sexta-feira, maio 27, 2011

Entrevista: Edu Felistoque fala de seu novo filme “Inversão”

Filme que estreia nesta sexta (27) fala sobre indistinção entre vítima e algoz.


“Você vai fazer um grande filme!”. Foi com essa afirmação profética que o diretor Edu Felistoque me recebeu ontem para uma entrevista durante a pré-estreia de seu mais novo filme, “Inversão”, que entra em cartaz hoje em São Paulo. Ao me apresentar para a entrevista, Felistoque olhou nos meus olhos muito sério e, antes que eu fizesse qualquer pergunta, perguntou: “Você já fez algum filme?”. Ao ouvir minha negativa, disparou a profecia. “Eu tenho essa percepção. Você ainda vai fazer um grande filme”.

Estávamos no saguão do Cinesesc e os convidados – amigos, equipe técnica e imprensa – começavam a encher o salão. Requisitado a todo momento para cumprimentos e elogios, se desculpa pelas interrupções, “Hoje eu estou vivendo um dia de noiva”. Edu é solícito e atencioso com todos. Abraça, beija, tira foto, agradece. Vendo que não seria possível continuar a entrevista com tantas interrupções, me pega pelo braço e diz determinado, “Vem para o banheiro comigo”. Dentro do banheiro, entre um e outro usuário desconfiado, me concedeu a entrevista.

Edu Felistoque é fotógrafo, produtor, roteirista e diretor. Com mais de 30 anos de carreira, já trabalhou em diversas produções. Foi produtor executivo do filme “400 contra 1 – Uma História do Crime Organizado”, de Caco Souza e dirigiu os longas “Soluços e Soluções”, de 2001, e “Trilhos Urbanos”, em 2007. Também é diretor da série policial “Bipolar”, exibida pelo Canal Brasil. Chega agora aos cinemas seu novo longa-metragem “Inversão”, um suspense policial que busca mostrar as inversões de papéis que muitas vezes ocorrem na sociedade e em situações limites.

O diretor conta que a ideia para o filme ocorreu alguns anos atrás, quando ouvia uma música de Nando Reis gravada pela Cássia Eller que dizia “o mundo está ao contrário e ninguém reparou”. Sentiu que havia uma grande verdade naquela frase. Nascido na zona leste de São Paulo, no bairro da Água Rasa, diz que desde jovem sempre achou as pessoas bem vestidas mais perigosas do que as pessoas mal vestidas. “Eu estou mais preocupado hoje como os homens de casaca, do que com os manos da rua”. Foi a partir dessa reflexão que surgiu o roteiro de “Inversão”, assinado por Felistoque em parceria com Maurício Fernandes.

Felistoque acredita que a imprensa tem dado muito mais atenção ao crime da periferia do que ao crime do colarinho branco. “Eu percebo que tem por aí uma coisa muito maior do que aquilo que a gente vê no telejornal”. Ele ressalta a desigualdade com que a justiça trata criminosos de diferentes classes sociais.


Cita, como exemplo, o caso do jornalista Pimenta Neves, réu confesso do assassinato da e ex-namorada a também jornalista Sandra Gomide e que permanecia em liberdade até dias atrás, onze anos após o crime. “Se fosse um garoto da periferia, que não teve a menor chance junto à sociedade, no ato ele vai pra cadeia. Isso se não for executado antes por policiais”.

Perguntado se “Inversão” pode ser considerado um filme político, responde imediatamente que sim e enfatiza: “A gente precisa chocar a sociedade. A classe média falida precisa tomar um choque elétrico”. Diz que embora seja uma ficção, o filme tem muito de documental, de histórias que realmente aconteceram. Por outro lado, Felistoque faz ressalvas quanto ao teor político do filme. Afirma que a narrativa tem duas camadas, por cima está o entretenimento, pois é preciso trazer público para o cinema, mas por baixo há a camada de reflexão da sociedade, da inversão de valores. “Eu quero que o cara venha, compre uma pipoca, assista ao filme, depois saia para jantar e discutir o filme. Para com esse negócio de vem, compra uma pipoca, dá uns beijos na namorada e vai embora sem pensar. Não cobro isso do público, mas acho que meu filme é pra isso.”

O diretor diz não se incomodar com opiniões negativas da crítica. Afirma que o primeiro crítico do filme é ele mesmo e por isso não vê porque reclamar da crítica, pois é isso gera debate e é de debate que ele gosta. Fala também de um caso curioso que ocorreu quando o filme foi exibido no Festival de Toronto, onde ganhou o prêmio de melhor trilha sonora. “Um desconhecido chega para mim e fala: ‘no seu filme, você coloca os bandidos no lugar certo’. Tremi. Depois tentei achar o cara e não consegui.”

Sobre as cenas gravadas no meio da mata, diz que elas são grande parte do que ele considera documental, não apenas na história, mas no registro das imagens. Conta que fechou com o elenco que iriam sofrer naquelas cenas e que todos estavam empenhados em fazer o filme e passar para a tela toda a verdade da situação. “Eu não queria uma Gisele Itié linda e maravilhosa, eu queria uma Gisele Itié sofrida”.

Quando perguntado sobre o próximo projeto, desconversa, mas depois de alguma insistência, entrega a dica. “Anota aí: ‘Photografia’ – com ph – ‘A Coisa de Maluco’. Com Daniel Oliveira e Daniela Escobar. É tudo que posso adiantar.” 

No final, retoma a questão política do filme e da sociedade. Diz que ao ver as chacinas, os tribunais de justiceiros que promovem execuções, sempre se pergunta se isso não é reflexo da sociedade que está cansada de esperar pela justiça lenta e ineficiente. E pergunta: ”Será que a sociedade, ao matar seus supostos algozes, não está agindo em legítima defesa?”. É dessa inversão que o filme também fala, finaliza o diretor.
--

0 comentários:

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger