sexta-feira, agosto 19, 2011

Um Sonho de Amor



Io Sono L’amore
Luca Guadagnino
Itália, 2009
120 min.

Questões como redescoberta de identidade e pertencimento estão implícitas na alma desse novo filme do italiano Luca Guadagnino, que estreia hoje nos cinemas. Por cima dessa alma, derrama-se uma história de amor proibido, de paixão sem amarras, de consequências trágicas. É o cinema italiano com sua força dramática e seu episódio de família que se reergue com a força e a delicadeza que sempre o marcaram.

Tilda Swinton interpreta Emma Recchi, dedicada esposa de um rico industrial, membro de uma tradicional e aristocrática família italiana. Mãe de três filhos adultos, ela preserva uma relação especial com dois deles: Elisabetta (Alba Rohrwacher) e Edoardo (Flavio Parenti). A menina é uma jovem artista plástica que esconde sua opção sexual da maior parte da família (exceto de sua mãe e de seu irmão Edoardo). O rapaz é o primogênito que leva sobre si a responsabilidade do sobrenome Recchi e recebe do avô a missão de comandar a fábrica da família ao lado do pai.

Nascida na Rússia, Emma se incorporou com perfeição à família do marido. Discreta e exemplar, ela demonstra um atento zelo nos cuidados com a casa, com os empregados e com os familiares. Não aspira a nada além disso. Até que surge Antonio, um chefe de cozinha que se tornará o melhor amigo de Edoardo. Ele sonha em abrir um restaurante numa propriedade isolada da cidade, onde poderia servir os pratos que gosta de criar. Convidado a preparar um jantar festivo na casa dos Recchi, seus pratos provocarão em Emma um prazer erótico intenso.

Com muito equilíbrio, o filme ressalta a atmosfera aristocrática familiar, as relações cordiais e protocolares de uma família que se assenta na tradição da fortuna e do sobrenome. Para alguns, essa tradição é sempre um peso a ser carregado, sejam filhos herdeiros ou esposas muito conscientes dessa tradição. 

O desequilíbrio desse quadro de costumes começa com a atração que Emma passará a sentir por Antonio. Essa paixão trará a Emma uma nova condição, uma descoberta de algo adormecido no seu íntimo, preservado talvez em sua ligação com a infância e com a pátria de sua origem.

O diretor Luca Guadagnino constrói seu filme com grande sutileza. Sua fotografia filtra uma luz que ora ressalta a frieza aristocrática da tradição familiar, ora revela a luminosidade erótica do desejo. Sua montagem e trilha sonora criam um jogo de cena insinuante e instigante, com tons de mistério e tensão. A cena em que Emma prova um prato de Antonio com o prazer de um orgasmo contido, a forma como se ilumina seu rosto, como se filma o manuseio do prato, a proximidade da câmera e a promessa inebriante de prazer são de uma beleza erótica rara e delicada.

Nessa relação de paixão proibida, tudo converge para o escândalo e para a tragédia. A comida, nesse caso, está presente como elemento descortinador do pecado. O que inclui o filme também no gênero food film. A revelação, acompanhada da tragédia, descortinará uma Emma que não se percebia amarrada e cerceada de sua verdadeira vocação para a vida e para o amor. Seu último gesto diante do Recchi será operístico, dramático, decidido e corajoso. Numa cena final de suspender a respiração, tomada pela música e finalizada com uma troca de olhares surpreendentemente tocante, o título original do filme se faz claro e poético, como se gritasse em silêncio: eu sou o amor!
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