sexta-feira, julho 08, 2011

Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres



Gainsbourg (Vie Héroïque)
Joann Sfar
França, 2010
130 min. 

Não espere neste filme uma linearidade clássica ou um realismo de verdades, daquelas cheias de ressentimento. A cinebiografia do polêmico e provocador artista francês Serge Gainsbourg, que estreia nesta sexta (08), é um filme encharcado de fantasia, elipses e música.

Estreia na direção do conceituado quadrinista Joann Sfar, o filme abre mão de qualquer historicismo didático. Para Sfar, o que interessa na vida de Gainsbourg é o mito, a realidade ele deixa para os pobres de imaginação.

Serge Gainsbourg (nascido Lucien Ginzburg) foi mais que cantor e compositor. Foi uma polêmica. Nascido em 1928, viveu os anos 60 como estes mereciam ser vividos: sem pudores, sem retrancas e com muita paixão. Colecionou polêmicas e mulheres deslumbrantes. Juliette Gréco, Brigitte Bardot, Jane Birkin. Nas polêmicas, a mais notável foi a canção “Je T’Aime Moi Non Plus”. De altíssima voltagem erótica, a canção foi composta para Brigitte Bardot em 1968. Bardot chegou a grava-la em dueto com Gainsbourg. Contudo, temendo a repercussão escandalosa que a música teria, a atriz e cantora não permitiu seu lançamento.

A música só seria lançada no ano seguinte, gravada em dueto com a também atriz e cantora Jane Birkin, então esposa de Gainsbourg. O escândalo, como esperado, foi grande. Em seus versos, a canção diz:

Como a onda irresoluta
Eu vou, eu vou e eu venho
Entrelaçado em seu dorso
Eu vou, eu vou e eu venho
Entrelaçado em seu dorso
E eu me detenho”

Para encenar (e homenagear) a vida desse artista que viveu intensamente seu tempo, Sfar constrói uma narrativa que (sei que me repito na expressão) não tem grande compromisso com a realidade. O diretor recompõe a vida do artista sem distanciá-lo do mito, da infância até o sucesso.

Com uma bela fotografia, recheado pelas ótimas canções de Gainsbourg, o filme tem uma cadência elíptica e vibrante, capaz de nos remeter à efervescência dos anos 60 e 70. Um trabalho de montagem competente que contribui para a aura fantasiosa que o filme, desde o início, apresenta. Pois para um ícone tão a frente de seu tempo, nada mais apropriado que uma generosa dose de fantasia.

Assim, se misturam na narrativa eventos e delírios na composição da personalidade de Gainsbourg, como seu alter ego, personificado em um ser antropomorfo, com nariz e orelhas desproporcionais. Essa espécie de amigo imaginário atua como uma consciência provocativa do artista. Essa opção visual da narrativa embeleza o filme e cria momentos marcantes, como a decisão de Gainsbourg de largar a pintura e o desenho para se dedicar apenas à música.

Nessa narrativa de tom fabular e mítico, um dos momentos mais emblemáticos - e que reforça a intenção do filme em tratar de mitos, não simplesmente de biografias - é a entrada na trama de Brigitte Bardot. Interpretada pela modelo Laetitia Casta, a cena é antológica, com a energia e o poder que merece o mito Bardot.

Na interpretação e composição do mito protagonista, o ator Eric Elmosnino está irrepreensível como Gainsbourg. Não apenas pela imensa semelhança física, mas também pelos gestos e expressões. Com ótima sintonia, sua atuação trabalha em função do imaginário, da construção de uma personificação a altura de um símbolo, a altura de um polêmico transgressor de seu tempo como foi Serge Gainsbourg.

Bonito, vibrante, sensual, delicioso. No título original do filme lê-se, entre parêntesis: “Vie Héroïque” (vida heroica). Uma vida heroica me parece a mais adequada definição do mito Gainsbourg. No propósito de exaltá-la, reescrevê-la e dar a ela a devida dimensão artística e mítica, o filme realiza uma aventura fascinante e magnífica. Por isso encanta, seduz e arrebata.
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