quinta-feira, outubro 14, 2010

As Vinhas da Ira


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The Grapes of Wrath
John Ford
EUA, 1940
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As Vinhas da Ira é um dos grandes clássicos de John Ford. É uma adaptação do romance homônimo de John Steinbeck, publicado em 1939. A história narra a trajetória da família Joad, que é expulsa de suas terras e se vê obrigada a migrar para a Califórnia em busca de trabalho. Os tempos são de crise, década de 30, período negro da história dos EUA. A grande depressão.

Amontoados sobre um caminhão em estado deplorável, a família vai atravessando os EUA na esperança de uma terra prometida, com trabalho farto e remuneração justa. No caminho depara-se com muito mais miséria, com muitas pessoas em situação tão paupérrima quanto a sua. É a injustiça, o preconceito, a exploração dos ricos proprietários, a violência e os desmandos de lugares onde a lei que prevalece é a lei de quem tem o dinheiro, a propriedade, o capital.

Em seu desenrolar o filme vai ganhando contornos de denúncia social. Ao expor a pobreza e as vicissitudes da família Joad e dos tipos embrutecidos que ela encontra no caminho, Ford dá seu testemunho da injustiça e da precariedade de uma sociedade individualista. Mais de uma vez personagens amparam sua truculência e insensibilidade do discurso de que precisam cuidar dos seus, de que fazem o que fazem porque também têm famílias para prover. É o descaso com o alheio e a preocupação egoísta e desumana apenas consigo mesmo.

Nesse oceano de desumanidade, a família Joad segue seu caminho, sem, no entanto, perder sua humanidade. Sabe que a fome se avizinha, que o horizonte não é promissor, mas nem por isso deixa de compartilhar a pouca comida que tem com os mais necessitados, numa das cenas mais triste do filme.

As Vinhas da Ira é um filme tocante e impressionante. Sua força permanece intacta porque mesmo 70 anos depois de seu lançamento continua sendo atual, contemporâneo. É impossível assisti-lo, ver a humilhação e a situação de miséria da família Joad e não pensar em como isso acontece ainda hoje. Inevitável não traçar um paralelo com a migração nordestina no Brasil, ou, mais atual ainda, o problema imigratório na Europa.

Ford, como sempre, impressiona pela forma de filmar. O filme apresenta uma fotografia irretocável, que em algumas cenas noturnas se utiliza de tons expressionistas, muito apropriado para o sombrio de um tempo de poucas esperanças.

Henry Fonda no papel de John Joad está simplesmente perfeito e talvez esse seja seu melhor papel no cinema. Ele encarna o filho que retorna da prisão e encontra sua gente na miséria. Seu retorno é um sopro revigorante na força da família, uma renovação de fé. Mas não á toa, antes de chegar aos seus, ainda no princípio do filme, ele encontra um pregador que perdeu sua fé e sua capacidade de levar a palavra ao coração dos homens. Essa perda, esse desligamento com Deus, logo no início do filme, simboliza a materialidade que move o homem e sua desesperança, demonstrada pelo escárnio com o próximo e pela necessidade atávica de sobreviver.

Mas o destaque desse filme fica por conta da mãe Joad. Se o retorno de John renova a família num primeiro momento, ao longo da estrada é a figura da mãe que se mostra o verdadeiro sustentáculo da família. Assim, a exuberante interpretação de Henry Fonda como o filho regresso e renovador, serve como uma cortina de fumaça, que uma vez vista atentamente se dissipará e revelará a mãe como verdadeira coluna de sustentação.

Um efeito sublime, que só Ford, na sua extrema capacidade de conduzir uma narrativa, poderia proporcionar. Mérito também da interpretação contida de Jane Darwell como mãe Joad. É em torno dela que a família encontra a liga para seguir junta, é ela o esteio de sua gente, e sua tristeza, seu desamparo nunca é por si, mas pelos seus.

O discurso final de Jonn Joad mostra uma consciência adquirida através da experiência amarga. Sintomático, também, que sua inspiração tenha vindo de um pregador que perdeu sua fé. John é o homem simples, que através do sofrimento adquiriu consciência do (des)humano e das injustiças sociais. Nas esteira dessa consciência veio o idealismo para combater e tentar mudar as coisas. Seu discurso é poético e esperançoso.

Na cena estão ele e a mãe e é exemplar que ela, mesmo não compreendendo bem o ideário recém-adquirido do filho, aceite sua decisão. Ela o faz com o estoicismo das mães que erguem grandes famílias e forma grandes homens. Afinal, a força de continuar, de seguir adiante, de saber que não há a alternativa de prostrar-se e desistir sempre foi dela. E no fundo ela sempre soube que seu filho herdara essa força e essa determinação.

Em As Vinhas da Ira, Ford, mais uma vez, realiza um grande e memorável filme.

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