa situação de estranhos e aterradores acontecimentos.

No final da história, quando tudo se revelar, o comportamento de Laura será explicado, ou, pelo menos, justificado. Mas aí o estrago já estará feito. O que o diretor Gustavo Hernández não percebeu é que o roteiro, em sua necessidade de amarrar os acontecimentos e explicá-los, acabou por prejudicar a continuidade da situação de medo e tensão. A mudança no comportamento de Laura, ainda que sutil, cria no espectador uma interrogação que quebra a linha do medo. Quando isso acontece, o plano sequência, que vinha funcionando muito bem, perde seu efeito e o filme se torna comum.

Apesar desses equívocos, “A Casa” merece ser visitada pelo público. Mesmo que não alcance todo o potencial de terror que poderia, ainda assim é um filme bastante bom no quesito medo. A experiência de confinamento, claustrofobia e aflição diante do inexplicável é intensa. Ainda que o desfecho possa não agradar alguns, o virtuosismo técnico e o risco de se fazer um filme sem cortes valem a experiência de se sentir o resultado final.
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