quinta-feira, janeiro 13, 2011

Otávio e as Letras




Otávio e as Letras 
Marcelo Masagão
Brasil, 2007

O filme de Marcelo Masagão, “Otávio e as Letras”, consegue, através da composição de personagens excêntricos, atingir uma rara beleza e propor um delicado enigma.

No filme, pequenas e grandes obsessões de personagens exóticos revelam olhares distintos e surpreendentes sobre a cidade e a solidão. Uma solidão que encontra nas tais obsessões um meio de expressão e poesia. E como enlace dessa poesia está a cidade, de muitas ruas e poucos caminhos, de multidões e ausência de pessoas, onde se cruzam, eventualmente, três personagens.

Arthur é um taxista que guarda no interior de seu táxi todos os caminhos da cidade, todas suas ruas. Tem por hábito fotografar a cidade em fotos onde não aparecem pessoas, fotos de uma cidade nua.

Clara é uma prostituta. Nas horas vagas fotografa as pessoas em sua intimidade. Através da janela de seu apartamento bisbilhota os prédios vizinhos e a vida cotidiana de seus moradores. Clara guarda com imagens e quadros uma relação muito particular, como se quisesse desconstruir o real pela fragmentação do tempo capturado.

Mas é Otávio, com sua incansável obsessão e sua articulada solidão, quem mais transcende a cidade e seu vazio improvável. Realiza-se nesse personagem uma quase surreal personificação urbana, de loucura, de solidão, de desajuste.

Otávio passa os dias pelas ruas de São Paulo recolhendo revistas, jornais, panfletos e todo tipo de papel impresso. À noite, em seu apartamento, se ocupa minuciosamente de riscar, com uma caneta bic, todas as palavras impressas. É com esse material de “anti-palavra” que ele confecciona pequenos rolos de papel amarrados com barbante que vai deixando pela cidade: em bares, bancos de praça, caixas eletrônicos, bancas de jornal.

Com esses três personagens, Masagão compõe um quadro de belíssima solidão, onde as palavras e as pessoas são subtraídas, riscadas, numa articulada alegoria da cidade e de seus personagens mais genuínos. A alegoria do individuo, que é por excelência um universo inteiro de manias, esquisitices, particularidades estranhas; e desse indivíduo na cidade, dentro da qual se anula, desaparece, ausenta-se de sua individualidade.

Para pontuar suas abstrações poéticas, repletas de sentidos subterrâneos, “Otávio e as Letras” é permeado por uma trilha sonora impecável, que conduz a narrativa com ritmo preciso. Some-se a isso uma interpretação primaz de Donizete Mazonas como Otávio e as imagens da cidade de São Paulo, vista sob uma perspectiva de exceção, de vazio incomum.

“Otávio e as Letras” consegue com pouquíssimas palavras descrever e representar a metrópole e sua solidão opressiva. Porém, sem o ranço de uma tristeza melancólica e pesada, mas com uma leveza apaixonante, dizendo muitas coisas sem precisar dizer nada. Um filme raro, de sentimento raro e rara beleza.
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