Ao contrário da frase que se atribui a Che Guevara, em Indomável Sonhadora não há muito espaço para ternura no processo de endurecimento infringido à pequena Hashpuppy (Quvenzhané Wallis), uma garota de apenas seis anos.
Porém, se por um lado as pessoas que a cercam persistem no
embrutecimento como forma afetuosa de prepará-la para a vida, por outro a menina
consegue preservar seu olhar fantasioso para essa tal vida que tanto a desafia.
É um olhar terno este que ela lança para o mundo ao redor. Mas é também um
olhar duro.

A indicação de Wallis é mais que merecida. Na pele de
Hashpuppy, ela carrega sobre os ombros um filme duro e desalentado. Seu único
escape é a fantasia, mas uma fantasia que na mesma medida serve como fuga do
medo, torna-se muitas vezes a própria representação desse medo. Hashpuppy vive
com seu pai, Wink (Dwight Henry), em uma comunidade pobre da Louisiana, num
cenário de pobreza e devastação, próximo a uma barragem.

Neste cenário de desolação, Hashpuppy vai tomando
consciência que seu pai esconde dela uma misteriosa doença que o está
consumindo. A relação entre eles é de permanente tensão, pois são ambos (e
também todos que o cercam), sobreviventes da pobreza e da ignorância. Para eles
a vida é a luta diária da resistência, além de certo tipo de companheirismo
entre amigos.
No mundo de Hashpuppy não há espaço para a fraqueza. É
preciso uma força selvagem para resistir e é essa força que todos tentam impor.
Assim, Indomável Sonhadora retrata
quase que um rito de passagem precoce da jovem menina, no qual a brutalidade
das relações não representam desprezo ou ódio, mas uma forma terna, distorcidamente
terna, de fortalecê-la para a vida.
É nesse contexto que a atuação de uma atriz infantil
surpreende pela força com que alterna essa brutalidade absorvida com uma
sonhadora percepção da realidade. Mas aqui não se tem a sonhadora tradicional,
que constrói na fantasia um mundo perfeito. Em suas fantasias há a mesma
animalidade com que a vida a cerca, uma bestialidade de força e selvageria, que
é contra a qual ela terá de aprender a lutar.

Estreia na direção de longa metragem do jovem Benh Zeitlin, Indomável Sonhadora também concorre ao
Oscar de melhor filme (além de direção e roteiro adaptado). Com uma beleza
extraída da desolação e da aridez das relações, filtrada sempre pelo olhar
inocente e ao mesmo tempo duro de Hashpuppy, o filme é contido como apelo
dramático, o que evita um descarrilamento para o drama choroso. Suas emoções
não são extraídas das lágrimas fáceis, mas da força crescente que se revela em
sua protagonista.
--
Beasts of the Southern Wild
Benh Zeitlin
EUA, 2012
93 min.
Trailer
0 comentários:
Postar um comentário