The Reader
Stephen Daldry
EUA/Alemanha, 2008
Quando um professor de direito diz que as sociedades se organizam por leis e não por conceitos morais, entrega a chave para se começar a destrinchar o que realmente há de profundo em “O Leitor”, terceiro filme do diretor Stephen Daldry. Porque os dilemas que o filme apresenta (e não são poucos ou simples) não são, necessariamente, o objeto de seu foco narrativo, ao mesmo tempo que nunca o deixam de ser. Uma complexidade ou, melhor dizendo, sutileza já explorada com talento por Daldry no magnífico “As Horas”.

Com essa mulher, muito mais madura, passa a ter um caso. Descobre o sexo, o amor e a entrega. Uma relação que alterna momentos de deleite carnal com horas de leitura, nas quais ela pede que ele leia para ela os grandes clássicos da literatura. O que o jovem Michael (interpretado na juventude por David Kross) não sabe é que sua amante fez parte, durante a Segunda Guerra, das SS nazistas, e trabalhou em campos de concentração durante o Holocausto. O momento e a forma como ele irá descobrir esse segredo o colocará diante de um dilema que o marcará por toda a vida.
“O Leitor” não é um filme de uma só camada, embora o que prevaleça seja a relação entre Michael e Hanna Schmitz (interpretada intensamente por Kate Winslet). É um filme que, através de uma ligação com o passado – e aqui o passado é mais que um fantasma a assombrar vidas, é principalmente um espelho para o qual, cedo ou tarde, todos terão que olhar –, nos coloca diante de questões profundas, complexas e dolorosas.

É esta pergunta a linha divisória entre o conforto acusatório de quem não estava lá e a realidade atroz de quem estava. Ainda que nada, em qualquer instância, justifique o horror medonho e indizível do Holocausto, tampouco se pode julgar àqueles que, com maior ou menor incisão, participaram dele, lançando mão apenas de qualquer superficialidade maniqueísta simplista. E é nesse ponto que Kate Winslet, com sua interpretação convincente e complexa, põe em desequilíbrio cômodas certezas e convicções.
Mas o filme vai ainda mais além e joga-nos outra questão moral. Durante um julgamento de membros da SS, já nos anos 60, Michael vê Hanna assumir sozinha a autoria de um documento (e a consequente responsabilidade pela morte de 300 judeus) que não poderia ser de autoria dela. Ela só assume esse fardo por vergonha de revelar um segredo íntimo. Michael sabe qual é o segredo e se vê no dilema de intervir no julgamento, em defesa de uma acusada de nazismo, ou de calar-se e deixar que ela assuma uma culpa que ele sabe não ser dela.

O grande mérito do filme é nos contrapor a essas questões como um espelho incômodo. A narrativa não se esquiva do tema da responsabilidade moral. O desenrolar dos fatos apresenta, no final, um formidável desvio de qualquer maniqueísmo fácil e superficial. Isso ocorre num diálogo entre uma sobrevivente do Holocausto e Michael, num encontro que revela, contrapõe e deforma qualquer pré-conceito quanto à mais óbvia ou mais simplista das relações de responsabilidade moral, mostrando que a consciência do indivíduo muitas vezes pode estar além ou aquém do humano ou do senso comum de certo e errado.
Stephen Daldry explora todas essas subcamadas e deixa a resposta, ou as respostas, por conta da consciência de cada um.
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