quinta-feira, janeiro 19, 2012

2 Coelhos


 


Afonso Poyart
Brasil, 2012
108 min.

Munido de um batcinto de utilidades de referências do cinema moderno, Afonso Poyart não hesita em aplicar todas elas em sua estreia na direção. O resultado é bom, mas carece de depuração, de uma mão menos pesada na estética e no empilhamento de referências, que passam por Guy Ritchie, Tarantino, Michael Mann, Zack Snider e videogames.

Em 2 Coelhos, cada personagem é um fio condutor. Entre cruzamentos e embaraços da narrativa, todos esses personagens se ligarão como parte de um plano de vingança, justiça e redenção. O coordenador desse grande plano é Edgar (Fernando Alves Pinto), um jovem classe média que voltou recentemente dos EUA. Ele foi para o exterior depois de se envolver num grave acidente de trânsito com vítimas fatais. Absolvido pela justiça por meio dos recursos da corrupção, uma temporada em Miami pareceu a melhor alternativa naquele momento.

Foi lá que teve tempo e ociosidade para tramar sua grande jogada, com a qual pretende matar dois coelhos em um único lance. Seu plano envolve um deputado corrupto, um poderoso traficante e membros também corruptos do Ministério Público. Sua motivação seria o justiçamento, um ato contra o sistema. Mas esta justiça é apenas cortina de fumaça para um plano muito maior. Um plano que só será revelado nos segundos finais do filme.

Poyart monta sua história com uma narrativa não-linear. Feito um cubo mágico, estabelece relações entre os personagens, e num momento seguinte conecta outro elemento, reconfigurando a trama. Essa montagem é eficaz, dá mobilidade à história, reestrutura perspectivas e prende a atenção. No leque de citações, apresenta cenas de ação, perseguição e tiroteios abusando das referências. São câmeras-lentas, travellings, imagens cristalinas de uma ação estetizada, influências claras de um cinema de ação cheio de estilo e personalidade.

No entanto, esse acúmulo de efeitos de estilo mais parece um empilhamento do que um arranjo. O excesso despersonaliza. O resultado muitas vezes cai num poluído aglomerado de efeitos especiais, que ora funcionam bem, ora extrapolam o necessário. São os efeitos, inclusive, que chamam a atenção no filme. Nesse aspecto, a produção tem uma qualidade muito boa dentro das limitações orçamentárias do cinema nacional.

Mas o filme não escapa de falhas. Em uma trama tão elaborada, com elementos de quebra-cabeça, o roteiro precisa ser forte. Neste caso, não é. São furos e conexões frágeis que estão ali para amarrar a história, muitas vezes sem muita consistência. Parte dessas falhas são encobertas pela edição rápida, pela estrutura fragmentadas, que funcionam como elementos dispersivos da atenção. Com um pouco mais de simplicidade a consistência da trama seria outra, muito melhor.

Porém, nada irrita mais que o didatismo de certas tomadas. São planos que se repetem em meio ao andamento de idas e vindas no tempo, como se fosse preciso explicar duas ou três vezes ao expectador – duvidando de sua inteligência ou capacidade de concentração – o que está acontecendo ou como algo aconteceu. Como o replay em transmissões esportivas, o filme repete cenas e momentos que estavam perfeitamente claros desde a primeira vez, ao menos para quem não saiu da sala para recarregar o saco de pipocas ou não estava teclando no smartphone. É a concessão à distração ou a dúvida na capacidade do espectador em entender o que está acontecendo.

2 Coelhos é diversão. Funciona como tal. Assume na sua premissa o desejo punidor da população contra bandidos, armados de pistolas ou armados de gravatas. Vai além no desenrolar de seu roteiro e cria uma trama secundária que logo passa à frente. Faz bem essa inversão, mas peca nos excessos. Faltou equilíbrio e apuro, faltou não impregnar-se tanto de uma linguagem sustentada pela estética publicitária/videoclip revestida de cinema cult contemporâneo. Como primeiro longa, não está mal. Poyart surge como promessa. Com apuro, pode vir a ser muito melhor.
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