sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Albert Nobbs




Rodrigo García
Reino Unido/Irlanda, 2011
113 min.

Chega hoje aos cinemas o sensível e peculiar drama Albert Nobbs. No filme, travestida de homem, a atriz Glenn Close faz uma das mais brilhantes atuações de sua carreira e realiza um projeto pessoal que adiou por 30 anos. Em 1982 Close interpretou o mesmo personagem-título em uma peça de teatro. Desde então alimenta o desejo de levar a história para o cinema. É por isso que além de atuar ela também produz e coassina o roteiro do filme, baseado no conto A Singular Life of Albert Nobbs, do escritor irlandês George Moore.
  
Na Irlanda do Século 19, conseguir trabalho era um problema para as classes desfavorecidas, especialmente para as mulheres. Foi para superar esta dificuldade que uma jovem mulher começou a se passar por homem para conseguir trabalho. Foi a maneira que ela encontrou para sair das ruas e escapar da violência, depois de fugir de um orfanato. Desde então, atende pelo nome de Albert Nobbs, um eficiente garçom, que agora, já na meia idade, trabalha em um hotel bem frequentado da cidade de Dublin.

Solitário, Nobbs esconde há décadas seu segredo. Nesses anos todos, economizou uma grande quantia em dinheiro que pretende usar para realizar o sonho de abrir seu próprio negócio. Faltando apenas seis meses de economia para conseguir seu sonho, Nobbs conhece o Sr. Hubert Page (Janet McTeer), contratado pelo hotel para alguns serviços de pintura. Logo descobre que Page é também uma mulher que se passa por homem para conseguir trabalho. Mas Hubert Page leva uma vida completamente diferente de Nobbs. Ele vive realmente como um homem, tem um lar, uma esposa e uma vida independente.

É a partir disso que Nobbs passa também a desejar uma vida normal, menos solitária, ao lado de uma esposa. Ele passa então a cortejar uma das camareiras do hotel, que aceita o cortejo apenas interessada em tirar proveito de seu dinheiro.
  
Dirigido por Rodrigo García, filho do escritor colombiano Gabriel García Márques, Albert Nobbs é um filme singular na maneira como conduz sua narrativa. Feito um espelho do personagem que retrata, muitas vezes o filme parece preso, sufocado numa espécie de claustrofobia, sensação que Glenn Close passa tão bem para a tela. Seus gestos rígidos, sua voz empostada e sua expressão dura nos dão sempre a impressão de que ela se encontra aprisionada em si mesma. É essa mesma impressão que nos passa o ritmo do filme e suas cenas.

Há nisso um desconforto, algo que pode incomodar plateias menos abertas para uma passagem de tempo mais arrastada na construção de uma trama simples, cuja sofisticação se esconde nas motivações subliminares de seu protagonista. O mesmo desconforto que pode haver também para os mais intolerantes, confusos ou incomodados com a clara afeição homossexual que as relações do filme estabelecem.

Mas mesmos os mais suscetíveis ao tempo e ao tema do filme poderão apreciar uma atuação ímpar de Glenn Close na armadura expressiva que ela construiu para realizar seu personagem. É seu trabalho de atuação o que mais nos aflige, dando-nos a perfeita sensação de rigidez, do invólucro que se tornou sua vida. Um invólucro que vai além da farsa de suas roupas, do corpo que tem suas formas naturais suplantadas por amarras que escondem curvas e nuanças. Mas também uma prisão de seus sentimentos e de seu sonho; ambos tão legítimos e naturais quanto em qualquer outro ser humano.

Lamentável apenas que atuações grandiosas como a de Glenn Close e Janet McTeer (ambas concorrendo ao Oscar) sirvam a um roteiro problemático, que atravanca a narrativa em alguns momentos por meio de personagens dispostos apenas como elementos de contraponto, sem uma real função na história. Problema este que se agrava no desfecho, desperdiçando o bom material dramático construído pelas atrizes em atuações memoráveis.

Mesmo com a fragilidade de roteiro, Albert Nobbs é feito de uma delicadeza amarga, com uma ingenuidade doce e perigosa em seu personagem-título. Mostra-se um filme estranho, capaz de confundir ou mesmo entediar. Mas é uma obra que esconde sob suas camadas mais óbvias uma complexidade tocante para quem se dispor a observá-la e assumi-la.
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