sábado, julho 28, 2012

A Vida dos Peixes



A Vida dos Peixes é um filme de textura melancólica, formada por antigas memórias e por uma ausência sentida. A evocação do passado e de uma tragédia, a distância entre amigos. Desta matéria se reveste este drama franco-chileno.

O filme se passa durante uma festa de aniversário e mostra o reencontro de Andres (Santiago Cabrera) com velhos amigos. Vivendo em Berlin, ele trabalha como repórter de turismo e esteve distante por dez anos. Suas viagens pelo mundo o afastaram desses amigos e do passado, ainda que este passado tenha se mantido enraizado dentro dele.

O afastamento foi consequência de uma tragédia, da morte de um amigo, da ferida que isso deixou em Andres. Mas não foi apenas dos amigos que ele se distanciou. Beatriz (Balnca Lewin), seu grande amor da juventude, também foi deixada para trás. Contudo, assim como o passado, também se manteve enraizada em seu coração.

É em torno desse reencontro que a tensão dramática de A Vida do Peixes irá se desenvolver. Beatriz, hoje casada e com duas filhas gêmeas, também ficou marcada pelo que passou e pela ausência de Andres. No reencontro entre ambos, o desconforto aos poucos dará lugar às lembranças e às possibilidades perdidas.

A direção do chileno Matías Bize busca traduzir a tristeza de Andres nos planos que o acompanham pela casa. O aniversário é de um dos velhos amigos e a casa faz parte de sua memória. Nas idas e vindas pelos cômodos, no encontro com pessoas dessa memória, nota-se entre Andres e o espaço uma familiaridade com estranhamento. Tudo é conhecido, mas também distante.

Bize filma muitos planos através de luzes que, desfocadas num primeiro plano, conferem um ar poético às cenas e ao filme. Esta delicadeza poética se confirma na trilha sonora discreta, ainda que um pouco excessiva na repetição. Pautam esta atmosfera semionírica os diálogos em que o silêncio ao redor intensifica um sentimento que mistura culpa, arrependimento e a distância entre todos.

Por outro lado, há no conteúdo de alguns desses diálogos uma ingenuidade que não corresponde à bagagem de vida que trazem os personagens, o que acaba artificializando alguns momentos. Essa falha, porém, se dilui nas ótimas atuações. Em especial, no sentimento revelado pelas trocas de olhares, alguns tão expressivamente bem articulados que dispensariam linhas de diálogo.

Ainda que um pouco esquemático nas suas passagens e por vezes artificial na manutenção de uma situação – como a permanência de Andres na casa, quando logo no início diz que está partindo – este A Vida do Peixes se apresenta como filme delicado, que traz na memória do passado os caminhos desperdiçados, as oportunidades desviadas.

Enxuto na duração, consegue, acima de tudo, manter tesa a corda que sustêm seu drama, nos mantendo ligados aos sentimentos e pesares que recobrem de melancolia sua trama de reencontro doloroso e suave mistério.
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La Vida de los Peces
Matías Bize
Chile/França, 2010
84 min.

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quarta-feira, julho 25, 2012

Aqui é o Meu Lugar


 É difícil lembrar de algum filme recente que tenha andado tão à beira do abismo como este novo trabalho do diretor italiano Paolo Sorrentino. Isso porque no cinema século 21, arriscar-se em uma ideia diferente é algo cada vez mais raro neste segmento onde poucos se arriscam a sair – e também tirar o espectador – da zona de conforto.

Aqui é o Meu Lugar, que estreia neste final de semana, fica como uma agradável exceção à regra. Não que seja filme de grande inventividade. Sua trama - de personagem que emprega viagem em busca de algo e acaba sendo transformado pela viagem, num processo de autodescoberta - está mais do que desgastada. Mas em Aqui é o Meu Lugar todo o processo ganha uma estranheza rica e saborosa, toda ela apoiada no personagem e na atuação de Sean Penn. Pois é da coragem em assumir essa estranheza – e os riscos que ela traz – que torna a experiência do filme algo tão positivo e singular.

Sean Penn encarna Cheyenne, uma figura descontextualizada nos dias de hoje, fruto daqueles estranhos anos 80. Porque antes de existirem os emos, existiram os góticos. É dessa última tribo que veio o sucesso de Cheyenne, líder, no passado, de uma famosa banda de rock gótico. Mas ele abandonou a vida artística depois que dois jovens cometeram suicídio inspirados por suas músicas sombrias. Contudo, mesmo longe dos palcos e dos estúdios, manteve o mesmo estilo de se vestir e maquiar.

Casado, vivendo recluso na Inglaterra, ele se vê obrigado a voltar para os EUA, para o enterro de seu pai, com quem não falava há 30 anos. Descobre então que seu pai, um judeu sobrevivente do holocausto, passou toda sua vida obcecado em encontrar o nazista que o torturou e que vive também na “terra dos livres e lar dos bravos”. Cheyenne decide então terminar a busca do pai.

Misto de fábula cômica com drama quase nonsense, mas sem jamais afundar o pé em qualquer gênero, Aqui é o Meu Lugar se desdobra como filme de estrada. A razão de ser, claro está, é a figura de Cheyenne. Não apenas pelo riso tímido desconcertante, não apenas pelo jeito peculiar de se mover, nem pela fala monocórdia e tampouco pela maquiagem extravagante. Mas principalmente pelo quanto este personagem se encontra perdido de si mesmo.

Como disse antes, o tema da busca de si mesmo não é novo. O próprio filme brinca com isso quando Cheyenne rejeita esta ideia, sugerida pela esposa, dizendo que viajou para o Novo México, não para a Índia. Mas o fato é que sua jornada, desde o início, indica claramente essa busca por si mesmo.

Mesmo com o foco na sinuosa jornada de seu protagonista, o filme não descuida daqueles com quem ele cruza em seu caminho, e cujas vidas acaba tocando (ou sendo ele por elas tocado). De alguma fora, todos estes por quem ele passa ganham também uma dimensão humana. Esta capacidade de fazer um personagem fugaz crescer em poucos minutos é uma das melhores qualidades do filme.

Para os mais necessitados de explicações mastigadas, Aqui é o Meu Lugar pode não agradar. Este é um filme que por onde passa deixa pontas soltas, um problema para quem precisa de explicação e ponto final em tudo. Mas é preciso entender que estas pontas soltas são a própria natureza do filme, cuja intenção é deixar abertas as possibilidades de todos, exceto as de Cheyenne, que terá seu encontro dramático numa ótima cena com o ator Heiz Lieven.

Arrastando seus pés na borda do abismo do caricato e apresentando uma história também sempre perto de não funcionar - mas que acaba funcionando -, este filme de Sorrentino se mostra uma oxigenada surpresa diante da monotonia do cinema atual.
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This Must Be The Place
Paolo Sorrentino
Itália/França/Irlanda, 2011
118 min.

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segunda-feira, julho 23, 2012

Valente

 CRÍTICA PUBLICADA ORIGINALMENTE NO SITE CINECLICK

Mais do que uma animação para as crianças, Valente, novo longa da Pixar, se lança como uma aventura juvenil. Ao menos é o que faz crer o modo como o filme se vende. A aventura, contudo, fica pelo meio do caminho e o que se vê a partir de certo ponto é um enredo que desconstrói tudo que o filme construiu em seu início tão promissor.

Ambientado numa velha Escócia, a história é sobre Merida (voz de Kelly Macdonald), filha primogênita do rei Fergus (voz de Billy Connolly) e da rainha Elinor (voz de Emma Thompson). A jovem donzela nunca se interessou pelas obrigações e rituais de comportamento de uma dama. Sua realização sempre esteve na liberdade e na prática do arco e flecha, para desaprovação total de sua mãe.

É aí que está o conflito central de Valente. Como muitas adolescentes, Merida não aceita que sua mãe decida como ela deve se comportar ou se vestir. Não aceita, acima de tudo, que ela trace seu destino. Este conflito se agrava quando, pela tradição, os primogênitos dos reinos aliados devem disputar a mão de Merida em um torneio. Transtornada com os acontecimentos, a jovem tem uma séria discussão com sua mãe, foge sem direção e retorna com o que acha ser a solução de seus problemas. Mas a suposta solução dos problemas da jovem rebelde acaba sendo o início dos problemas do filme.

Valente cresce continuamente desde o princípio. Tem uma personagem forte, carismática e atrevida. Ela está disposta a romper com o que foi estabelecido antes dela e também com qualquer coisa que a impeça de escolher os rumos que quer para si. O conflito entre mãe e filha, desenhado com matizes fortes, promete uma aventura de drama convincente. Mas seria demais esperar de um estúdio de animação que tanta rebeldia fosse adiante por muito tempo.

Se o filme tomasse o rumo clichê desse tipo de história (garota rebelde foge, se perde, enfrenta problemas, se arrepende e retorna com a lição aprendida), ao menos restaria a aventura. No entanto, o roteiro do filme toma um rumo inesperado a partir de certo ponto e a história se encaminha por vias que põem a perder a vibrante e promissora primeira parte de Valente. Vai-se a aventura, fica o sentimentalismo conservador e quadrado.

O resultado é uma segunda parte muito mais fraca e sem muita conexão com o que foi ensaiado no início. Vendido como filme de aventura, Valente é na verdade um filme sobre a relação mãe e filha, tratada aqui pelo viés da mãe, como se ela tivesse sempre razão. 

A voz do filme fala muito mais à pré-adolescentes do que a crianças, que podem não se entusiasmar com o drama de Merida. Como toda animação atual, o filme estará disponível também em 3D, mas o efeito nada acrescenta, sua utilidade, neste caso, é só para quem fatura com o ingresso mais caro.
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Brave
Mark Andrews, Brenda Chapman e Steve Purcell
EUA, 2012
100 min.

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sexta-feira, julho 20, 2012

Elles



Elles, da diretora polonesa Malgorzata Szumowska, abre com um contraste que indica desde o início o conflito que se desenhará adiante. Na primeira cena, vê-se um homem perto de chegar ao orgasmo enquanto recebe sexo oral de uma garota. Logo na cena seguinte, uma mulher recebe com irritação a queixa do filho mais velho, que anuncia a falta de achocolatado para o café da manhã.

Nesta rotina de um dia da jornalista Anne (Juliette Binoche), algo parece ter repentinamente perdido o encaixe. Ela precisa terminar uma reportagem sobre garotas que se prostituem para se manter durante a faculdade. Também precisa preparar um jantar para receber o chefe do marido.

Esposa, mãe de dois filhos e com um casamento que passa pelos típicos conflitos do desgaste que os anos trazem, Anne é uma feminista que passa a se ver afetada pela reportagem que está apurando. Quando numa cena é perguntada se tem amigos árabes, responde que não, mas reforça que apenas por coincidência e não por preconceito.

Está nesta resposta, especificamente na palavra preconceito, a chave para entender a transformação pela qual Anne passa. Enquanto a vemos entrevistar duas jovens garotas de programa, não é possível deixar de notar o quão carregada de preconceitos é a abordagem que ela faz do assunto. Ao perceber a negativa das garotas para suas convicções sobre humilhação, submissão e vergonha, fica desconcertada.

Ao mesmo tempo, passa a se sentir envolvida com as histórias que as garotas contam. Surge daí uma fantasia que não se desdobra claramente entre real e o imaginário. Neste terreno nebuloso, reside a sutileza do filme e da personagem de Binoche, que mais uma vez atua exalando uma sensualidade envolvente e discreta, como já havia feito no excelente Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami.

Consumida por histórias de um erotismo que ela em princípio rejeita, também se vê consumida pelo cotidiano doméstico. Desse cotidiano, por exemplo, vem a recorrente dificuldade em fechar a porta da geladeira, um recurso bastante óbvio para revelar a falta de encaixe que tem tomado sua vida.

Elles coloca no centro de sua história uma mulher moderna – profissionalmente estabelecida, casada e com filhos – que passa a notar suas insatisfações através da reportagem que escreve. De fantasias eróticas contaminadas pela resistência em assumi-las à crise conjugal que não se desenrola e fica estancada numa discussão sem proveito, o filme não avança adequadamente em nenhum dos campos que abre.

O resultado final é de possibilidades desperdiçadas, já que a trama, os personagens e principalmente a excelente Binoche, poderiam alcançar um drama mais profundo. Mas o filme apenas desliza pela tela lançando frentes de reflexão que nunca são refletidas plenamente.
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Elles
Malgorzata Szumowska
França/Polônia/Alemanha, 2011
99 min.

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quinta-feira, julho 19, 2012

Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge



Chega ao final a saga do Batman de Christopher Nolan. Sim, um Batman de Nolan, já que o diretor, como poucas vezes se viu em mega produções de Hollywood, ditou quem, como e até quando iria seu Batman.

Na construção dessa trilogia, Nolan colocou a seriedade em primeiro lugar, demonstrando pelo personagem um respeito que ficará de lição para o futuro, quando se pensar em adaptação de super-heróis para o cinema. Sua caracterização do maior detetive do mundo, do cruzado de capa, do cavaleiro das trevas ficará como um divisor de águas. Porque acima de tudo houve sempre uma grande consideração pela inteligência do espectador.

O ápice dessa consideração se deu em Batman: O Cavaleiro das Trevas, de 2008. Um filme que, marcado pela atuação antológica de Heath Ledger como Coringa, trazia na sua trama o anúncio incômodo do que aquele justiceiro encapuzado realmente significava: o fracasso. Pois ali se anunciava a sina deste Batman, a sina de nunca atingir seu ideal de símbolo para as pessoas, acumulando apenas tragédias, mortes e fracassos. Com sua carga dramática e seu vilão inigualável, Cavaleiro das Trevas atingiu um grau de realismo e qualidade difíceis de superar neste gênero de filme.

Agora, em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, oito anos se passaram desde os acontecimentos do último filme, que culminaram com a morte de Harvey Dent e a fuga de Batman, acusado de assassinato. Gotham City é agora uma cidade pacificada, tendo o mascarado de capa sumido completamente. Bruce Wayne, aposentado como vigilante e amargurado pelas perdas que sofreu, recolhe-se em sua mansão como um solitário esquecido.

Essa paz em Gothan é resultado do símbolo – e consequentemente da mentira – que se criou em torno de Dent e da culpa de Batman. Mas então surge Bane (Tom Hardy), um terrorista com o plano de levar o caos à cidade. Assim como surge também uma ladra, Selina Kyle (Anne Hathaway), que despertará a atenção de Bruce Wayne.

Ainda que a expectativa seja a mãe da decepção, pode-se dizer que este último filme da saga não decepciona. Mas também é preciso dizer que não alcança o mesmo brilhantismo do filme anterior. Isso porque suas falhas são muito mais visíveis do que as falhas do outro filme.

Há desdobramentos previsíveis, há um vilão que não vai além do satisfatório e tem uma duração que se estende além do necessário. Contudo, o que mais atrapalha é que o filme não consegue a mesma força de embate e de tensão que alcançou o anterior. Nota-se uma sensível diluição no seu foco, nascida da introdução na trama de novos e importantes personagens. Ao equilibrar a importância desses novos agentes, o diretor abre mão de distender com mais intensidade o fio de confronto e terror, como havia feito com muita competência em Cavaleiro das Trevas.

No entanto, este Ressurge não passa nem perto de ser um filme ruim. Dentro do que é seu objetivo – fechar a trilogia – realiza um trabalho mais que satisfatório, dando à saga e ao desfecho toda dignidade que a obra merece. Parte disso se deve ao fato de Nolan preservar em seu roteiro o elemento fundamental que torna a trilogia tão exemplar: sua história não depende de cenas de ação.

O diretor, que coassina os roteiros dos três filmes, criou um arco de histórias que poderiam se sustentar em pé mesmo que não houvesse uma única cena de ação. Claro que elas são indispensáveis, afinal estamos falando de um super-herói de HQs. Mas a estrutura dramática e narrativa criada pelo diretor joga seu foco nos personagens, nas relações de causa e efeito entre eles. A ação é sempre consequência, nunca o foco principal.

Assim, neste epílogo, mantêm-se o tom realista assumido desde o início e esta opção confere às cenas de ação uma textura única, quase uma antítese do espetacular, o que as fazem, paradoxalmente, mais espetaculares ainda. Dos novos personagens, destaque para Anne Hathaway, que incorpora com muita precisão a ironia provocadora de Selina Kyle, e Joseph Gordon-Levitt como o policial John Blake, que desempenha um papel fundamental na trama e no desfecho.

Mesmo com suas imperfeições, Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge em momento algum renega o que esta franquia tem de mais essencial: a dignidade e respeito com que o personagem e seu universo são tratados. Esta honestidade do diretor, a forma sem grandes artifícios com que, desde o início, optou por contar sua história e mais todas as coisas positivas que os filmes vêm trazendo desde então, estão lá, para satisfação dos fãs e de quem acompanhou esta trajetória.

Se havia uma promessa quanto a este final, era a de ser fiel a seu início. Quanto a isto, não há dúvida. A promessa foi cumprida.
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The Dark Knight Rises
Christopher Nolan
EUA/Reino Unido, 2012
164 min.

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Ciclo




(Para a crítica do filme, clique aqui)


É possível que Christopher Nolan, diretor da nova trilogia do Homem Morcego, não tenha se dado conta do que o último filme desta trilogia significa. Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge não é apenas o encerramento de um trabalho memorável, talvez até histórico em Hollywood. É também o último episódio de um arco divisor de águas, um arco de três filmes que fecha um período iniciado em 1989, com Batman, de Tim Burton.

O que o filme de Nolan encerra, ao estrear no próximo dia 27 de julho, é a primeira era das adaptações de histórias em quadrinhos de super-heróis para o cinema. Não que antes de 1989 o cinema não já tivesse lançado mão de levar para as telas os heróis fantasiados dos gibis.

Mas é com o sucesso daquele antigo Batman (de armadura inflexível e biquinho inconfundível de Michael Keaton) que esse seguimento nasceu de fato para o cinema de entretenimento pós-Star Wars.

Com ele, nasceu também os fãs ansiosos e ao mesmo tempo temerosos, preocupados com o que os estúdios poderiam fazer com seus heróis favoritos. 

Entre erros dignos de serem apagados e acertos de encher os olhos, chegamos a 2012, quando não apenas Os Vingadores trouxe uma aventura divertida e cheia de luz para os fãs, mas, principalmente, quando Nolan coloca um ponto final em sua saga sombria. Depois desse Batman, os fãs já sabem: nada será como antes quando se pensar em adaptar um personagem de HQ para o cinema. Uma nova era se inicia.

E esta nova era consolida a única lição que um diretor, um estúdio ou quem quer que vá adaptar um desses personagens para o cinema deve saber: tenha respeito. Pois é o respeito que Nolan demonstrou pelo personagem Batman que faz de sua trilogia um sucesso, um marco e uma saga memorável.
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sexta-feira, julho 13, 2012

Na Estrada


Não é possível explicar em palavras o que On the Road, romance de Jack Kerouac publicado em 1957, representou para as gerações dos anos que se seguiram à sua publicação. Hoje, uma pálida ideia pode ser tirada lendo-se o livro. Para mais do que isso seria necessário voltar no tempo e vivê-lo novamente: o tempo em que se viveu a juventude e a liberdade de uma forma nunca vivida até então. Qualquer coisa diferente disso é apenas história.

Considerado a bíblia da geração beatnik – uma geração que mudou comportamentos, pregou a liberdade plena de se viver e experimentar a vida e que tem seus efeitos presentes, mesmo muito diluídos, até a juventude atual –, o livro marcou a vida de muita gente, influenciou artistas, revolucionou perspectivas e plantou a semente do espírito libertário e rebelde das juventudes dos anos 60.

Por tudo isso, uma adaptação da obra para o cinema não apenas gerou grande expectativa, mas também apreensão. Transpor para as telas o que o livro simplesmente transpira em sua narrativa frenética e contundente não seria tarefa fácil. Não por acaso o projeto existe desde sua publicação, tendo fracassado em todas as tentativas.

Coube ao diretor brasileiro Walter Salles a tarefa de finalmente fazer o filme virar realidade. Uma tarefa que, como ele mesmo admite, aceitou com muito receio. O resultado chega aos cinemas brasileiros neste final de semana. E o que se pode dizer de Na Estrada é que se trata de um filme muito correto. Correto até demais.

Sam Riley (de Control, no qual interpreta o problemático vocalista do Joy Division, Ian Curtis) é Sal Paradise, o jovem escritor que empreende uma longa viagem através do país. Boa parte desta viagem é feita na companhia de seu amigo Dean Moriarty (Garrett Hedlund, de Tron: O Legado) e Marylou (Kristen Stewart, a Bella Swan da Saga Crepúsculo), a namorada de Dean.

No elenco do filme, outros nomes de destaque dão vida aos personagens que Kerouac descreveu em seu livro. Nomes como Kirsten Dunst (de Melancolia), Amy Adams (de O Vencedor), Viggo Mortensen (de O Senhor dos Anéis), Steve Buscemi (da série televisiva Boardwalk Empire) e a brasileira Alice Braga (de O Ritual e Eu Sou a Lenda).

Porém, apesar do elenco de primeira, Na Estrada deixa a desejar. Isso porque em uma adaptação de um livro tão seminal e vivo tudo que não poderia faltar é justamente aquilo que mais transborda do livro: alma.

Em sua versão de On The Road, Walter Salles faz tudo certo. Tem um bom roteiro (entre tantos que poderiam nascer a partir do livro), tem atores dedicados que a seus papéis que atuam muito bem, tem uma fotografia inspirada que acerta por não forçar uma atmosfera de época, filtrando uma bem dosada ressonância do final dos anos 40.

Mas tudo isso, ajeitado na tela, num ritmo às vezes irregular, parece não ganhar vida suficiente no decorrer dos 137 minutos de filme. É como se Walter Salles fosse um diretor “correto” demais para filmar uma história que, apesar de não ser necessariamente suja, traz no seu caráter orgânico e nas experiências dos seus personagens uma inequívoca rejeição ao convencional e quadrado. Uma rejeição ao correto.

Como road movie, falta em Na Estrada um pouco da aventura incerta, da aspereza do caminho, da dureza de se cruzar o país mais de uma vez, de se virar com trocados. Essa vida de estrada, na qual viveu Sal Paradise, certamente é bem mais melancólica e difícil do que a mostrada no filme.

Há, na construção que o filme faz dessa vida de estrada, um verniz poético que está de acordo com o livro, mas que por elipses de tempo enfeita demais um caminho que foi árido e sujo. A falta de desafios nessa jornada está entre os elementos que “limpam” demais a experiência do filme.

Mais do que tudo, falta em Na Estrada uma fagulha que ascenda nas imagens o espírito do livro. Não sua literalidade, mas sua alma. Algo intangível que amarre as belas imagens e as ótimas atuações em algo maior do que belas imagens e ótimas atuações.

Na Estrada é, efetivamente, um filme bom. Mostra-se capaz de suscitar emoções, sentimentos e de causar identificação com seus personagens. Apresenta-se até muito bem como catarse de uma América cujo sonho morreu. Mas ser apenas bom é pouco para um filme que se propõe traduzir em imagens um livro que foi ao mesmo tempo profecia e espírito de um tempo. Melhor seria um filme “menos bom” e mais coberto de poeira, uísque e vida.
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On the Road
Walter Salles
França/Reino Unido/EUA/Brasil, 2012
137 min.

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Um Mundo Misterioso


Ás vezes é preciso tirar o espectador da letargia das narrativas clássicas. Para isso, é preciso ousadia, gosto pelo risco. Rodrigo Moreno demonstra essa ousadia em Um Mundo Misterioso, pois se arrisca a incomodar o espectador. Um incômodo que surge quando o filme renega alguns elementos narrativos confortáveis a que estamos condicionados. No lugar, entrega uma desestrutura na qual o conflito, o objetivo e a trama dão vez a um dialético vazio.

Um Mundo Misterioso nos obriga a aceitar que o “nada” também pode ser alguma coisa. Note-se: ser, não necessariamente dizer. É o que deixa claro uma passagem do filme, no qual alguém conta o enredo de um romance de literatura barata e diz que depois do meio do livro não acontece mais nada na história. Quando o outro responde que não há problema algum numa história em que nada acontece, está dada a chave para aceitar o que se segue no filme.

Boris (Esteban Bigliardi) e Ana (Cecilia Rainero) são um casal de namorados que moram juntos. Até que ela pede um tempo. Desconcertado, Boris se muda para um hotel e passa a vagar num limbo existencial. Não parece ter objetivo, vontade ou mesmo empecilho para que seu limbo exista sem culpa ou incômodo. Mas Boris se move. E ao mover-se transita entre situações de apatia, mas que trazem no seu íntimo algum relevo de vida, natural em alguns momentos, insólito em outros.

Como na sequência da festa, em que a trilha sonora suspende a realidade. Boris troca diálogos nonsenses, experimenta a vagueza da noite, conhece estranhos, perambula. Não há tristeza, arrependimento ou euforia. É apenas um homem em si mesmo, sem adereços e sem encantos. Apenas um homem.

De fato, a partir de certo ponto, nada acontece em Um Mundo Misterioso. Vagamos pelo filme com a mesma despretensão que vaga Boris, até que este volta ao ponto em que começamos. Regressa depois de sereias, vazios, aventuras ocas de ação, mas cheias de um “algo mais” menos óbvio que o cotidiano. Como um Ulisses desmascarado e inerte, fuma, ouve uma canção na vitrola e sente-se novamente em casa.
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Um Mundo Misterioso
Rodrigo Moreno
Argentina, 2011
107 min.

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domingo, julho 08, 2012

Movimento Browniano


Os suspiros, os gemidos baixos, a respiração ofegante; o farfalhar de um lençol, o som do manuseio da vagina úmida da protagonista; todos estes sons, ruídos de intimidade ou não, fazem de Movimento Browniano um filme cuja textura quase nos toca. Ouvi-lo é sentir a cena, é se deixar levar pelo tato do que se ouve e, sem tocar, quase se sentir tocando. O efeito é aplicado com sensibilidade pelo filme, concatenado com sua estética clean, de ambientes iluminados e limpos numa assepsia contraditória. Assim como a pele, os olhos, o riso e o distúrbio psicológico de Charlotte (Sandra Hüller).

Ela é uma médica que trabalha em uma pesquisa com novas drogas para um grande laboratório. Casada com um engenheiro indiano, mãe de um menino de 10 anos, parece feliz no casamento e na carreira. Mas coloca ambos em risco ao levar para a cama de um quarto alugado alguns voluntários da pesquisa que realiza. São homens que guardam algum traço incomum, como um nariz esquisito, o corpo com muitos pelos ou a idade avançada.

O termo “movimento browniano” vem da física e, grosso modo, é o estudo do movimento aleatório realizado por certas partículas em determinados meios. Como as partículas em movimento e a própria ideia de aleatoriedade, Charlotte escolhe seus parceiros anônimos pelo acaso, ainda que neles exista a semelhança pelo estranho e incomum.

Dividido em três partes, na primeira etapa acompanhamos essa rotina secreta da personagem. Suas aventuras de prazer com estranhos, sua rotina de mãe e esposa, sua rotina de trabalho. Todas essas coisas se dão dentro da normalidade. Não há, nos gestos ou no rosto de Charlotte, em nenhum momento, algo que diferencie qualquer aspecto dessa rotina de uma normalidade tranquila.

Do prazer com estranhos à leitura de uma história infantil para o filho, tudo transcorre sem sobressaltos. Até que uma coincidência a surpreende, e isso destrava um mecanismo que a desnorteia completamente, e seu segredo é descoberto pelo marido.

Na segunda parte vem o tratamento. Na terceira, uma mudança.

Movimento Browniano pode ser uma antítese da crise conjugal como a conhecemos. No lugar dos diálogos insistentes, de discussões ou explicações exasperadas, o que temos é o silêncio, que ocupa a maior parte do filme. Mas o pouco dito não significa ausência de significados ou de sentidos.

A beleza do filme se encontra em seu mistério. Na forma quieta como transcorre sua trama, na observação do movimento de Charlotte. Está numa certa incompreensão de sua natureza e na forma como mesmo sem diálogos compreendemos os sentimentos dos personagens, mesmo quando imersos em grande confusão.

Se respostas ficam abertas, se a dúvida ou a imprecisão ficam como resultado do filme, vale lembrar da necessidade que deveríamos ter hoje – em dias de um cinema mastigado ao limite da estupidez – de reaprender a sair da sessão sem certezas. A ausência de respostas não deve ser problema, apenas a preguiça de tentar desvendá-las deveria ser. Neste sentido, Movimento Browniano arrisca-se, sai da mesmice e pode desagradar ou frustrar. Mas para quem ainda tem coragem e gosto, fica o desafio e o prazer de se sentir desafiado.
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Brownian Movement
Nanouk Leopold
Holanda, 2010
97 min.

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Até a Eternidade


Quem assistiu ao ótimo Apenas Uma Noite, talvez não saiba que um dos atores, o francês Guillaume Canet, é também diretor. E a julgar pelo excelente trabalho que faz em Até a Eternidade, seu novo filme a chegar por aqui, é de se esperar que venha a ser um grande diretor.

Produção francesa com estreia discreta (apenas uma sala), Até a Eternidade tem no seu elenco um bom punhado de atores. Dos rostos mais conhecidos por aqui, traz Marion Cotillard (de A Origem, Meia-Noite em Paris e Piaf – Um Hino ao Amor) e Jean Dujardin, que recentemente ganhou destaque mundial por sua atuação no badalado filme mudo, vencedor de cinco Oscars, O Artista.

A história é simples, como são as boas histórias. Um grupo de amigos, já bastante adultos, costuma passar as férias juntos em uma praia do litoral francês. Pouco antes da próxima temporada, um deles sofre um grave acidente de moto e fica hospitalizado. Sem ter como ajudar o amigo alquebrado, os demais decidem seguir com as férias, afinal estarão a poucas horas de Paris e poderão voltar rapidamente caso haja alguma novidade na recuperação do amigo.

Dentre as muitas qualidades de Até a Eternidade a que mais se destaca é o modo como o filme trabalha suas camadas, demonstrando uma sensibilidade e uma habilidade fora do comum da direção. Antes de tudo, é uma aula de construção de personagens, na qual ao longo da projeção cada um dos amigos ganha uma personalidade peculiar, nunca rasa ou estereotipada, e surpreendentemente convincente. De forma sutil, a trama consegue criar uma fina camada sob a qual cada um deles não esconde do espectador seus problemas e suas mentiras, embora as escondam de si mesmos e dos outros.

Em contraste com algo de soturno que existe nas mentiras íntimas de cada um, está a luminosidade e o sabor de alegria contagiante que o filme alavanca no seu decorrer. Na construção dessa luminosidade, contribui muito a trilha sonora, que faz um encaixe perfeito, emoldurando cenas em que a amizade, a diversão e o tempo delicioso compõem um quadro tão belo quanto frágil.
Embora o miolo do filme pareça um tanto extenso, parte desse tempo é indispensável para que se dê tempo ao tempo da narrativa, que evoca a maturação das relações, dos conflitos ocultos em cada um dos personagens. Dessa forma, o andamento tem o timing correto, cuja ilusão de demora no desenlace serve como reforço dos impactos que estão por vir no desfecho. Esse tempo a mais, sem que percebamos, nos leva a ficar tão apegados a esses personagens, como se fossem nossos amigos também.

Em seu desfecho, o filme guarda um final arrebatador, de sentimento represado, que desconstrói a todos de uma só vez. Estão ali a dor, o profundo em nós que desaba de repente, a homenagem e a amizade num nível comovente. Até a Eternidade é filme que revela um cinema inteligente sem ser pesado e cansativo, ao mesmo tempo que é divertido, encantador e comovente sem que para isso tenha que ser piegas ou banal.
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Les Petits Mouchoirs
Guillaume Canet
França, 2010
154 min.

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quinta-feira, julho 05, 2012

O Espetacular Homem-Aranha


 “Rebootar” ou não “rebootar”? Quando se trata do novo filme do Homem-Aranha, que reinicia a franquia nos cinemas, a questão ganha destaque. Passados apenas cinco anos desde o encerramento da trilogia dirigida por Sam Raimi – e estrelada por Tobey Maguire – e com tudo ainda fresco na memória dos fãs, a Sony resolveu arriscar e começar tudo de novo.

O resultado chega ás telas no próximo dia 6 de julho intitulando-se”. Na direção, o quase estreante Marc Webb (tem apenas um longa na carreira: “500 Dias com Ela”) e no papel do Aranha, Andrew Garfield. Diante disso, a pergunta que cabe é: o novo filme faz valer todo esforço em deixar para trás o velho cabeça de teia e acreditar nesse novo? A resposta é não. Mas esta negativa não é tão simples, como veremos a seguir.

Ao recontar o início do herói, o filme vai em busca do que aconteceu com seus pais e introduz Gwen Stacy (Emma Stone) como par romântico de Peter Parker. Com exceção desses detalhes, todo o início do novo filme parece uma repetição do filme de 2002, com os personagens vivenciando as mesmas situações, mas em circunstâncias diferentes. Da descoberta dos poderes à noção da responsabilidade que eles trazem, nada de muito diferente acontece.

Para os fãs mais conhecedores das histórias em quadrinhos, a presença da personagem Gwen é a grande novidade. Nas HQs, ela foi uma grande paixão de Peter Parker, antes dele conhecer Mary Jane, com quem veio a se casar. O destino de Gwen, todos sabem, é trágico, e este arco dramático certamente será aproveitado pela nova franquia. Como vilão, o filme apresenta outro personagem emblemático para o cabeça-de-teia. Trata-se do Dr. Curt Connor, o Lagarto, interpretado por Rhys Ifans.

Apesar da repetição, razoavelmente aceitável para uma história que está sendo recontada, o que mais prejudica o filme são os “atalhos” que o roteiro nos empurra. Atalhos criados para desembaraçar acontecimentos e fazer a história seguir adiante, mas que soam artificiais e difíceis de engolir. É como se a produção não se importasse em tramar a história de forma minimamente inteligente e articulada, criando assim coincidências e situações improváveis que simplesmente não convencem.

Mesmo com essas muletas narrativas mal arranjadas, o filme demora a engrenar, deixando a primeira parte monótona. Parte desses problemas são amenizados quando chega a ação e vemos bons efeitos especiais na tela. Contudo, o melhor dos efeitos parece ter sido economizado para o final.

É que durante os dois primeiros terços da fita, nada de muito espetacular acontece em termos de ação. Somente perto do fim o filme libera de verdade todo seu potencial, entregando finalmente alguma vertigem e emoção. Emoção que, em certo momento, repete o acerto do segundo filme da antiga franquia, quando se estabelece uma comovente relação entre o herói e alguns cidadãos de Nova York; além de revelar uma interessante vulnerabilidade do personagem, que fica sempre bastante ferido na ação.

Andrew Garfield não se mostra muito convincente como um adolescente que ganha super poderes, nem consegue uma química interessante com sua parceira romântica, Emma Stone. Mas não chega a ser uma decepção, se mostrando bastante esforçado.

Sendo inevitável uma comparação com os filmes anteriores, pode-se dizer que O Espetacular Homem-Aranha cumpre seu papel como filme de ação, mas fica ligeiramente aquém da antiga franquia. Por apresentar um produto que, com muito esforço e boa vontade, no máximo se iguala ao anterior, não parece haver razão que justifique um reboot tão cedo, a não ser pela lógica caça-níquel de Hollywood.

Isso não significa que o filme seja ruim, apesar de seus defeitos. Diz apenas que diante da filosófica questão “rebootar” ou não “rebootar”, o filme não se sustenta. Talvez fosse melhor esperar mais um pouco.
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The Amazing Spider-Man
Marc Webb
EUA, 2012
136 min.

Trailer

terça-feira, julho 03, 2012

A Era do Gelo 4


CRÍTICA PUBLICADA ORIGINALMENTE NO SITE CINECLICK

A franquia A Era do Gelo foi responsável por catapultar a carreira do brasileiro Carlos Saldanha. Codiretor do primeiro filme e diretor dos dois seguintes, o sucesso no comando das animações permitiu a Saldanha a oportunidade de tocar um projeto pessoal que resultou em Rio, animação escrita e dirigida por ele e ambientada no Rio de Janeiro.

Agora, no quarto filme, Saldanha não está mais no comando, que ficou a cargo da dupla Steve Martino e Mike Thurmeier. A mudança parece não ter afetado a qualidade que os filmes mantêm desde o primeiro episódio. Um caso raro de positiva regularidade ao longo de quatro filmes, todos muito bons.

Em A Era do Gelo 4 reencontramos o improvável bando formado pelo mamute Manny (Ray Romano/Diogo Vilela), o tigre dente-de-sabre Diego (Denis Leary/Márcio Garcia) e a desastrada preguiça Sid (John Leguizamo/Tadeu Mello). E como nos filmes anteriores, a questão da família e do pertencimento a um grupo ocupa o motivo central do filme.

No começo da aventura Manny e sua esposa Ellie (Queen Latifah/Cláudia Jimenez) estão enfrentando os típicos problemas de ter uma filha adolescente. Como toda jovem de sua idade, a garota quer liberdade, mas seu pai não lhe dá uma folga e os conflitos se agravam. Ainda na questão familiar, surgem rapidamente na história os pais de Sid, que, antes de darem no pé novamente, deixam a seus cuidados a avó caduca e encrenqueira.

Tudo piora quando terremotos causados pelos deslocamentos continentais do planeta fazem com que os animais tenham que fugir para outro lugar. No tumulto, Sid, Manny, Diego e a vovó preguiça acabam à deriva no mar sobre uma placa de gelo. Mas logo serão encontrados por um “iceberg pirata”, cujo cruel comandante fará de tudo para que se unam ao grupo ou morram, caso se recusem.

Pode-se dizer que A Era do Gelo é uma franquia de “animação de estrada”, algo como um road movie da era glacial. Isso porque em todos os filmes os animais estão sempre se movendo de um lugar a outro. Esse deslocamento constante contribui para que a aventura dos personagens tenha sempre algo de épico, o que confere emoção à narrativa e uma dimensão grandiosa. Contribui para isso a técnica impecável utilizada em todos os filmes, de texturas detalhadas e profundidade bem acabada, seja com ou sem o 3D o trabalho impressiona.

Nas travessias pelas quais passam, a lealdade entre amigos é a argamassa que une os personagens e faz com que a aventura funcione bem. Neste filme, o tom épico da viagem faz até brincadeira com a Odisseia, de Homero, como se o mamute Manny fosse uma espécie de Ulisses tentando retornar para sua esposa e filha, com direito a sereias e monstros marinhos pelo caminho.

Como animação, A Era do Gelo 4 – e também os anteriores – seduz e envolve pela dose certa de piada e drama. Seus personagens, com exceção da preguiça Sid e de alguns outros personagens periféricos, não são figuras estúpidas e tolas. São criaturas com personalidade, com uma boa história pregressa e uma pitada de drama convincente.

Claro que se trata de uma animação infantil, com toda fantasia que cabe no gênero, mas não é uma diversão abobalhada com piadas a todo custo. É, acima de tudo, equilibrada e sensata na construção tanto da aventura quanto de seus personagens. Um equilíbrio inteligente entre ação, aventura, narrativa e personagens, com espaço para todos na medida certa. O suficiente para fazer do filme uma diversão emocionante e engraçada.
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Ice Age: Continental Drift
Steve Martino e Mike Thurmeier
EUA, 2012
94 min.

Trailer

 

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