Ao contrário da frase que se atribui a Che Guevara, em Indomável Sonhadora não há muito espaço para ternura no processo de endurecimento infringido à pequena Hashpuppy (Quvenzhané Wallis), uma garota de apenas seis anos.
Porém, se por um lado as pessoas que a cercam persistem no
embrutecimento como forma afetuosa de prepará-la para a vida, por outro a menina
consegue preservar seu olhar fantasioso para essa tal vida que tanto a desafia.
É um olhar terno este que ela lança para o mundo ao redor. Mas é também um
olhar duro.
Com apenas nove anos de idade, Quvenzhané Wallis concorre ao
Oscar de melhor atriz pelo papel. É a mais jovem atriz a ser indicada nesta
categoria, que este ano traz também, por coincidência, a atriz mais velha a
concorrer: Emmanuelle Riva, que exatamente no dia da cerimônia completará 86
anos. Ela concorre pelo filme Amor,
de Michael Haneke.
A indicação de Wallis é mais que merecida. Na pele de
Hashpuppy, ela carrega sobre os ombros um filme duro e desalentado. Seu único
escape é a fantasia, mas uma fantasia que na mesma medida serve como fuga do
medo, torna-se muitas vezes a própria representação desse medo. Hashpuppy vive
com seu pai, Wink (Dwight Henry), em uma comunidade pobre da Louisiana, num
cenário de pobreza e devastação, próximo a uma barragem.
De sua mãe conhece apenas as histórias que seu pai conta,
sempre em tom mítico. Não é certo se ela morreu ou apenas os abandou. Quando
uma tempestade se aproxima, muitos moradores partem para abrigos, mas a menina,
seu pai, e outro grupo de insensatos resistentes ficam para testemunhar a
grande inundação que se segue à tempestade.
Neste cenário de desolação, Hashpuppy vai tomando
consciência que seu pai esconde dela uma misteriosa doença que o está
consumindo. A relação entre eles é de permanente tensão, pois são ambos (e
também todos que o cercam), sobreviventes da pobreza e da ignorância. Para eles
a vida é a luta diária da resistência, além de certo tipo de companheirismo
entre amigos.
No mundo de Hashpuppy não há espaço para a fraqueza. É
preciso uma força selvagem para resistir e é essa força que todos tentam impor.
Assim, Indomável Sonhadora retrata
quase que um rito de passagem precoce da jovem menina, no qual a brutalidade
das relações não representam desprezo ou ódio, mas uma forma terna, distorcidamente
terna, de fortalecê-la para a vida.
É nesse contexto que a atuação de uma atriz infantil
surpreende pela força com que alterna essa brutalidade absorvida com uma
sonhadora percepção da realidade. Mas aqui não se tem a sonhadora tradicional,
que constrói na fantasia um mundo perfeito. Em suas fantasias há a mesma
animalidade com que a vida a cerca, uma bestialidade de força e selvageria, que
é contra a qual ela terá de aprender a lutar.
No seu imaginário de realismo fantástico, esta força da
natureza é personificada em monstros selvagens que se aproximam para devastar.
Eles são a representação de seus medos acumulados e é com esses medos que ela
terá de se confrontar em algum momento.
Estreia na direção de longa metragem do jovem Benh Zeitlin, Indomável Sonhadora também concorre ao
Oscar de melhor filme (além de direção e roteiro adaptado). Com uma beleza
extraída da desolação e da aridez das relações, filtrada sempre pelo olhar
inocente e ao mesmo tempo duro de Hashpuppy, o filme é contido como apelo
dramático, o que evita um descarrilamento para o drama choroso. Suas emoções
não são extraídas das lágrimas fáceis, mas da força crescente que se revela em
sua protagonista.
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Beasts of the Southern Wild
Benh Zeitlin
EUA, 2012
93 min.
Trailer
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