No Meu Lugar
Eduardo Valente
Brasil, 2009
A partir de um fato trágico, “No Meu Lugar” desenvolve uma elaborada estrutura narrativa de tempo e espaço. É partindo desse vértice que o diretor constrói um inusitado paralelismo entre passado, presente e futuro. Cria um intrincado círculo em torno do qual e a partir do qual giram tempos narrativos distintos. Um interessante quebra-cabeça cujas peças vão se ligando, refazendo e dado ampla dimensão ao mesmo quadro com que o filme se abre.
A construção não se apressa. Tem ritmo e cadencia firme, montagem que equilibra os três tempos. O breve desnorteio inicial aos poucos vai se definindo como uma história que será montada, pontas que serão amarradas. O tempo avança e retrocede em torno do vértice, se encaminha para o início da mesma forma que segue para o fim. Um jogo que revela a humanidade – com erros e acertos, equívocos e desenganos. Sem julgamentos.
Abertura
O filme abre com um rosto em primeiro plano. Com uma expressão amena, como quem medita e tem bons planos, despreocupado. À medida que a imagem se abre, vemos que segue em um carro em movimento, como quem viaja. Mais uma abertura na imagem e o fuzil que lava a tira-colo chama a atenção. O que vemos é um policial numa viatura.

O policial entra na casa. A câmera não. A imagem da fachada da casa, as vozes que vem de dentro, o disparo. Retém-se na retina aquela fachada, aquela porta. Sua repetição será a memória ativada de que dali partem todas as histórias da narrativa. Indica também que para ali convergirão, circularmente. O quebra-cabeça se desdobra diante de nós, montá-lo e entendê-lo será o desafio. Porque unir as peças não é o difícil, compreender o quadro que formarão é que talvez seja.
O Humano
Em seu filme, Eduardo Valente foca o humano. Não com o lirismo trabalhado feito fábula humanista, nem com a crueza exacerbada pelo áspero. Ele é simples. Por isso não cai em julgamentos, maniqueísmos ou simplificações arbitrárias. Recorre, sim, à já quase desgastada estilisticamente violência urbana carioca. Mas segue caminho diverso, sem espetáculo ou dramalhão. Até pela natureza do elaborado roteiro, prefere a construção em vez da constatação. Por isso é mais complexo.

“No Meu Lugar” é um filme de ritmo bem cadenciado, mas que parece patinar no terceiro quarto. Ali as narrativas empacam e há uma aparente tergiversação que não caminha adiante. Também se equivoca no uso exagerado da trilha sonora, presente em excesso com a mesma música que de moldura passa a cansaço. Falhas ou exageros que atrapalham e dispersam a experiência do filme.
Mesmo assim, “No Meu Lugar” se mostra um bom filme, que expõe de maneira natural e humana dramas comuns, causas e consequências da tragédia. Se falha em alguns momentos, compensa essa falha por conduzir bem um roteiro que facilmente poderia ser motivo de embaraço e tropeço irreparável. No entanto, mostra-se ousado na forma e confiante no conteúdo. Termina por se sair muito bem e proporcionar uma boa experiência de cinema e exercício narrativo.
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