segunda-feira, maio 16, 2011

Reencontrando a Felicidade



Rabbit Hole
John Cameron Mitchell
EUA, 2010
91 min.

A construção da dor dos personagens de “Reencontrando a Felicidade”, filme que está em cartaz em São Paulo, não passa pela melancolia silenciosa, pelo isolamento depressivo ou pela tristeza aguda. Na elaboração do sentimento de perda, o filme evita as armadilhas e clichês que poderiam transformar a história em uma profunda e depressiva experiência.

Em vez disso, opta pela iluminação de um subúrbio bucólico e pela mobilidade constante dos personagens. Tudo se oculta - e ao mesmo tempo transparece - nos gestos que buscam disfarçar, dentro de uma normalidade forçada, o que realmente sentem.

Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart) perderam o filho de 4 anos, atropelado em frente de casa. Oito meses após a tragédia, tentam levar a vida adiante, buscando a superação da dor. É na rotina de casal comum que o sentimento de perda se revela aos poucos, escondido no cotidiano, no esforço de cada um em encontrar seu lugar dentro de uma relação tão abalada pela tragédia.

Acontece, porém, que esse cotidiano é frequentemente pontuado pela lembrança, pela presença da tragédia na vida desse casal. Com isso, a normalidade dissimulada só ressalta a estranheza com que habitam o espaço da casa, a estranheza de uma relação em que a intimidade se torna uma máscara mal colocada. Gradualmente, a evidência de que as coisas não estão bem - nem parece que irão ficar um dia - faz com que mágoas, acusações e feridas venham à tona.

Em meio ao desnorteio do qual parecem incapazes de sair, surgem elementos externos complicadores. A irmã de Becca que engravida, a mãe que por ter sofrido trauma semelhante insiste em dar conselhos, o ensaio de uma aventura extraconjugal, encontros inusitados e desconcertantes com o motorista envolvido no acidente.

Com essas situações, o filme explora uma ampla gama de complexidade no lido com o trauma e nas formas de fugir dele. Uma fuga que pode vir da memória ou da articulação de um entendimento do sentido da vida diante de tragédias tão dolorosas. Ou a simples recusa de tudo.

Cena chave para que se inicie esse processo de complicação, é quando Becca irrompe subitamente. Durante uma sessão de grupo de apoio para pais que sofreram perdas parecidas, ela não suporta ouvir mais uma vez de um casal que Deus levou seu filho porque precisava de mais um anjo. Com uma secura amarga de desengano diante dos desígnios divinos, Becca pergunta: “Por quê? Por que Ele simplesmente não criou mais um anjo? Afinal, Ele é Deus, não?”.

Em um tipo de drama subterrâneo que emerge devagar, as mágoas vão aflorando e as explosões acontecendo. Vítima de uma dessas explosões, Dianne Wiest, que interpreta de forma tocante e sensível a mãe de Becca, exercerá um papel fundamental no apaziguamento da filha. Mas não sem que antes se ressintam mutuamente, revolvendo feridas que nunca cessam de doer.

“Reencontrando a Felicidade” é um filme no qual os personagens parecem tatear, buscando um encaixe que os recoloque no eixo de suas vidas, um eixo a partir do qual possam seguir adiante e esquecer a dor e a ausência. Mas descobrirão com o tempo e com a experiência que essa dor não é algo para esquecerem ou consumirem. Ela não termina. Diante disso, a paz que procuram é algo que deve ser permanentemente construído. Devagar e de mãos entrelaçadas. É isso que faz desse drama familiar uma bela história de busca pelo reencontro da felicidade.

Texto publicado originalmente no portal Guia da Semana
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