quinta-feira, março 29, 2012

Beleza Adormecida



Mais do que fonte de prazer carnal, o corpo da mulher pode ser um templo de veneração e devoção. Em parte, é sobre este princípio que se constrói o erotismo poético do clássico da literatura japonesa A Casa das Belas Adormecidas, de Yasunari Kawabata, publicado em 1961. E é o mesmo princípio que está implícito na afirmação de que a vagina é um templo, feita no filme Beleza Adormecida, que estreia nesta sexta-feira (30).

No livro de Kawabata, senhores ricos e poderosos pagavam pequenas fortunas para passar a noite ao lado de jovens adormecidas nuas. Com as jovens virgens dormindo profundamente sob o efeito de narcóticos, eles podiam tocá-las, mas nunca penetrá-las. É dessa mesma forma que as coisas se dão no filme de estreia da escritora australiana Julia Leigh.

Leigh bebe na fonte do livro de Kawabata, mas inverte o foco narrativo. Se no livro japonês a história é vista sob a perspectiva de um sexagenário frequentador da casa, em Beleza Adormecida acompanhamos o dia-a-dia de Lucy (Emily Browning, de Sucker Punch), uma das garotas adormecidas. Em ambas histórias, a tristeza e o vazio existencial é explorado sob a pincelada da beleza poética da nudez e a fragilidade do sono – e toda uma gama de onirismos derivados dessa combinação.

Lucy é uma estudante universitária que se equilibra em dois empregos, além da prostituição, para pagar suas contas. Solitária, sua única relação afetiva é com um misterioso sujeito, aparentemente depressivo e carente, que ela visita regularmente. Um dia ela responde a um anúncio de jornal para um trabalho inusitado. Na entrevista, descobre que tudo que terá de fazer é servir à mesa em jantares privados vestindo somente lingerie. Contudo, logo será cooptada para atuar como bela adormecida, trabalho que aceitará por estar precisando de dinheiro.

Em sua composição, Beleza Adormecida quer ser algo provocativo, fazendo de sua narrativa uma experiência de beleza triste, de vazio existencial. No seu desejo de ser cult, o filme deixa, propositalmente, grandes lacunas na construção da protagonista e de suas relações pessoais. Não entrega sua história, apenas dá algumas pistas. O recurso é sempre válido na construção elíptica de personagens desajustados e misteriosos, mas aqui peca pelo excesso.

As lacunas prejudicam muito o filme, não apenas por anular qualquer empatia com a personagem, mas também por transformá-la em algo indefinido, sem muita substância. Esta pretensão de mistério e enigma que o filme carrega na sua estilística acaba se transformando numa armadilha para ele mesmo. A má dosagem desses recursos, a omissão de dados que poderiam ao menos serem melhor insinuados, esteriliza grande parte da trama e de sua protagonista.

Resta ao filme a beleza de suas imagens. Sua direção de arte é equilibrada, tem apuro, e sua composição chega muito próximo de um efeito contemplativo perturbador. Porém, ao se perder nas elipses estilísticas do roteiro, o filme torna-se o vazio de si mesmo. É como deveriam ser os personagens e seus sentimentos, não a narrativa. Fica-se a impressão de um exercício desconexo, desatrelado de qualquer possibilidade insinuada, redundante na sua concepção visual como um fim em si mesmo.
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Sleeping Beauty
Julia Leigh
Austrália, 2011
104 mn.

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segunda-feira, março 26, 2012

Diário 1973-1983


No campo das experimentações cinematográficas, muito já se produziu em autobiografias filmadas. Nenhuma, contudo, com a consistência e reflexão da obra de David Perlov. Em Diário 1973 - 1983, sua obra máxima, o diretor afirma logo no início: “O cinema profissional não me interessa mais”. Inicia-se ali uma jornada, um recomeço a partir do meio. Ao encerrá-la, 10 anos depois, Perlov teria reconfigurando grande parte da estrutura do cinema documentário.


Se na literatura o gênero da autobiografia sempre foi algo simples de entender e construir – deixando de lado, claro, questões sobre ego, verdade e parcialidade –, no cinema o gênero é, por excelência, estruturalmente problemático. Mais do que a subjetivação ou objetivação da lente de uma câmera, os efeitos de real podem ser atenuados ou intensificados na edição. Manipulados, por assim dizer.

Claro que na literatura também existe tal recurso. Mas quando ele se aplica a questões imagéticas, sabemos, desde as experiências de Kuleshov, o quanto seu efeito pode ser sugestionante.  A realidade, nesse caso, se subverte, se modifica e nos ilude. Perlov – filho de um ilusionista – talvez não fuja desse poder da edição. Mas ao invés de usá-lo como ilusão, prefere sintetizar sua sensibilidade poética, sua visão de cinema e sua busca pela memória do presente. Renega, portanto, desde o início, qualquer artificialismo, qualquer truque, apesar de gostar deles, como admite.

Ruptura
Diário 1973 – 1783 é o ponto de partida de uma ruptura. De uma busca por algo diferente, que o próprio Perlov não sabe o que é. Algo que se pretende construir com o tempo, experimentando limites, de câmera em punho, através da janela de um apartamento ou voltando-se para dentro do próprio apartamento. Inaugura ali o enquadramento da vida íntima, mas logo a inserirá no contexto da vida política do país. Em seu tatear por uma forma de cinema que intui, não planeja, descobre rápido o quanto o íntimo pode dizer sobre o público.


O experimento, que se torna projeto, que se torna obra-prima. Frustrado com a frequente recusa de seus projetos de cinema por parte do governo israelense, Perlov compra uma câmera. Gesto mínimo para um diretor de filmes. No início de Diário 1973-1983, suas primeiras palavras encerram com precisão tudo que se precisa saber sobre o filme: “Maio de 1973. Eu compro uma câmera 16 mm. Eu começo a filmar por mim mesmo e para mim mesmo. O cinema profissional não me interessa mais. Eu filmo dia após dia à procura de alguma coisa. Eu procuro, antes de tudo, o anonimato. É preciso tempo para aprender a fazê-lo”.

Dez anos depois, quando finaliza o projeto, talvez ainda esteja aprendendo. Sua hesitação diminui, mas nunca termina. Seu filme tem seis capítulos e um total de cinco horas e meia. O capítulo 1 engloba cinco anos; o capítulo seis, três meses. O tempo se distende e contrai ao longo de Diário 1973-1983, ganha conotações de memória, tem sempre algo de melancolia, mas sem o ranço do piegas. Perlov resgata a si mesmo do presente, a memória não é uma corrente que o aprisiona, é apenas mais uma janela através da qual observa. Há, claro, sentimento. Mas o sentimento transporta reflexão, entendimento e pacificação.

Enquadramentos
Todo enquadramento é uma janela, um recorte. Perlov busca refletir sobre isso filmando outras janelas, outros recortes. É a realidade do possível, dentro da subtração natural que implica todo enquadramento. Uma realidade própria, íntima, e por isso mesmo muito mais verdadeira e profunda. E ela está na janela de um apartamento, na janela de um trem que o leva a Paris (ou a Belo Horizonte), na janela de uma TV ligada. As verdades e memórias de Perlov perpassam seu cotidiano íntimo, o cotidiano casual da rua no anonimato dos passantes, a memória cotidiana, que faz Paris-Belo Horizonte uma simples e metafísica viagem de trem, ou no factual noticioso da vida do país na TV.


Diário 1973-1983 constrói essa realidade sem pretensões programáticas, ideológicas ou estéticas pré-concebidas. Sua estética primeira é a vida, as pessoas, o presente. Rejeita com veemência o cinema de conformação de Israel. Ressalta que não quer filmar ideias, quer filmar pessoas.

Nesse propósito e afinco, não deixa nunca de dar a dimensão histórica de seu filme e de seu tempo. Desde a Guerra do Yom Kippur, que eclode no início do primeiro capítulo, até a guerra com a Líbia a dimensão política nunca diminui. Mas Perlov não a abstrai ou dilui dentro de um macro universo de acontecimentos nacionais. Ela a humaniza, ele a personifica no rosto do manifestante da rua.

Reintera sua concepção de cinema e vida ao filmar a TV que filma a guerra. Diz que é a primeira vez que os pais podem ver seus filhos na guerra. Agora há os rostos dos soldados no campo de batalho, transmitidos ao vivo, diretamente para seus pais que os veem em casa.

Dez Anos
Dez anos de imagens condensadas em cinco horas e meia. O que poderia facilmente enveredar pela monotonia, redundância ou irrelevância, se torna um monumento poético, crítico e de uma substância gigantesca. Em tudo, o que mais salta aos olhos e ao sentimento é a sensibilidade de Perlov, sua capacidade de capturar o que a vida tem de dignificante na simplicidade e o que tem de fundamental no registro histórico. Seu paralelo público/privado se desconstrói e se cruza, se engalfinha com a vida e com sua verdade de beleza, tristeza, saudade, dor, revolta, indignação, esperança, crescimento e memória. Nunca é piegas, nunca é dissimulada. É vida, todo o tempo.

Passar pelas mais de cinco horas de Diário 1973-1983 não é uma simples travessia. É adentrar na experiência da memória e do afetivo. É transpor-se para além de um paradigma autobiográfico e encontrar uma nova forma e uma nova realidade. Não se trata de simples revolução, mas uma nova percepção. Uma janela aberta, pela qual olhamos para descobrir outras janelas. Janelas que nos levam a recortes do real, capazes de afetar nossa compreensão e nosso sentimento do mundo e da vida.
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Assista trecho:

sábado, março 24, 2012

Shortbus


“É como nos anos 60, mas com menos esperança”, diz Justin Bond diante da sala repleta de pessoas fazendo sexo em todas as combinações possíveis. Há nesta frase um toque de melancolia. Não em relação ao sexo e ao prazer que se busca naquela sala, mas em relação a ter de buscá-lo tão secretamente. Se nos anos 60 o sexo livre tinha algo de libertário e até de ingenuidade, nos anos 2000 ele pode ser um refúgio da contraliberdade dos tempos vigiados, sem ideais de mudar o mundo, mas com a simples proposta de se sentir livre de verdade.

Isso porque há algo de aprisionamento nos distintos sentimentos que ligam os personagens desta história. Em uma Nova York moderna, pessoas buscam a satisfação que as liberte, mas muitas vezes não sabem onde está a saída para esta liberdade. É essa angústia velada que as levarão a se encontrarem no Shortbus, um lugar no qual nada é censurado, desde que realizado com afeto e sinceridade.

Sofia (Sook-Yin Lee) é uma terapeuta sexual casada com Rob (Raphael Barker), um sujeito pacífico e sintonizado com o modo de vida zen da esposa. Mas Sofia tem um problema que a atormenta. Ela não consegue ter orgasmos. Nunca. E teme dizer isso ao marido com receio de ferir seus sentimentos.

Noutro ponto da cidade, James (Paul Dawson) e Jamie (PJ DeBoy) são, aparentemente, um harmonioso casal gay. Mas James, fechado e melancólico, parece esconder algo de seu parceiro enquanto faz um filme amador. Além disso, sem que nenhum dos dois saiba, um vizinho do prédio ao lado tem vigiado e fotografado a rotina dos dois.

Há ainda a dominatrix Severin (Lindsay Beamish), que atende clientes ávidos por serem subjugados, espancados e humilhados. Ela, no entanto, sente dificuldade em se relacionar com pessoas e sua satisfação sexual só ocorre de forma solitária.

No cruzamento das histórias, que terão no Shostbus seu ponto em comum e a subsequente irradiação e desdobramento, pode-se prever um filme esquemático de desfecho óbvio. E embora parte dessa previsão se confirme, o modo como o diretor John Cameron Mitchell (do ótimo Reencontrando a Felicidade) conduz sua narrativa passa ao largo do esquemático. Sua fluidez até começa travada, como são seus personagens, mas logo o filme desliza suavemente, nos proporcionando delicados momentos de catarses íntimas.

O diretor não evita alguns maneirismos de iluminação para enfatizar a beleza das descobertas pessoais que os personagens terão, bem como a dureza dessas descobertas. Mas o faz de forma suficientemente discreta para não atrapalhar esses momentos de revelações e sentimentos. Em meio a crises existenciais, sentimentais e sexuais, Shortbus ainda encontra espaço para aquele tipo de humor hesitante, quando o riso se mistura a um sentimento de compaixão e estranheza, um tempero que dá ao filme o sentimento da vida real.

Mesmo que seus dramas sejam dramas superficiais travestidos de algo mais profundo e que muitas respostas para esses dramas sejam simples e óbvias, o filme consegue criar uma atmosfera que une perturbação e sensibilidade. Seus personagens são carismáticos, conectados com o público, de fácil entendimento e empatia. E isso é algo difícil de se conseguir com histórias e sexualidades tão diferentes para os padrões caretas do nosso tempo.

Com ares de fábula sexual em alguns momentos, Shortbus encontra nas suas entrelinhas questões pertinentes para uma discussão aberta sobre sexualidade e liberdade sexual. Mas não se coloca como provocador – apesar das muitas cenas com genitálias no quadro, o que pode ser sempre polêmico para os mais intolerantes. Sua vocação é a da descoberta delicada, do despimento da hipocrisia e aceitação de si mesmo e de seu prazer. Nesta composição, alcança momentos de grande beleza e sentimento na construção de um clima cheio de suavidade e cumplicidade.

Se há menos esperança no desafogo da liberação dos frequentadores do Shortbus, também há menos ingenuidade. É o que revelam as palavras de um personagem ao afirmar que antes queria mudar o mundo, agora quer apenas sair dele com alguma dignidade. Esta dignidade talvez não diga respeito a como os outros nos veem, mas como nos sentimos sobre nós mesmos.
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Shortbus
John Cameron Mitchell
EUA, 2006
101 min.

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quinta-feira, março 22, 2012

Pina em 3D


Em seu romance Estorvo, Chico Buarque se sai com essa: “E eu me pergunto, quando ela sobe a escada, se não é um corpo assim dissimulado que as mãos têm maior desejo de tocar, não para encontrar a carne, mas sonhando apalpar o próprio movimento". A abstração que Chico cunhou com as palavras não está distante da abstração que o diretor alemão Wim Wenders cunhou com as imagens tridimensionais de Pina, filme que estreia nesta sexta-feira (23).

Diferente do que ocorre com boa parte dos filmes em 3D – cujo efeito pouco ou nada acrescenta à narrativa e à experiência do filme – em Pina ele faz toda diferença. É a delicada conjunção entre efeito tridimensional e dança que possibilita ao público uma experiência sensitiva. Uma inusitada e sensorial oportunidade de “apalpar” os movimentos concebidos pela coreógrafa alemã Pina Bausch, a quem o filme homenageia.

Falecida em 2009, aos 68 anos, Pina foi por 36 anos diretora artística do Teatro de Dança de Wuppertal, uma próspera cidade no interior da Alemanha. Nos anos 70, Pina Bausch rompeu alguns paradigmas da dança ao incorporar elementos de teatro a suas coreografias. Desde então, se tornou uma das mais reverenciadas coreógrafas do mundo.

Fugindo de qualquer didatismo biográfico, o documentário de Wenders prefere falar de sentimentos e dança. Ao fazê-lo, usa o idioma de sua homenageada, cuja gramática está no corpo e no movimento, não nas palavras. Assim, o filme alterna breves depoimentos dos bailarinos de sua companhia com trechos de apresentações em teatros, ao ar livre e pela muitas vezes insólita cidade de Wuppertal. O que se vê são imagens belíssimas, cuja riqueza dos movimentos e das cores são amplificados pelo efeito 3D.

Como uma declaração de amor do diretor para a coreógrafa, o filme expressa os diversos sentimentos humanos através da dança, exaltando o brilhantismo e sensibilidade de Pina em conceber suas coreografias. Mesmo nos momentos de palavras, quando ouvimos os breves depoimentos dos bailarinos, há uma forte imagem que se constrói dessa sucessão de falas. A imagem da diversidade, do universal da dança, traçada pelos múltiplos idiomas, pelas diversas etnias presentes no corpo da companhia de dança desenhada por Pina.

Com uma rara riqueza no uso da imagem e graças à aplicação inteligente do efeito 3D, em Pina não estão apenas as imagens, as cores e os movimentos concebidos pela coreógrafa. Mas também muito de sua textura e densidade, tão intensas, que é como se pudéssemos apalpá-las.
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Pina
Wim Wenders
Alemanha/França/Reino Unido, 2011
103 min.

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sábado, março 17, 2012

Anderson Silva: Como Água



Ao final da sessão para imprensa de Anderson Silva: Como Água, alguém disse: “Entrei sem saber nada dele e saio do mesmo jeito”. Neste documentário sobre o lutador brasileiro, a falta de dados biográficos talvez seja a “guarda baixa” que mais chama atenção. Mas quem conhece o histórico de lutas de Anderson Silva sabe que guarda baixa não é um problema para ele, que gosta de baixá-la e exibir sua ágil esquiva. Como Água não se sai tão bem quanto seu personagem, mas dá conta do recado por outras vias.

Para quem não sabe, Anderson Silva é campeão dos pesos médios do UFC (Ultimate Fighting Championship), a entidade mais bem sucedida da história na organização de eventos com lutas de MMA (Mixed Martial Artes). Dentre todos os contratados do UFC, Silva é um dos que mais se destaca. Ele vem ganhando aura de lendário por deter o título de campeão desde 2006 e por já tê-lo defendido em nove ocasiões, todas com vitória; algumas delas espetaculares; outras, polêmicas.

No documentário dirigido pelo estreante Pablo Croce, a falta de um aprofundamento na história e personalidade de Anderson Silva pode decepcionar alguns. Mas Como Água tem uma proposta clara e específica. Trata-se do registro da preparação de Silva para uma luta que se tornaria histórica, contra o americano Chael Sonnen, que aconteceu em agosto de 2010. Não por acaso, o documentário chega às telas poucos meses antes da revanche entre os mesmos lutadores, que deve ocorrer em junho deste ano aqui no Brasil.

Caça-níquel ou não, o filme tem ingredientes para fazer a alegria dos fãs do MMA. E mesmo quem pouco conhece desse universo pode sair da sessão surpreso pelo quanto de cinematográfico houve no desenrolar dos fatos. A começar pela polêmica luta anterior de Anderson Silva que abre o documentário. Por apresentar uma postura desdenhosa em relação a seu oponente, Damian Maia, e por sua atitude pouca combativa, Silva foi duramente criticado pela imprensa. Mas seu maior crítico foi Dana White, o poderoso presidente do UFC, que ameaçou cortá-lo da entidade caso perdesse a próxima luta.

A outra polêmica surgiu justamente de seu próximo adversário: Chael Sonnen. O americano passou a disparar ofensas e provocações contra Anderson Silva, criando um forte clima de animosidade. É com um apanhado desses fatores, mais os bastidores da dura rotina de preparação do atleta para a luta, que se constrói o documentário. E é justamente por ser um “apanhado” que o resultado é bastante irregular.

O filme abre com algum impacto e emoção. Nos introduz de imediato ao fenômeno Anderson Silva logo após uma citação na figura de Bruce Lee, que justifica o título Como Água. Segundo o mítico lutador de Kung Fu, um praticante de artes marciais deve ser como a água, sem forma rígida e adaptável a qualquer situação. Começando com alta voltagem, mostrando nocautes e golpes de Silva. Depois, passa à polêmica, em seguida à preparação propriamente dita. Então começa a cair.

Na verdade, a irregularidade de Como Água é bastante regular. Isso porque o filme vai gradativamente caindo no quesito interesse à medida que vão se inserindo sequências que não acrescentam nada à narrativa e, possivelmente, estão ali para dar estofo à duração do filme (que tem apenas 76 minutos), evitando que saísse como um média-metragem.

O desinteresse que resulta desse miolo do filme é justamente fruto de uma não abordagem mais próxima da figura de Anderson Silva. Uma opção que poderia dar uma interessante perspectiva à narrativa. Ao invés disso, seguem-se rodeios que não levam a nada, passagens que chegam ao ponto da desconexão com o todo do filme. Chegando ao meio, o filme está em baixa, mas então começa novamente a se erguer ao voltar-se para a luta, para o desafio iminente.

Mesmo que o resultado final seja conhecido, a forma como os fatos se deram garantem emoção e têm, sem dúvida, traços de roteiro de cinema. A luta entre Sonnen e Silva torna-se histórica e sua dramaticidade é bem aproveitada pela montagem que culmina com o combate. Neste ponto, Como Água empolga e surpreende.

Para os opositores dessa modalidade de luta, o filme será visto apenas como um pastiche sobre a barbárie dessa competição. Para fãs – ou mesmo expectadores esporádicos – o filme poderá despertar emoções e mostrar como a vida real pode parecer cinema. Nada disso oculta seu oportunismo de momento, nascido da revanche entre os dois oponentes. E também como mais um esforço para ampliar mitificação em torno de Anderson Silva, que cada vez mais extrapola o octógono do MMA para se tornar uma celebridade e um fenômeno midiático.
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Like Water
Pablo Croce
EUa, 2011
76 min.

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sexta-feira, março 16, 2012

Shame


Não falta material para polêmica em Shame, novo filme do diretor britânico Steve McQueen (que, registre-se, não tem nada a ver com seu homônimo, o ator norte-americano falecido em 1980). O McQueen de quem falamos fez sua estreia como diretor em 2008 com Hunger, um filme que dividiu a crítica e gerou polêmicas. De forma crua e escatológica, o filme retratava a greve de fome que Bobby Sands, ativista do IRA (Exército Republicano Irlandês), realizou nos anos 80 em protesto contra o governo da primeira ministra britânica Margaret Thatcher.

No sentido visual, Shame não causa o mesmo impacto de repulsa que Hunger. Por outro lado, o drama de seus personagens é suficientemente intenso para nos fazer sair do cinema atingidos pela força das imagens e dos desdobramentos da trama. Um efeito que deve à excelente atuação de Michael Fassbender (o Magneto de X-Men: Primeira Classe) grande parte de seu poder atordoante.

Já há algum tempo elogiado por seu talento como ator, Fassbender interpreta aqui Brandon Sullivan, um executivo bem sucedido viciado em sexo. Sem conseguir conter seus impulsos sexuais, ele consome pornografia diariamente, faz sexo com estranhos, masturba-se no trabalho e frequentemente contrata prostitutas para satisfazer-se. Mas o que pode parecer um filme orgiástico, repleto de cenas pornográficas, é na verdade uma trama que trabalha também a sugestão, o implícito. Não que não tenha cenas de sexo e nudez, mas a gravidade dos acontecimentos são construídos mais pelas lacunas de sexo do que pelo explícito dos atos cometidos.


McQueen cria em seu filme um equilíbrio eficaz entre a sordidez da rotina de um dependente de sexo - com sua contínua degradação - e a psicopatologia que o afeta de forma irreversível e penosa. Neste universo sombrio, o estopim da trama inicia-se com a chegada da irmã de Brandon, interpretada por Carey Mulligan (de Drive). Ela é Sissy, uma cantora da noite que está sem ter onde morar depois que terminou com o namorado. Sua inadvertida aparição na vida de Brandon dá-se inicialmente como um pêndulo que oscila entre o desconforto e a tensão, passando pelo carinho.

Como seu irmão, Sissy também apresenta desvios emocionais. Mas os delas se revelam na carência afetiva e nas marcas de lâminas que traz nos pulsos. Parte da intensidade do filme se dá pela relação ambígua entre Sissy e Brandon, uma ambiguidade que surge de impacto desde a primeira aparição dela na tela. Da frieza com que ele a trata à forma como ele a olha, a premissa do incesto vagueia pela química entre ambos; nos gestos de afeto dela e nos confrontos exasperados dele.

É a entrada da irmã na vida de Brandon que parece desencadear uma perturbação maior em seu distúrbio emocional, levando-o primeiro a uma busca afetiva concreta e depois a uma queda em espiral rumo ao mais degradante em seu vício. É pungentemente triste perceber sua inaptidão para as relações sociais afetivas, assim como seu invólucro superficial de dependência, no qual o prazer imediato parece ser a única forma de escape e alívio.


Esta complexidade do personagem é explorada de forma brilhante pelo diretor. Em especial na sequência em que Brandon demonstra toda sua inabilidade em lidar com afetividade durante um desconfortável jantar com uma mulher. O desenrolar desse encontro será a constatação da patologia grave que o afeta, ao mesmo tempo que com outros fatores o levará à espiral degradação.

Quando arrastado pelo redemoinho de uma noite em busca de satisfação, será a voz desesperada de sua irmã, gravada na secretária eletrônica, a única pista do que os fez na vida adulta cair na repetição da eterna insatisfação e inalcançável plenitude. “Nós não somos pessoas más. Apenas viemos de um lugar ruim”, diz Sissy, entregando uma tênue chave para que se compreenda o drama de ambos. Mas esta chave e os acontecimentos seguintes não se definem como a catarse final necessária à redenção e ao recomeço. Fica apenas a incógnita do plano final, uma troca de olhares e a expectativa interrompida entre o desejo e a razão.
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Shame
Steve McQueen
Reino Unido, 2011
101 min.

Trailer

quinta-feira, março 15, 2012

Projeto X – Uma Festa Fora de Controle


Projeto X surgiu como um filme-incógnita. Não apenas pelo “x” do título, mas pelo conteúdo estranho que seus trailers exibiam: cenas de uma festa com aquela estética de comercial de vodka. Mas quando o filme completo se revelou em sua dimensão de absoluto descontrole, surpreendeu imensamente. E causou risos como há muito tempo eu não via – e não ria – em uma plateia de cinema.

Não há nada de genial ou original na composição desta comédia sobre descontrole e ímpeto juvenil. Nem mesmo em sua estrutura, que recorre ao batido recurso da câmera amadora filmando tudo o tempo todo como registro de fatos reais. Este recurso, aliás, já serviu como artifício para impingir às imagens e às histórias uma aura de verdade, de realidade documentada. Hoje, se apresenta apenas como uma muleta que invariavelmente apresenta buracos estruturais e não convence ninguém. Mas até isso funciona de forma integrada em Projeto X, não como um recurso articulado, mas como um efeito intensificador do absurdo.

Thomas (Thomas Mann) está fazendo aniversário; 17 anos. Seus pais vão viajar no final de semana e o jovem, fortemente influenciado por seu amigo Costa (Oliver Cooper) e auxiliado pelo gordo JB (Jonathan Daniel Brown), pretende dar uma festa em sua casa. É claro que seus pais desconfiam disso, mas consideram o filho e seus amigos tão pouco descolados que simplesmente não cogitam que a coisa vá além de algumas pizzas, videogame e meia dúzia de amigos bobocas.

Mas a ideia de Costa é fazer uma festa para mudar a imagem que ele e seus amigos têm na escola. É a chance de se tornarem populares e conseguirem ficar com aquelas garotas que nem sabem que eles existem. Contudo, nenhum deles poderia imaginar que a notícia da festa se espalharia de forma tão rápida e muito menos a proporção catastrófica que as coisas tomariam.

Abusando de piadas sexistas e dando um dedo médio para o politicamente correto, Projeto X abre com uma mensagem se desculpando com as autoridades locais pelo que vai ser mostrado a seguir. Seus 20 minutos iniciais, que mostram os preparativos para a festa, causaram mais risos do que a maior parte das comédias lançadas no ano passado. É besteirol, mas um besteirol que articula e resgata um tipo de irresponsabilidade e excitação juvenil que qualquer um que tenha sido jovem já sentiu. Por isso é engraçado, porque é catártico e porque é realizado com autenticidade, em um tom espontâneo e convincente.

Por ser sexista, pode não agradar ao sexo feminino, que não compartilha do mesmo tipo de humor desbocado e safado que o filme promove. O que, como bem lembrou um amigo crítico, não é diferente da relação masculina com Sex and the City. Talvez para amenizar a resistência do público feminino o roteiro de Projeto X apresenta seu grande defeito quando em meio à anarquia coloca uma dose de sentimentalismo. O “alívio romântico” acaba por desvirtuar o que o filme tem de melhor que é sua anticaretice e total entrega ao anárquico e irresponsável.

Mesmo com esta falha, Projeto X se sai muito bem como comédia. Sem grandes pretensões, atualiza um gênero que tem em sua linhagem filmes como A Última Festa de Solteiro e Curtindo (1984) a Vida Adoidado (1986). Tem personagens impagáveis e um desdobramento de proporções absolutamente inesperadas. É de todo absurdo monumental que vem grande parte de seu humor e talvez um certo fascínio pelo tom lendário que a festa e os personagens vão tomando. E além de boas gargalhadas, há o assombro, que cresce cada vez que se percebe o quanto uma simples festa vai se tornando um evento de descontrole sem precedentes.
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Project X
Nima Nourizadeh
EUA, 2012
88 min.

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quarta-feira, março 14, 2012

Habemus Papam


A cena final de Habemus Papam é feita de uma gravidade trágica. Nela, amarra-se de forma brilhante os laços dispostos ao longo do filme. Levado com o humor cínico e mordaz do diretor italiano Nanni Moretti, mas cercado de uma melancolia doce e sincera, seu desfecho – que naturalmente não será revelado aqui – se dá como uma súbita revelação. É operístico, grandioso e se avoluma dentro dos corações – crentes ou não – como um peso decididamente insuportável. O peso que carrega um Papa.

O filme abre com o funeral de um Papa. Passados os ritos, é hora de eleger um novo sumo pontífice. Começa o conclave para a eleição do novo Papa e desde já o diretor destila seu humor crítico, presente na abordagem das sutilezas dos cânones católicos e seus fiéis representantes. Mas também desde já se percebe que a grita silenciosa geral é de prece rumo a Deus: todos pedem para não ser o escolhido. Na graça cômica da prece está o drama real. Ser Papa é fardo para poucos.


Quando finalmente o cardeal Melville (Michel Piccoli, em uma interpretação sensível e comovente) é escolhido novo Papa, todos os demais se sentem aliviados. Mas na hora de aparecer para os fiéis na sacada da basílica de São Pedro, o Papa recua e com um grito desesperado foge, deixando todos atônitos. Diante do peso da responsabilidade, Melville sofre uma crise de estresse.

Com o anúncio do novo Papa em suspenso, resta ao Vaticano fazer de tudo para convencer o Papa e se anunciar Papa. Sem sucesso, chama-se um psicanalista renomado, interpretado pelo próprio Moretti. Mas a dificuldade em uma análise reservada de seu paciente torna impossível seu trabalho. Pior para o psicanalista, que de repente se vê preso dentro do Vaticano, já que por saber a identidade do novo Papa, só poderá sair quando este for oficialmente anunciado.

É para passar o tempo no cárcere eclesiástico que o psicanalista organiza então um torneio de voleibol entre os cardeais, enquanto o Papa pede mais tempo para conseguir se apresentar como líder da fé católica. Moretti equilibra então o miolo de seu filme entre a leveza do humor inesperado de cardeais para lá de sexagenários em um disputado torneio de vôlei e a angústia que transborda na figura do Papa.


Tudo se representa pela feição e figura de Melville. Está no seu rosto o peso todo. Há em seus ombros uma Igreja, toda uma crença com seus milhões de seguidores. Feito farol desse povo, enverga sobre o peso de tanta fé. Perde-a de si mesmo, embora não de Deus, e se sente oprimido. Nas coisas simples da vida mundana, no resgate de um sonho juvenil, reencontra-se. Mas nada que seja suficiente para leva-lo a um cume verdadeiramente alto e guiar um povo. Reencontrado de si mesmo, percebe seu destino verdadeiro e finalmente se dispõe a assumi-lo, mesmo que isso lhe custe muito caro.

A riqueza do filme de Moretti está no leve absurdo dos eventos e na ironia da situação. Mas também muito se deve à força melancólica da solidão de Melville. É a partir desses elementos que o diretor constrói um drama inusitado com grande sensibilidade. Fino, de humor agridoce e com atuações inspiradas, Habemus Papam se sai como uma experiência humana acima de tudo. Está aí, imiscuída em uma sutil delicadeza melancólica, a crítica de Moretti à igreja e ao peso que esta impõe inadvertidamente a seus fiéis, sacerdotes e a si mesma.
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Habemus Papam
Nanni Moretti
Itália/França, 2011 
102 min.

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Guerra é Guerra



O trio do elenco principal é de fazer suspirar moçoilas e rapazotes: Chris Pine (o capitão Kirk na nova franquia Star Trek), Tom Hardy (de A Origem) e Reese Witherspoon (de Água para Elefantes). Contudo, apesar de tanto charme e simpatia, não sobra muita coisa de interessante nesta comédia de ação feita com pouca ação e quase sem comédia.


Tuck (Hardy) e FDR Foster (Pine) são dois agentes especiais da CIA. O primeiro é separado da esposa e tem um filho de 8 anos. O segundo é solteiro e leva uma vida de playboy sofisticado quando não está a serviço do governo. Ambos se sentem solitários, pois não encontram mulheres que os completem em um relacionamento. A solidão sentimental também afeta Lauren (Witherspoon), que trabalha testando a resistência e funcionalidade de produtos domésticos.


O caminho dos três se cruza após uma amiga de Lauren, sem que esta saiba, fazer um perfil bastante ousado da amiga em um site de relacionamentos. Por uma série de acasos, os dois agentes, temporariamente suspensos depois de uma ação desastrada, passarão a sair com Lauren ao mesmo tempo. Quando descobrem que estão interessados na mesma garota, começam uma competição para ver quem fica com Lauren.

Com um roteiro inexpressivo – que passa tempo demais andando em círculos sem avançar –, o filme traz os exageros típicos do gênero. Como quando ambos agentes colocam o aparato tecnológico da agência do governo para atrapalhar um ao outro e impressionar a garota. As cenas de ação que se poderia esperar ficam restritas ao início e ao final do filme. Já as piadas, dentre as poucas que há, perdem qualquer graça pelo tamanho do clichê de que são carregadas.


Em uma trama monótona em que nem o charme e beleza dos atores segura a atenção, sobressai-se apenas as participações na trama da amiga de Lauren, Trish (Chelsea Handler). É de sua atitude politicamente incorreta e desbocada que sai algumas piadas capazes de produzir alguma graça. Na verdade, parece vir do politicamente incorreto as boas partes do filme. Como na cena em que um dos agentes, para impressionar a garota, entra ensandecido em uma amistosa arena de paintball.

Do restante do filme, não sai nada muito engraçado ou divertido. Apenas a repetição e a monotonia.
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This Means War
McG
EUA, 2012
97 min.

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sexta-feira, março 09, 2012

W.E. - O Romance do Século


Arrisca-se, pela segunda vez, a cantora Madonna na direção de um longa-metragem. A primeira, em 2008, foi com a comédia Filth and Wisdom, que nem chegou a ser lançada por aqui e não obteve sucesso nas bilheterias. Desta vez, a pop star ataca com uma história verídica narrada em paralelo com outra ficcional; duas histórias que se passam em épocas totalmente diferentes.

A primeira, se passa nos anos 30 do século passado. Madonna recria à sua maneira o romance que levou um rei a abdicar de seu trono. É a história de Edward, (James D'Arcy), Príncipe de Gales, herdeiro do trono da Grã Bretanha, e Wallis Simpson (Andrea Riseborough), uma mulher duas vezes divorciada. Após assumir o trono, em 1936, Edward não abre mão de se casar com Wallis, algo que a Igreja Anglicana e a família real nunca tolerariam. Sofrendo pressões de diversos lados, o rei abdica do trono em favor de seu irmão George - o rei gago cuja história foi contada em O Discurso do Rei (2010).

A segunda história se passa nos anos 90, quando conhecemos Wally Winthrop (Abbie Cornish), uma mulher sofisticada cujo casamento com um renomado médico de Nova York não vai bem. Infeliz com o marido sempre ausente e com a dificuldade em conseguir engravidar, todos os dias ela passa horas em uma exposição para leilão de objetos pertencentes à Wallis e Edward. Fascinada pela história do casal e fragilizada por suas insatisfações pessoais, ela conhece o charmoso segurança da exposição Evgeni (Oscar Isaac), com quem passa a conversar frequentemente.

Ao contrário do que ocorre em filmes que usam o recurso de contar histórias paralelas no tempo, o filme de Madonna é exemplar em seguir a definição do termo paralelo. Isso porque em nenhum momento as histórias ganham algum ponto de contato ou aproximação, exceto pelo expediente forçado da obcessão de uma das protagonistas uma com a história da outra.

A transferência por identificação que ocorre da mulher dos anos 90 para a mulher que ela imagina ter sido a Wallis dos anos 30 é um ponto frágil demais para sustentar o contato entre as histórias, que nunca se conectam de verdade. Dessa forma, o recurso soa artificial e forçado, criando um ruído toda vez que a narrativa se alterna.

Isoladas, ambas histórias são também frágeis. Madonna romantiza em excesso a relação de Edward e Wallis. Distorce fatos históricos para criar um drama no qual a figura feminina é a grande vítima, aquela que carrega o maior peso de toda a renúncia do casal. Mas é a segunda história o elo verdadeiramente fraco da narrativa. Sua protagonista e seu drama carecem de um conflito construído de forma convincente. Na forma como é apresentado, a inconsistência das situações revela a fraca sustentação dramática, necessária para convencer como drama e criar empatia.

Na direção, Madonna abusa de alguns maneirismos que não acrescentam nada ao filme e servem apenas como um exercício estético cafona. Isto transforma W. E. – O Romance do Século em um filme pretensioso, cuja fotografia e direção de arte bem trabalhados tentam esconder a falta de substância da narrativa. Falta conflito, falta construção de personagem, falta convencer.

Em vez disso, o que se vê é uma produção arrastada, com uma total falta de ritmo, cheia de passagens que não levam a narrativa adiante, tornando a experiência monótona e cansativa. Longo demais, é excessivo na resolução das tramas, acrescentando, perto do fim, uma série de camadas enfadonhas para amarrar o desfecho. Para quem já foi casada com um diretor bastante bom (Guy Ritchie), Madonna parece longe de um amadurecimento como diretora.
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W.E.
Madonna
Reino Unido, 2011
119 min.

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sexta-feira, março 02, 2012

Billi Pig


Roteiro e pé-na-jaca são os dois grandes problemas de Billi Pig, filme nacional que estreia nesta sexta e traz no elenco Selton Mello, Grazi Massafera e o veterano Milton Gonçalves. O filme é a primeira incursão do diretor José Eduardo Belmonte na comédia e em uma grande produção. Conhecido – e até cultuado – por fazer um cinema independente, que explora dramas existenciais e personagens deslocados no mundo – como em Meu Mundo em Perigo (2007) e Se Nada Mais der Certo (2008) – Belmonte dá uma guinada e arrisca uma homenagem às antigas chanchadas de Oscarito e Grande Otelo. Mas com um roteiro frágil e alguma hesitação em atolar de vez o pé na jaca, o filme fica no meio do caminho, sem alcançar a graça e o escracho indispensáveis ao riso.

Billi Pig é o nome do porquinho de brinquedo de Marivalda (Grazi Massafera). Ele a acompanha desde a infância e é seu maior confidente e também voz de sua consciência, com quem ela conversa regularmente. Casada com Wanderley (Selton Mello), ela sonha em se tornar atriz e ter uma vida de glamour e estrelato, embora não tenha nenhum talento para atuar. Seu marido, um fracassado e gaiato vendedor de seguros que monta um escritório na garagem de casa, não sabe o que fazer para dar à esposa a vida que ela sonha. É quando ele vê em um falso padre milagreiro (Milton Gonçalves) a possibilidade de aplicar um golpe em um desequilibrado e desesperado traficante local, interpretado por Otávio Muller.


A falta de um roteiro consistente, indispensável mesmo em uma comédia popular que se pretende anárquica, como é o caso de Billi Pig, está na base dos problemas do filme. No apanhado, Billi Pig parece uma colagem de situações, tão fraca é a amarração que liga as cenas e os personagens. É pelas brechas dessa falta de consistência que qualquer tentativa de humor se esvai. O clássico timing, tão indispensável ao riso, dilui-se justamente porque a trama não se constrói com firmeza suficiente para sustentá-lo. É por isso que talentos como Milton Gonçalves, Selton Mello e, sim, Grazi Massafera (que embora esteja visivelmente em processo de amadurecimento se mostra com brilho suficiente para surgir como promessa de boa atriz, nem que seja pelo extraordinário carisma que carrega), não funcionam dentro da trama.

Agrava esse quadro a presença inteiramente deslocada de alguns personagens, que não apenas se apresentam completamente fora de contexto, num paralelo absolutamente desconectado do todo, como também não criam qualquer situação digna de riso ou escracho. É o caso dos personagens de Preta Gil e Milhem Cortaz. Ela, dona de uma funerária quase falida; ele, seu funcionário. Suas inserções na trama não acrescentam nada ao enredo. Eles surgem e desaparecem do filme sem qualquer explicação e sem que qualquer de suas ações influam no desenrolar dos fatos. Há também as secretárias da seguradora de fundo de quintal de Wanderley. Duas personagens que estão ali como tentativa de um humor arriscado por brincar com aspectos físicos. Um humor que quando não funciona pode caminhar para algo ofensivo. Não chega a ser o caso em Billi Pig, mas o risco está ali, latente.


Mesmo com toda essa engrenagem funcionando mal, com peças girando em falso, o filme apresenta alguns lampejos que, se explorados melhor, poderiam salvá-lo da falta de graça. É onde faltou enfiar o pé na jaca e assumir o nonsense total. Alguns desses lampejos estão nas duas sequências de musical. Ao introduzir na narrativa o elemento inesperado, a desconexão total com o plausível, ao menos se tem a chance de justificar todas as coisas entregando-se a uma anarquia verdadeira e plena. Com mais números musicais, embora estes serviriam apenas como muleta para manter de pé uma trama sem sustentação, haveria uma saída agradável, divertida e sempre aceitavelmente desorientadora. Daí se extrairia, provavelmente, alguma graça pontual no decorrer do filme e também se abririam novas possibilidades para que a colagem de mais elementos funcionassem em favor do riso. Como está, Billi Pig soa disfuncional demais. Recortes mal tramados de situações cuja possibilidade do riso se dilui numa tentativa de escracho que nunca se realiza inteiramente.
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José Eduardo Belmonte
Brasil, 2012
98 min.

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