quinta-feira, março 01, 2012

Entrevista: José Eduardo Belmonte – Parte 2

Em dezembro de 2010, fiz uma entrevista exclusiva com o diretor José Eduardo Belmonte para o Eu, Cinema. Na época, estava prestes a ser lançado seu filme Billi Pig, estrelado por Selton Mello, Grazi Massafera e Milton Gonçalves. Para entrevistá-lo, visitei o set de filmagens de O Gorila, filme que estava rodando, baseado no conto homônimo de Sérgio Sant’Anna. No elenco, Otávio Muller, Mariana Ximenes, Alessandra Negrini e Luíza Mariani. A seguir, o relato desta entrevista, dividido em duas partes.

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Billi Pig marca também a estreia de Grazi Massafera como protagonista no cinema. Sua única experiência anterior na telona foi uma participação em Didi - O Caçador de Tesouros, de 2006. A atriz e modelo conquistou fama ao participar da quinta edição do reality show Big Brother Brasil, em 2005. Desde então, vem trabalhando como atriz em novelas e minisséries.

Por ser uma ex-BBB, Grazi sofreu com o preconceito de parte da classe artística quando começou a atuar. Por outro lado, dona de um carisma monumental, a atriz vem recebendo elogios pela dedicação com que se entrega aos trabalhos e também pelo talento demonstrado. "A Grazi é uma estrela de grandeza infinita, extremamente carismática", rasga-se em elogios Belmonte. Sobre a inexperiência da atriz, enfatiza que nunca foi um problema. Diz que para ele interessa não apenas o ator e sua técnica, mas principalmente a pessoa e sua bagagem de vida. "De certa forma, eu me aproprio muito da pessoa, do ser humano, e aí todo mundo joga igual, não tem essa de inexperiência", afirma o diretor, que revela já querer trabalhar com ela há algum tempo, desde seu filme anterior. "Queria dar a ela um papel dramático."

Foi durante a preparação para Se Nada Mais der Certo que ele a conheceu, por intermédio de seu marido, o ator Cauã Reymond, que atua no filme. "Acabou não rolando por uma série de questões de agenda. Por fim, entrou a Luíza Mariani, que se encaixou perfeitamente no papel."

Sobre as críticas à Grazi por ela não ter formação e ser uma ex-BBB, Belmonte diz não ter preconceitos desse tipo e que críticas assim partem muitas vezes de pessoas com visão estreita e reacionária, além de uma certa preguiça intelectual. "São pessoas que tem uma postura muito dogmática com a vida e as coisas não podem ser assim."

Esta também é a primeira vez que o diretor trabalha com Selton Mello. Ao falar da experiência de dirigir o ator, resume em uma frase: "Selton Mello é um Pelé". Belmonte afirma que ele é um dos melhores de sua geração e que também é uma figura de grande generosidade. "Ele não entrou nessa de preconceito com a Grazi. Muito pelo contrário, se mostrou interessado e foi extremamente atencioso".

Recentemente, na coletiva de imprensa para o lançamento do filme, o ator declarou toda sua admiração pelo trabalho da colega. "Acho a Grazi extraordinária. O que ela faz é algo de muita coragem, de muita humildade e não é qualquer pessoa que tem essa disposição. Nós ainda vamos vê-la fazendo coisas muito boas", enfatizou Selton.

Faz-se silêncio no set. No ar, apreensão e expectativa. Já está valendo. Otávio Muller e Luíza Mariana se abraçam longamente. Separam-se em seguida revelando a profunda consternação de seus personagens. Quando começam a dizer suas falas, um som de motor de carro da Fórmula 1 irrompe do apartamento ao lado. Corta! Sem precisar dizer nada, o diretor olha para os assistentes. Batem na porta do vizinho e pedem, com gentileza, que reduza o volume do videogame. No apartamento, que parece ser dividido por um grupo de jovens universitários, o rapaz que abriu a porta se desculpa e baixa o volume. Vamos para mais uma tentativa.

"Billi Pig é também um ato político muito meu, tanto na anarquia da história quanto na tentativa de estabelecer um outro tipo de diálogo com o público", assume Belmonte. "Aliás, se você prestar atenção, verá que a anarquia é algo recorrente nos meus filmes". Essa anarquia pode ser vista em A Concepção – primeiro longa do diretor no qual os personagens pregam a morte do ego e a experiência de ser uma pessoa diferente a cada dia – e mesmo nos primeiros curtas, como o 5 Filmes Estrangeiros, de 1997, em que uma sucessão de acontecimentos nonsenses acontecem quando um nepalês se revolta por não aguentar mais ser chamado de japonês.

Antes de retomar a gravação, outra batida na porta do mesmo vizinho. Desta vez, por ele estar falando alto ao telefone. Para a equipe, é claramente desconfortável interferir no cotidiano das pessoas do prédio, mas todos sabem que isso faz parte dos desafios de se fazer um filme. Quando tudo está novamente pronto, o diretor dá o sinal verde. Os atores se abraçam novamente, separam-se, conversam. Há tristeza, choro, lamento. Pelo monitor, fora do cômodo apertado onde a cena é gravada, José Eduardo Belmonte acompanha tudo com atenção. Quando Otávio Muller sai de cena pela porta, Belmonte sentencia: "Corta!". Seu entusiasmo com o resultado deste primeiro take se revela numa breve comemoração em que arrisca uns passos de twist no meio do set.

"A vida é muito curta para você viver uma coisa só. Não podemos ficar presos a nós mesmos para sempre", filosofa ao explicar a mudança abrupta de partir para uma comédia como Billi Pig. "É claro que de alguma forma a gente sempre se repete, mas eu prefiro me repetir brincando. Não dá para ficar fazendo sempre o mesmo filme."

Distopia, anarquia, drama existencial, comédia popular com jeito de chanchada, thriller de humor cáustico. Até agora, Belmonte já passeou por todas essas formas narrativas em seus filmes, entre os finalizados e em produção, como é o caso de O Gorila. Qual seria o próximo?

"Um road movie", revela. "Quero filmar do Recife até a Patagônia. O longa deve se chamar A Magia do Mundo Quebrado", conta sem dar mais detalhes

Além desse e outros projetos, um antigo sonho do diretor é filmar um diário do escritor Oswald de Andrade. "Era para ter sido feito depois de Se Nada Mais der Certo. Cheguei a escrever o roteiro, cheguei a negociar os direitos com o Rudá de Andrade [filho de Oswald de Andrade que faleceu em 2009], mas com a morte dele o espólio da família virou alvo de ações na justiça e com a indefinição eu não consegui ainda comprar os direitos", esclarece. "Mas ainda quero fazer esse filme".

Billi Pig deve estrear em cerca de 200 salas pelo país. O Gorila ainda não tem previsão de lançamento. Depois de mais alguns takes gravados – e de mais outros tantos contratempos – me despeço de Belmonte e da equipe. São quase onze horas da noite, que segue tão abafada quanto foi o dia. No set, os trabalhos estão apenas começando.

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