quinta-feira, março 13, 2014

Nebraska

Duas coisas são recorrentes nos filmes do diretor americano Alexander Payne. A primeira são os personagens afundados em dramas dos quais emergem situações cômicas; a segunda são os desfechos apelativos que oscilam do puramente ruim ao sentimentalismo rasteiro.

Em relação ao primeiro caso, o diretor parece ter encontrado em Nebraska uma evolução positiva, com uma equilibrada dosagem de humanidade e sutileza no estabelecimento das relações entre os personagens. No segundo, a coisa piorou.

Por conta disso, Nebraska poderia até ser um exemplo para uma discussão sobre o quanto um final ruim pode estragar o todo de um filme que, excluindo-se o desfecho, é uma obra cheia de qualidades. Pode o final desqualificar todo o resto? A reflexão fica para outro momento.

Filme de estrada, Nebraska apresenta Woody Grant (uma atuação iluminada de Bruce Dern), um velho que sofre de Alzheimer e está convencido de que ganhou um milhão de dólares. Sua crença se baseia em um folheto de propaganda que ele acredita ser um bilhete premiado. Mas para retirar o prêmio ele precisa ir da cidade de Billings, em Montana, até Lincoln, em Nebraska, numa viagem de mais de 1,3 mil km.

Como não pode mais dirigir, é frequentemente apanhado por familiares ou policiais na estrada, tentando ir a pé até o outro estado. Uma teimosia que afeta a vida de toda a família – da mulher, Kate (June Squibb), aos dois filhos, David (Will Forte) e Ross (Bob Odenkirk). Todos respingados por algum ressentimento a respeito do homem, que teve uma vida marcada pelo alcoolismo.

Cansado da situação, o filho mais novo, David, decide então levar o pai até o outro estado, apenas para provar que ele está errado e encerrar o assunto. No caminho, feito de carro, uma parada para visitar parentes na cidade natal do velho.

Para contar essa história, Payne opta por filmar em preto e branco. Um artifício que neste caso se esquiva da estética pedante que a utilização recente desse recurso tem representado. Na fotografia e no desenrolar da trama, tem-se a impressão de que na vida daqueles personagens não há espaço para cores, o monocromático parece ser a única forma de representá-los.

Nesse sentido, o diretor usa muito bem o recurso da fotografia para compor também o sentimento do filme e não apenas para servir de moldura para ele. Mas a construção desse sentimento nunca é óbvia.

Em grande parte graças a um elenco com atuações muito inspiradas, esse tal sentimento é desenvolvido com a sutileza dessas atuações. Ele está no estabelecimento não verbal das relações entre os personagens, na mágoa recorrente que paira entre eles, numa certa solidão incontornável. Além de certa indiferença, uma distância que o tempo construiu e que parece ser difícil superar.

Há também a muito evidente volta ao passado, presente no reencontro da família. Mas ali está muito mais uma amargura estagnada do que o reencontro catártico com as raízes. Sim, revela-se um pouco de quem são e essa descoberta parece afetar de forma sutil o entendimento de David sobre seu pai. Mas a típica natureza familiar aflora na mesquinharia, na falta de perspectivas humanas ou morais.

Em tudo isso a simplicidade humana da vida, que Payne sempre trabalha muito bem, colocando seus personagens em situações cheias de uma graça incomum, justamente por serem pessoas comuns. Como antes em As Confissões de Schmidt, Sideways e Os Descendentes, o trágico-dramático do cotidiano, da vida real, com seus dramas reais, aflora com um humor oblíquo que confere realidade aos personagens. Apenas porque também assim é na vida real.

Como filme de estrada, Nebraska revela-se uma quase antítese, já que a transformação inerente à viagem não parece preencher o vazio ou o destino de seus personagens. É apenas uma continuação do antes, sem lições. Apenas a vida comum que segue em sua melancolia de volta à normalidade. Uma característica que atribui ao filme uma verdade menos mítica e mais verdadeira.

Mas há o final, a solução forçada que Payne sempre precisa para dar algum sentido a seus personagens, seja humanizá-los além do necessário, seja recompensá-los de alguma forma. Neste caso, o desfecho do filme mais uma vez vai para o sentimentalismo, piorado agora por uma visível pressa em terminar. Uma lamentável perda do time para um filme que ia tão bem.
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Nebraska
Alexander Payne
EUA, 2013
115 min.

Trailer

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